ESTAMOS EM GREVE?

Saio de casa, munido apenas de meia dúzia de talões, comprovantes, contas, papeis do tipo. Passo a chave na porta, subo algumas quadras. Ando por metros, passo por ruas, atravesso-as, misturo-me aos transeuntes e aos carros e sons diversos do cotidiano. É bem provável que eu, como estudante dependente da renda dos meus pais, decida pagar as contas com certo aperto. Tudo bem até o momento. Eu me desloco da minha casa e da minha rotina, saio do percurso habitual e cotidiano na intenção de pagar as dívidas. Quando chego até o banco noto o tumulto e o burburinho reinantes – vejo a fila crescer diante de mim, percebo que todos estão confusos e que a possibilidade de concretizar minha ideia inicial é quase nula. Os bancários estão em greve, avisto nos cartazes espalhados pelos vidros do prédio. Algumas outras pessoas, assim como eu, aparentam perceber na hora o que exatamente está acontecendo.

Sou mãe, tenho duas filhas. Uma delas tem seis anos de idade e a outra acabou de completar doze. Todos os dias eu saio de casa pela manhã, pego um ônibus até o centro e largo as duas meninas na escola. Logo após o meu primeiro percurso, tomo o rumo por mais algumas quadras, pois trabalho em um salão de beleza. Hoje eu fiz o mesmo caminho de todas as manhãs – só que, desta vez, ao chegar em frente à escola das minhas filhas, deparo-me com uma movimentação incomum. Alunos, mães e professores estão em frente à escola – e eu que achava que estava atrasada – descubro que as aulas não começariam naquele dia. Minhas filhas encontram as colegas e eu pergunto a todos que encontro o real motivo de estarmos parados ali. Escuto da professora de História da minha filha mais velha que naquele momento os professores de todo o Estado estavam paralisados em função da greve geral. Não sei exatamente o que fazer neste momento, já que não posso deixar minhas duas filhas sozinhas e ir trabalhar. Opto por levá-las comigo e, mesmo entendendo por cima o motivo da greve, não consigo não pensar que as meninas perdem mais um dia de aula.

Os dois depoimentos anteriores, apesar de parecerem muito reais, são frutos da ficção.

Greves?

Encerrou-se na semana passada, na maior parte dos bancos nacionais, a greve geral dos bancários. A classe exigia o reajuste salarial de 11%, além da reformulação de alguns benefícios necessários. Após conversações, a Fenaban (Federação Nacional dos Banqueiros) anunciou que a proposta da instituição era um ajuste de 7%. Alguns dos bancários, em greve desde o dia 29, aceitaram e deram por encerrado o assunto. Outros poucos resistem. Neste mesmo ano, outra greve: os professores paralisaram suas atividades na intenção de reivindicarem também pelo aumento de salário e pela consideração de melhorias de trabalho para a categoria. Em abril, escrevi um artigo sobre a greve e as consequências em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Aliás, qual é a sua relação direta com greves como as duas citadas? Quais as informações que recebmos a respeito de movimentos como esses? É complicado entender a relação e tão mesmo complicado mobilizar a sociedade para a defesa dos mais diversos interesses trabalhistas.

Direitos trabalhistas?

A conhecida, e de certa forma aclamada, Revolução Industrial gerou, obviamente, consequências fortes aos trabalhadores. Surgiram as novas classes e as novas divisões de classe – não mais inflexíveis, como as da Idade Média, mas igualmente separatistas. Na estrutura socioeconômica, a separação entre o capital (representado pelos patrões e donos dos empreendimentos) e a força de trabalho (representada pelas classes trabalhadoras assalariadas) fez com que a as chamadas cooperativas, conhecidas como o principal sistema de trabalho das sociedades percussoras, dessem lugar a uma nova organização social do trabalho, do mercado e, é claro, da sociedade. Quando os trabalhadores deixaram de viver da posse de suas próprias ferramentas e passaram a comercializar a sua força e a sua capacidade de trabalho, a exploração e as divergências tomaram conta do cenário. Afinal, o homem não é uma máquina e a sua capacidade tem prazo de validade. A crítica principal que se faz aos sistemas capitalistas é a sua relação com os sujeitos do trabalho. O ser humano parece ser uma fonte inesgotável de esforço e de produção ao mesmo momento em que as cifras são deslocadas aos centros comerciais e as famílias daqueles que as produziram não enxergam nem mesmo a cor do dinheiro. Um processo excludente e complexo.

Mesmo depois da passagem do modo cooperativista para as produções das escalas industriais, os trabalhadores reconheceram a necessidade de auto-organização e proteção e, em alguns paises da Europa, as trade unions (sindicatos) apareceram. A figura do operário surge diante da figura do artesão e ambas as funções se mesclam, pois, apesar de a figura do operariado substituir as antigas funções, elas não desaparecem por completo. O que existe é uma fusão e uma nova ordem insurgente.

