QUANDO SE VÊ UM ÔNIBUS QUEIMANDO, NÃO É SÓ UM ÔNIBUS QUEIMANDO

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No prefácio do livro Palestina: uma nação ocupada (2005), o jornalista José Arbex Jr. nos traz uma discussão de relevância ímpar. O que acontece é que, em princípio, tudo parece óbvio, sendo que não é. No texto Arbex Jr. retoma as reflexões apresentadas por Noam Chomsky no que se refere à “Engenharia do consenso”.

Com os acontecimentos que temos acompanhado no Rio de Janeiro, temos percebido a imprensa dedicando um grande número de seus espaços jornalísticos para a cobertura desses. Temos visto, assim como Arbex Jr. defende, um show. São imagens in loco, mostrando muitos tiros, armas, soldados, favela, traficantes, fugas e perseguições. O que não tem sido mostrado, e aí entra a engenharia do consenso, é a pobreza.

A teoria apresentada por Chomsky, e retomada por Arbex Jr., consiste em um processo complexo promovido pela mídia. Tal ação amarra a opinião pública em, no máximo, dois aspectos, sendo excluídos um terceiro, quarto, décimo, centésimo…

Um dos exemplos mais claros sobre a engenharia do consenso é o do debate mediado entre “pombas” e “falcões” que foi promovido pela imprensa estadunidense durante os anos 80. Ambos os animais eram figuras representativas dos congressistas do país. Nesse momento a discussão apresentada deveria definir os rumos da ação estadunidense contra o governo nicaragüense sandinista. Então que foram trazidas duas opções para a discussão pública. As “pombas”, que se tratavam especificamente dos congressistas democratas, apoiavam a derrubada do governo sandinista através de bloqueios e pressões econômicas. As boas e velhas sanções que ninguém faz melhor que os Estados Unidos da América. Os “falcões”, republicanos, apresentavam a proposta de derrubada dos sandinistas através de ações militares armadas, leiam-se, massacres. Assim a discussão foi pautada pelos “defensores” dos sandinistas, que queriam APENAS realizar os bloqueios e, em contrapartida, os “radicais” que, como bons republicamos estadunidenses, adoram uma guerra e, principalmente, sangue alheio.

Só esqueceram de dizer para eles o mais importante. O governo dos Estados Unidos não tem o direito de derrubar governo algum.

Assim antes de entendermos o Rio de Janeiro, o tráfico e o consumo de drogas, o tráfico de armas, a corrupção e a lavagem de dinheiro, temos que avaliar, com acuidade, o que nós sabemos sobre isso. Nós, de diferentes estados e cidades do Brasil, não podemos ter uma percepção igual a dos moradores do Rio, da favela e do asfalto. Logo o que nos chega é um bombardeio – metaforizando a guerra mesmo – de informações que apenas tem o objetivo de complementar o show pelo qual o processo político e televiso está passando. Nada do que está sendo mostrado na televisão é por acaso. O recorte de duas ou três entrevistas de 15 segundos que são feitas na rua e que, coincidentemente, são todas a favor da ação militar opressiva e incisiva nas favelas, não é por acaso.

Admito que fiquei surpreso ao ver o Marcelo Freixo, deputado estadual do PSOL no Rio de Janeiro, participando de programa da Globo News. Sinceramente, achei que não convidariam ele por medo de ouvir suas opiniões. Freixo é excelente, diga-se de passagem, tranzendo para a discussão todos os pontos que estão sendo ignorados.  Por exemplo, de que todo o processo das UPP’s é uma tentativa de construir uma cidade olímpica para poucos e, obviamente, excludente para a maioria.

Existem alguns poucos exemplos na mídia brasileira que fogem desse mesmo modelo viciado e viciante. Citando um dos esses exemplos, podemos aproveitar, também, para remeter ao assunto que está em pauta. Na revista Caros Amigos de outubro de 2009, podemos conferir entrevista exclusiva com o escritor e comerciante Ferréz. Apesar de ser paulista, morador do Capão Redondo, Ferréz é um dos representantes máximos do pensamento da periferia no Brasil. As reflexões trazidas por ele podem ser aplicadas ao país todo e, especificamente nessa entrevista, tem o caráter assustador de previsões cirúrgicas. Já na capa, a Caros Amigos remete fala de Ferréz que diz “O ódio da favela vai explodir”. Mais adiante ele completa: “Vai chegar um dia que uma agressão a um menino ou a uma menina vai virar uma revolução em São Paulo inteira”.

Como aponta Ferréz, a situação na favela, hoje, não é por acaso. A ausência completa de um estado faz com que se tenha a necessidade de criar um próprio, autônomo e que precisa se sustentar – não apenas financeiramente. Nesse ponto Ferréz comenta: “O PT virou outra coisa, não é o que eu acreditava não. Não estou falando que tinha que ser revolucionário, que tinha que mudar tudo, que todo mundo sair de vermelho, mas era uma coisa que eu acreditava como moleque de favela que a favela ia mudar, entendeu? Mas eu tive que esperar o PCC chegar para mudar a favela, não foi o PT… A sigla foi outra, não foi o PT que mudou a favela, então nessas partes não é um governo autoritário ruim, mas também não é o governo dos sonhos que eu lutei…”. Sobre essa resposta, fazemos a ressalva de que, mais a frente, Ferréz aponta a mudança promovida pelo PCC como boa e ruim, mas, ainda assim, uma mudança. Muitos são os outros pontos abordados por Ferréz na entrevista, mas especialmente um chama a atenção. Quando o escritor é questionado sobre a saída para a não separação da sociedade, responde: “a saída é que o povo já está se mexendo, isso não é utopia minha, é realidade, quando você vê uma favela reagindo, quando você vê um ônibus queimando, não é o crime, por mais que a mídia queira, quando você vê as pessoas que estão legitimadas como embaixadores da periferia tendo acesso a dar entrevista, tendo acesso a falar, entendeu? Aí que a coisa está difícil… quando a gente tem que ser ouvido, que nem eu sou ouvido, que nem os outros caras do Hip Hop são ouvidos, os caras da literatura marginal são ouvidos, quando a gente é ouvido, aí você  começa a perceber que a gente tem alguma importância e alguma coisa tá acontecendo, entendeu?”

Então que a principal experiência que o Rio de Janeiro poderia tirar de toda essa situação é a de ouvir os excluídos que estão, geograficamente, na favela. Esse processo não tem ocorrido. Eu, ao menos, não vi nenhuma entrevista com o José Júnior, doAfroReggae, um desses embaixadores aos quais Ferréz se refere.

O que temos visto é o crime e a polícia em constante conflito. O que nunca vemos é o porque do crime. Todos queremos a paz. Alguns, equivocadamente, acham que tiros e mortes trazem a paz. Nós não queremos qualquer paz, queremos a paz social e a única arma que pode produzir esse tipo de paz é a igualdade.

Esse texto foi publicado originalmente no blog do Movimento Construção Coletiva (MCC), na tarde do último sábado, 27/11/2010. Apesar de conter algumas informações já ultrapassadas, fica, através dele, o desejo de que não seja necessário publicar nada parecido dentro de alguns anos.

QUANDO SE VÊ UM ÔNIBUS QUEIMANDO, NÃO É SÓ UM ÔNIBUS QUEIMANDO, pelo viés de Tiago Miotto e Rafael Balbueno

tiagosmiotto@revistaovies.com

rafaelbalbueno@revistaovies.com

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