PERTENCEMOS AO MESMO MUNDO

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Visita à comunidade carente em Pelotas. Foto: Liana Coll

Um dia ouvi uma história, agora não me recordo aonde, de duas moças que esperavam o ônibus. Juntas, sob apenas um guarda-chuva, as duas espremiam-se para não molharem as bolsas e os livros, que, segundo contam, deveriam ser da universidade. Eis que um rapaz se faz presente junto às meninas, também sob seu guarda-chuva a espera do semovente. Sem perceberem, sentado, quieto, cabisbaixo, no banco do ponto de ônibus, permanecia um velhinho, de chapéu, sem olhar para ninguém, sem falar nada. Um carro desgovernado atravessa o canteiro, vem em direção dos quatro mas é desviado por um pequeno cão que fora atropelado e alavancara o automóvel para o lado contrário das iminentes vítimas.

A primeira reação do rapaz foi sentar, com as pernas bambas, com dores por todo o corpo de tamanho susto. O senhor permaneceu intacto, calado, e apenas levantou um pouco do rosto para ver o que havia acontecido. As duas meninas, neste momento, já haviam molhado todo seu material, os cabelos, as roupas de inverno, tudo. Uma na janela do carro tentando salvar o motorista; a outra, tentando salvar a principal vítima da história: o cão.

Sendo assim, o rapaz, abrindo um sorriso ao velho senhor, disse-lhe: nascemos de novo. Foi tanta sorte que eu nem imagino como agradecer. E aquela menina ali sobre o cão? Ela é louca? É certo que aquele bicho já morreu.

O velhinho, pela primeira vez, levantou a aba do chapéu. Tirou as mãos do casaco marrom que usava até os joelhos, olhou fixamente os olhos do rapaz e inesperadamente falou: humano é aquele capaz de sentir-se parte, de entender-se como um deles, de não ver diferença na hora da morte ou de qualquer necessidade. Humano é aquele que sabe que ser humano é apenas pertencer a uma das milhares de espécies do mundo.

O velho levantou-se e se foi. O rapaz pegou seu guarda-chuva e partiu. As meninas salvaram o motorista e o cão.

Grupo de voluntários, junto à comunidade, na luta por melhores condições de vida para os animais. Foto: Liana Coll

A LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998, a qual enquadra os artigos previstos por crimes ambientais, mesmo que exista, é duramente recriminada por instituir a tênue pena de detenção de três meses a um ano, mais uma multa, quando a ocorrência for de prática de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos (art:32).

Mesmo assim, é um avanço na luta dos grupos de proteção aos animais espalhados pelo mundo inteiro. Não apenas os afamados pela mídia, como o Greenpeace e o WWFBrasil, mas aqueles menores, formados muitas vezes em uma localidade ou cidade, geralmente com verbas mínimas e baseados no apoio voluntário de cidadãos preocupados com injustiças aos animais.

Em Pelotas, Rio Grande do Sul, por exemplo, o SOS Animais tem gerado um trabalho abissal na busca por melhores condições de vida aos animais. Através do SOS Animais Pelotas, guiados e acompanhados por um(a) Médico (a) Veterinário (a), cidadãos pelotenses fazem visitas quinzenais a pequenas comunidades carentes distribuindo ração e, sobretudo, aplicando medicamentos contra verminoses, sarna, carrapatos e todo tipo de enfermidade que pode acometer cães e gatos desses lugares. Na página online do grupo ainda há vários serviços que amparam localmente os problemas da cidade, como adoção, formas de ajuda, e o apadrinhamento, que seria hospedar um dos animais por apenas 10 dias durante o pós-operatório, já que esse é um dos problemas enfrentados pela associação, a qual não possui um ponto exclusivo para sustentar animais operados.

Visita da associação à localidade em Pelotas/RS. Foto: Liana Coll

Não deveriam existir leis com esse mote, contudo, alguns indivíduos têm a pretensão de imaginarem-se privilegiados como superiores, fazendo com que aqueles que entendem as outras espécies como companheiras de essência, sejam obrigados a encontrar um caminho para barrar tais insanidades: a lei. É difícil acreditar nas histórias contadas. É doloroso ver cotidianamente cães famigerados pelas ruas, cavalos aos ossos puxando carroças. Pior ainda é pensar nas insanidades causadas pelos seres humanos aos já acabrunhados animais de rua, como foi o caso sucedido com a cachorra Preta, também na cidade de Pelotas.

Para quem não conhece ou não lembra o caso, “na noite de 9/3/2005 uma cadela prenhe, conhecida pela população de Pelotas como Preta, foi amarrada ao para-choque do automóvel do réu e arrastada por metros até a morte” (texto retirado da página (WWW.denuncio.com.br). Neste caso, o crime foi avaliado como prejuízo moral coletivo e o réu foi acusado e condenado a pagar uma indenização, revertida ao Canil Municipal, correlativo ao dano moral coletivo, fixado em R$ 6.035,04.

Foto: Liana Coll

Quando o assunto parte para os animais usados como meio de transporte para subsistência, o viés de análise é diferente. Entram em questão as políticas sociais. Na generalidade dos casos as carroças são o meio de transporte de milhares de brasileiros. Estes cidadãos necessitam do cavalo ou do burro para seu sustento, já que, em alguns casos, como os catadores de lixo seco, os carregadores de materiais de construção, fretistas e etc. não recebem a devida atenção do poder público em sanar o problema de episódios de desgaste físico dos animais e dos vários problemas ocorridos, como acidentes com carroças (onde os carroceiros estão mais vulneráveis a lesões físicas) e atropelamentos de cavalos soltos às margens das estradas no período em que não estão “trabalhando”. Em Santa Maria, em um único mês deste ano três animais foram mortos por atropelamento. Em 2010, em menos de cinco meses quatro animais foram atropelados. É necessário salientar que em quase todos os casos, nem o motorista, nem o “dono” do animal são responsáveis dolosamente pelo fato.

Em Porto Alegre foi sancionado o Decreto 16.638, em 2010, regulamentando o Programa de Redução Gradativa de Veículos de Tração Animal e de Veículos de Tração Humana na cidade. Uma das afirmativas do decreto é o estudo e cadastramento das famílias que tem estes tipos de veículos como modo de subsistência para uma posterior reinserção no sistema empregatício da capital gaúcha.  Só com o tempo é que o porto-alegrense ex carroceiro saberá a forma de tornar viável sua própria remuneração sem o antigo modo de trabalho. A prefeitura é a principal responsável pelo remanejo econômico das famílias.

Antes disso, muitos dos usuários de carroças não recebem qualquer tipo de apoio público em todas as instâncias, como possibilidade de emprego dentro de sua área sem o uso dos animais. Para não ser uma jogada política desonesta e imediatista, é imprescindível esquematizar a inserção econômica das famílias que ainda dependem do uso de veículos com tração animal, representando um contexto muito mais abrangente do que apenas proibir carroças e afins.

Lembrando que nem só com cavalos, burros, cães e gatos estes problemas acontecem. Há o pio de muitos pássaros pelas janelas da cidade. Muitos deles em gaiolas.

PERTENCEMOS AO MESMO MUNDO, pelo viés de Bibiano Girard

bibianogirard@revistaovies.com

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