Novas ordens econômicas, surgimento dos sindicatos, organizações trabalhistas. A necessidade é a amiga da invenção e o homem, quando enxergou a sua necessidade de melhores condições, tratou de criar formas de proteger suas necessidades ou de exigi-las. Getúlio Vargas é conhecido em nosso país pelas suas políticas trabalhistas. Nas décadas de 30 e de 40, o presidente da República tentou atrair a classe trabalhadora para perto do governo, intentando aproximá-la dos interesses do Estado e afastando a relação com partidos, principalmente os de esquerda. Em 1930, a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio define leis de proteção ao trabalhador, certo enquadramento dos sindicatos e formas de apaziguar possíveis conflitos entre patrões e operários. Porém, todos os movimentos getulistas partiram de intenções governamentais e não de uma classe social organizada. Mesmo apaziguando os conflitos e ampliando os direitos dos trabalhadores, o governo não conseguiu impedir totalmente os descontentamentos. Em 1933, o sindicalismo já não era autônomo e pertencia aos moldes legais do governo. Bem ou mal, novas formas de relacionar direitos e ‘deveres’.

Em seu segundo governo, Getúlio Vargas pensou coerentemente as formas com que se aproximaria do trabalhador urbano. Declarou que a questão ideológica estava liberada nos sindicatos e ainda convocou a população a se organizar. Mesmo assim, as greves surgiram com força em seu mandato da década de 50. O ano de 1953 foi o ano das greves no Brasil. As exigências são quase sempre as mesmas. O governo mantinha seu prestígio inicial, porém, o partido PTB e os chamados “pelegos” (trabalhadores que aliavam-se aos patrões e principalmente ao governo) tinham sido ultrapassados como ‘movimento’. Assim, a relação partido e sindicato ficou forte. Na época, os partidos de esquerda, os comunistas, eram os que faziam oposição a Getúlio e mantinham a articulação das greves.

Situação?

Greve é direito. Assegurada pelo Estado, a greve “é a cessação coletiva e voluntária do trabalho realizada por trabalhadores com o propósito de obter benefícios, como aumento de salário, melhoria de condições de trabalho ou direitos trabalhistas ou para evitar a perda de benefícios. Por extensão, pode referir-se à cessação coletiva e voluntária de quaisquer atividades, remuneradas ou não, para protestar contra algo (de conformidade com a “Consolidação das Leis do Trabalho(CLT)”. Entre todos os percalços a que o direito da greve sofreu, desde 1988 a Constituição Federal, em seu Artigo número 9, atesta a condição. É direito: “Considera-se legítimo o exercício de greve, com a suspensão coletiva temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação de serviços, quando o empregador ou a entidade patronal, correspondentes tiverem sido pré-avisadas 72 horas, nas atividades essenciais e 48 horas nas demais.” Além de ser assegurada, a greve como direito mantém certos aspectos referentes aos grevistas em ação. Porém, a situação sempre foi crítica.

O Brasil vive uma situação complicada entre trabalhadores e patrões, entre a velha ideia colonialista que nos perpassa em diversos setores e a insurgente capacidade imperialista diante do cenário latino-americano. É complicado pensar no Brasil como um país de apenas uma resposta a movimentos como as greves. Entendemos que a indignação de uma parcela trabalhadora muitas vezes é respectiva aos interesses particulares da mesma. Mas não sejamos ingênuos de acreditar que as interferências particulares não surtam efeito em consequências de um todo. Trabalhadores, principalmente trabalhadores públicos ou que prestam serviços ao Estado, estão diretamente relacionados aos serviços de que carecemos diariamente. Em muitos momentos, a ideia que fica é a de que a greve e as manifestações não nos interessam diretamente. Problemas de salário do outros não dizem respeito aos meus problemas de salário. Uma ideia que, apesar de explicável, é restrita. Muitas vezes as condições de trabalho daquele que presta serviço à sociedade afetam este mesmo serviço – e o processo é cíclico. Não recebo bem pelo que faço, não tenho condições de sustentar bem a mim e à minha família, não me alimento e não resisto direito, passo a fazer meu serviço com perturbações que interferem meu desempenho (físico e mental) e meu serviço comprometido, em contrapartida, compromete aquele que o recebe. Assim, a sociedade existe em conflito de interesses que são individuais, de classe e de um todo.

Muitas vezes as reivindicações das categorias misturaram-se às questões partidárias, representadas por partidos políticos. Um processo complicado, pois, mesmo considerando a importância das divisões partidárias na construção das diversas ordens sociais, as categorias necessitam argumentar e posicionar-se por conta própria. Entendemos que vivemos em uma época de novas diferenças e categorias sociais. As ordens trabalhistas também mudam e se alteram conforme a própria sociedade se reestrutura – e também essa mesma sociedade se modifica conforme as questões trabalhistas se complementam e se complicam. A situação das greves em nossa sociedade atual é específica e carente de uma mobilização mais competente. Apesar de os próprios trabalhadores empenharem-se no exercício, a sociedade como um todo necessita reconhecer a necessidade constante de pressão. Pensando no Brasil em um momento político  de suma importância como é o caso das eleições presidenciais, devemos compreender o momento como relevante aos interesses das mais diversas categorias. Entendendo a classe trabalhadora como uma classe mista, mas semelhante em direitos. Talvez tenhamos mais perguntas do que propriamente respostas, mas procuremos entender que, quando pensamos em sociedade, pensamos em um todo. Apesar das particularidades, das individualidades e das especificidades, todas muito necessárias, pensemos em um todo.

ESTAMOS EM GREVE?, pelo viés de Nathália Costa

nathaliacosta@revistaovies.com

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