VEJA QUE ROMBO

A formação de uma crise financeira no continente europeu alastrou-se pelos países membros da União, fundamentalmente, por problemas fiscais. A Grécia foi o primeiro país a demonstrar publicamente que estava com problemas monetários graves. Alguns países, como a própria Grécia, tiveram gastos maiores do que arrecadaram nos últimos anos ocasionando um acúmulo de dívidas.

Depois de muitos meses em crise que permanece, a população européia foi gravemente atingida e sentiu em suas próprias contas cotidianas a dificuldade para honrar suas dívidas, formando assim um enorme contingente de populares nas ruas através de passeatas, manifestações e atos até mesmo mais problemáticos, como a passeata dos três milhões na França.

Os sítios e blogues brasileiros de corrente progressista atenderam à expectativa do público que buscava por informações de cunho mais social do que econômico, como o aumento da idade mínima para a aposentadoria na França e o que isso causaria diretamente na população daquele país, nos jovens de hoje que serão os aposentados de amanhã.

Do outro lado da mídia estavam os conglomerados hegemônicos que seguem a noticiar a Europa a partir do viés objetivo econômico.  A busca pela verdade dos fatos e a eqüidistância com a notícia construíram grandes reportagens tecnicistas que englobam os porquês da crise tratados como de invento exclusivamente bancário e fiscal. O projeto de endividamento da população no processo capitalista europeu de fumegar os bancos particulares para manter o euro com valor acima das outras moedas mundiais, em momento algum foi tratado ou explicado para os milhões de brasileiros que ainda tem nessa grande mídia sua única fonte de informação.

A revista Veja publicou em sua edição online uma série de perguntas e respostas sobre a crise baseadas essencialmente no que diz respeito a desvalorização do euro, o aumento das dívidas de países como Grécia, Irlanda e Portugal, e se o bloco europeu conseguirá regular suas dívidas sem afetar outras economias do mundo. O mote de reportagens da revista demonstra a crise financeira questionando o desequilíbrio fiscal nas economias europeias que poderiam “arranhar” a credibilidade da moeda. Na reportagem da revista, restaurar a confiança internacional era o que de mais relevante os países europeus deveriam cuidar.

Como aponta Nelson Traquina, o informativo escolhe uma sequência apropriada para dar mais importância a algum fato em detrimento de outro. Se a crise européia começou a partir do endividamento do Estado grego para manter um estatus econômico que não o assegurava um futuro promissor, isso não foi demonstrado na revista Veja.  A partir do padrão da objetividade escolhido pela revista da Editora Abril, a notícia mais relevante na opinião do editor apareceria primeiro e com mais importância em detrimento de tantas outras. O lead e a escolha da sequência dependem dos jornalistas, e as reportagens da revista sobre o assunto evidenciam que o capital foi eleito como ponto de princípio para noticiar a crise europeia.

Traquina aponta também a objetividade como um método de práticas que retiram do jornalista a idéia pessoal de opinião e o coloca como mediador. Na Veja, as questões que podem ser respondidas pelo jornalista são extremamente técnicas e não dependem de um estudo aprofundado sobre a crise. O tempo instantâneo da profissão é motivo também da superficialidade apontada nas reportagens que trazem como títulos “Grécia abala confiança no euro” e “Bancos irlandeses estão entre os mais expostos da Europa”. Nas notícias do sítio da Veja e nas reportagens da revista, os profissionais não necessitavam ser especialistas sobre o assunto para demonstrar ao público aquilo que os interessava: o euro pode se desestabilizar, as economias podem quebrar e o investidor em ações e outras instâncias econômicas na Europa deve cuidar, a partir de agora, o que faz com o seu capital.

Os europeus se vangloriavam de seu modelo social de férias generosas e aposentadorias precoces, entretanto, as mudanças na idade mínima para a aposentadoria na França causaram uma onda de tensões entre governo e população em um acontecimento há muito tempo não visto nos noticiários mundiais em se tratando de países europeus. Os jovens gregos haviam tornado a capital Atenas num ambiente de consternação e manifestação, mas os três milhões nas ruas de Paris elevaram a crise ao estado de preocupante. As pessoas terão que trabalhar mais para pagar sua aposentadoria e a aposentadoria de quem agora passou dos 62 anos. A partir daí, revistas como a Veja acusam o início da crise da previdência no envelhecimento da população européia e a diminuição da população jovem e ativa. A partir deste mote, a revista abaliza textualmente que os problemas não são o sistema europeu capitalista de grandiosidades monopolistas trabalhistas, mas sim o envelhecimento da população e seus pedidos por direitos essenciais depois de anos trabalhando para manter a economia dos Estados aquecida.

Antônio Hohlfeldt explana sobre os valores notícia mostrando que existe uma ligação na construção da notícia entre o jornalista e o público para qual escreve. O público da revista Veja é em sua maioria pertencente a classes mais abastadas, entretanto, centenas de brasileiros lêem a revista por acreditarem plenamente em sua honestidade editorial e, em consequência disto, partem a crer nas notícias nela publicadas, a partir de um viés burguês ou então de uma classe a qual não pertencem. Surge assim todo um montante popular que demonstra seguir a linha de pensamento das classes que comandam a economia e os setores industriais, os quais têm na revista Veja sua melhor porta-voz de opinião ordinária. As classes que não comandam nem parte da economia brasileira, mas que vivem a margem dela, necessitando da intervenção particular de poucos numa comunidade inteira, transformam a revista Veja em único informativo, o que pode gerar um atraso de lutas sociais, já que os oprimidos acreditam necessitar dos abastados para sua sobrevivência. O que se demonstra é a concepção de um público aquietado e crente nas notícias publicadas na revista Veja e em outros meios análogos como fórmula única de informação. Assim, uma comunidade explorada economicamente e que recebe a revista Veja como informativo torna-se uma comunidade explorada também opinativamente, o que para os administradores monopolistas é subsídio contra o pensamento social e popular de lutas. A opinião de brasileiros que talvez passem algum dia pelos mesmos problemas dos jovens franceses, que estão preocupados com o seu futuro desde já, pode deturpar-se através da política editorial de revistas como a Veja em “demonstrar” que os problemas são apenas econômicos e do alto escalão capitalista mundial, os bancos.

Reportagens que colocam as economias estatais como as culpadas pela crise criam esse imaginário de que os problemas partem dos governos e não das políticas econômicas dos monopólios capitalistas. A revista Veja consegue desmoralizar governos os apontado como “em posição mais delicada dentro da zona do euro”, pois seriam os que operaram de forma mais “indisciplinada” nos gastos públicos e se endividaram excessivamente. A revista Veja passa a ter, então, credibilidade de delatar sistemas inteiros imbricados que originaram tal crise? Se tudo fosse tão simples, simples também seriam as  reformas para reverter todos esses problemas que explodiram agora, mas que vinham sendo construídos há décadas através do crescimento exagerado, da mais-valia acentuada e do sistema que coloca o valor a frente dos homens,  homens estes que mantém com a própria força a riqueza dos sempre poderosos.

VEJA QUE ROMBO, pelo viés de Bibiano Girard

bibianogirard@revistaovies.com

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