ONDE LEMOS E O SALDO QUE FICA

Dentre as críticas ao livro eletrônico, abstraindo o apego emocional dos bibliófilos (grupo no qual também me enquadro, embora de modo um tanto flexível), algumas podem ser pertinentes quando o suporte adequado para leitura não está disponível. Antes de prosseguir, permitam-me delinear o foco de análise (ou mero palpite pessoal): trato o e-book sob a perspectiva do leitor de literatura, pois não costumo adquirir e-books na área técnica.

Já abordei alguns aspectos do imenso volume de textos ficcionais e sua qualidade em excessos na web, mas uma troca de mails com Marcelo Spalding trouxe à tona uma questão que já havia discutido com os demais colaboradores do EbookBR, e agora procuro observar e discutir por outros ângulos: a tela do computador (e, na minha opinião, tablets ficam quase na mesma categoria), especialmente no ambiente da web, é completamente inadequada para uma leitura efetiva do texto ficcional (a leitura de um arquivo de texto, mesmo no formato word, ou PDF, ainda é melhor que a janela do navegador; e se falamos de um formato ePub ou iBook, a coisa melhora um tantinho mais), especialmente se o texto em pauta foge um milímetro que seja das fórmulas óbvias tão em voga no mercado editorial “pop” (refiro-me aqui à enxurrada de vampiros e similares com enredo repetido à exaustão mas com volumes de venda respeitáveis).

A inadequação tem a ver com conforto de leitura (tela e-ink e papel são incomparáveis com telas LCD ou qualquer outra que emita luz), com a condição de concentração e a disputa com outras leituras e afazeres quando nos encontramos diante do navegador. Leitura, ainda que seja um entretenimento, só cumpre seu papel (mesmo que o papel seja diversão) quando é possível concentração total no ato de ler. Estar presente no texto, envolvido realmente com seu conteúdo (isso, claro, quando o escritor logrou êxito e produziu um texto capaz de conquistar o leitor). Mas isso já são favas contadas, muito já foi discutido a respeito nos debates sobre o espaço ocupado por e-readers x tablets e a questão que gostaria de colocar em pauta é uma outra faceta neste contexto. Todos os que acreditamos no valor da literatura como formadora de senso crítico, capacidade analítica, cidadãos mais capazes e com uma visão de mundo mais amplo costumamos lamentar os dados sobre hábitos de leitura do brasileiro. Há aqueles que chegam a debitar parte do problema ao uso crescente da internet, das redes sociais e toda a gama de atrativos que atua especialmente junto ao público jovem (potenciais leitores?). Creio que todos concordamos que o fator preço dos livros também funciona como um desestímulo poderoso e um antídoto possível para o alto custo bem poderia ser o acesso à literatura pela via da internet, mas aí vem a pergunta: será que a baixa qualidade de leitura que o processo online propicia não contribui catastroficamente para a manter esse cenário de pseudo-leitores que temos por aqui? Perdoem se me intrometo em seara que não domino, pois trago percepções, sem base em pesquisas sobre o processo da leitura considerando aspectos cognitivos, neurológicos ou o que seja. O olhar é empírico e convicto: a concentração é sempre parcial para a leitura no navegador. E atenção parcial equivale à compreensão reduzida e, portanto, grandes perdas no efeito modificador-construtivo da experiência de leitura.

Assim, fico imaginando como não faria diferença se o Brasil não estivesse tão para trás em questões de oferta e de custo de e-readers (refiro-me a telas e-ink, não a tablets que repetem os potenciais de dispersão do computador, embora também possam cumprir função razoável para leitura). O catálogo de e-books em português ainda está muito aquém do mínimo aceitável, mas isso tem forte correlação com a falta de e-readers. Claro que se o preço do livro impresso fosse mais compatível com a renda do brasileiro, isso seria um problema menor, mas como o e-book tem um inegável potencial de reduzir custos na distribuição de conteúdo, ainda assim seria relevante que a população tivesse acesso a um suporte tão adequado à experiência da leitura como o livro impresso. Esperemos que o PLS 114/10 seja aprovado e a taxação ao livro eletrônico se extinga, isso poderá favorecer o acesso à literatura num suporte adequado. Mas não nos concentremos exclusivamente nisso porque o gosto e o ganho com a leitura é produto de um conjunto de ações muitíssimo mais abrangente que começa na atitude do indivíduo para com os seres em formação. 

ONDE LEMOS E O SALDO QUE FICA, pelo viés da colaboradora Maurem Kayna*

*Maurem ultimamente tem-se “concentrado em entender as possibilidades e peculiaridades do e-book, discutindo o tema e aprendendo com outras pessoas com interesse similar, o que me levou a contribuir no Revolução E-book e no EbookBR, além de ter ganhado, recentemente, um espaço bimestral no Portal Artistas Gaúchos“. Ela comanda, também, o blogue Maurem Kayna onde há informações sobre e-books e ficção.

2 comentários em “ONDE LEMOS E O SALDO QUE FICA

    1. Verdade, William. Isso acontece mais vezes do que seria admissível supor. Não sou defensora da tecnologia pela tecnologia, mas acho uma pena que a ferramente que poderia ajudar a combater um problema, vire apenas mais uma parte do embroglio que nos mantém nesse cenário pouco invejável.

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