Discurso, Gênero e Sexualidade em (des)construção

Debate: o sistema é violento ou a violência é um sistema? Da esquerda pra direita: Greice Adriana, estudante de História e militante do movimento negro e do coletivo Alicerce; Indianara Siqueira, militante do movimento LGBT e idealizadora do cursinho “Prepara, Nem” e Marcelly Malta, Coordenadora da Igualdade – Associação de Travestis e Transsexuais do RS. Foto: Paola Dias

Se nasce, cresce, se frequenta a escola e ambientes familiares, se faz amigos, ouve umas piadinhas aqui, outras acolá, “menino deve ser assim”, “menina não deve ser assim” e de repente: bum, nota-se algo muito errado. As ansiedades que surgem por dentro não se encaixam com o que “deveriam ser”. Mas o que deveria ser? Minha educação foi cheia de regras, parecia até uma lista de formas como devo agir e ser para me encaixar socialmente. Uma lista enorme e cansativa. E se não a seguisse, os colegas, os professores e todo o resto do mundo ia me lembrar de que estava fazendo errado. Encontrei pessoas por aí que não seguiam essa lista e eram felizes: vejam só. A dúvida, a partir daí, era como mostrar para outras pessoas que esse comportamento regrado era pura criação de um infinito sistema cultural e histórico que tem muitos porquês e interesses. Vamos, então, falar sobre, seja onde for, seja como for, afinal, em nossa naturalidade, não somos apenas “homem” ou “mulher” e muito menos apenas uma sexualidade sólida.
É essencial que esse diálogo aconteça em diferentes centros da sociedade, inclusive no universitário, ambiente responsável por grande parte da formação não só acadêmica, mas acima de tudo, social e humanitária. As descobertas que acontecem nesse período se mostram diferentes em cada pessoa, mas elas, além de serem individuais são coletivas no sentido em que dialogam diretamente com as sexualidades, identidades de gêneros e suas relações. A forma como o corpo se expressa enquanto indivíduo e a busca por respostas que expliquem o que essas novas sensações nos permitem ser e estar. Esse conjunto de ansiedades é o que torna o debate na universidade imprescindível, ao que elucide e mostre que as definições não são delimitadoras.

Alfred Kinsey, conhecido como pai da revolução sexual, era biólogo e sua pesquisa inicial era com vespas, queria provar a diversidade de padrões entre a espécie. Ao comprovar sua teoria, Kinsey decidiu travar a mesma pesquisa, mas com humanos. Então desenvolveu a Escala Kinsey, que classifica a sexualidade como fluida, desdobrando ela em sete categorias:
0 – Exclusivamente heterossexual
1 – Predominantemente heterossexual, apenas ocasionalmente homossexual
2 – Predominantemente heterossexual, mas mais do que ocasionalmente homossexual
3 – Igualmente heterossexual e homossexual
4 – Predominantemente homossexual, mas mais do que ocasionalmente heterossexual
5 – Predominantemente homossexual, apenas ocasionalmente heterossexual
6 – Exclusivamente homossexual
*A assexualidade foi inserida no quadro depois representada pela letra x.
Em geral, o estudo afirma que grande parte das pessoas está entre as categorias 1 e 5, ou seja, sua sexualidade não está inserida em “exclusivamente heterossexual” e nem em “exclusivamente homossexual”, extremidades que normalmente são as únicas consideradas pelo senso comum.

Todos os anos a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) traz essa discussão na Semana da Diversidade Sexual e de Gênero. Em 2015, ela veio cheia de graça entre os dias 24 e 27 de agosto com o tema “Existir. Resistir”. Discutir gênero e sexualidade faz parte da desconstrução de discursos já prontos que reafirmam o funcionamento do sistema patriarcal heteronormativo. A violência que reside nesse comportamento define a construção do gênero através do conjunto de características físicas para inclusão, além do julgamento que acontece de forma mais apropriada para o Estado, o que acaba por escolher quem está ou não dentro da sociedade. A população LGBT definitivamente não está, assim como as mulheres que trabalham em empregos com condições escassas, recebendo um salário baixo e muitas vezes menor do que os homens que exercem a mesma função [recebem].
A exploração atravessa a esfera profissional, já que a mesma mulher que sofre por muitas horas durante o dia, chega em casa e tem o “dever” de arrumá-la, ou seja, ela trabalha já cansada em um segundo emprego, que lhe foi pré-determinado. Emprego em que se trabalha de graça. Assim são as duplas jornadas de trabalho enfrentadas pelas mulheres. Desvalorizadas também em sua autonomia, uma vez que o Estado tem o poder de definir o que pode ser feito com seus corpos, seja direta ou indiretamente, seja por proibir o aborto ou por reafirmar, através de “tendências”, o que é um cabelo bonito, o que é uma roupa “decente”, o que é um comportamento “decente”, o que é ser “decente”. O que é decente, afinal? E quem é o Estado pra delimitar essa definição? Enquanto isso, a mulher segue sendo a ultima dona do seu corpo.  E o poder patriarcal acaba por dominar – e destruir – qualquer psicológico que ainda tenha restado. Essas exigências sociais fazem com que a luta do movimento LGBT esteja interligada diretamente à de outros grupos sociais.

“Se fala muito que as pessoas acima de 16 anos tem consciência pra votar e já podem votar, mas aí elas podem decidir se elas querem ou não votar, aos 18 anos elas são obrigadas a votar, é uma obrigação compulsória. Discutiram a diminuição da maioridade penal, porque elas [pessoas acima de 16 anos] já sabem discernir o bem e o mal, sabem muito bem o que é certo e o que é errado. Aí quando me falam que uma menina de 16 anos não pode ser prostituta, então quer dizer que ela pode receber vacina contra HPV, receber camisinha, remédio anticoncepcional pra não engravidar desde que ela dê de graça, aos 16 anos ela não é capaz de falar “não, eu quero dinheiro e eu vou sim vender sexo”. Então assim, se vamos falar sobre autonomia das pessoas, se vamos falar sobre autonomia de corpos, que sejam de todos os corpos e de todas as pessoas, principalmente aquelas que são as mais invisíveis na sociedade.”  – Indianara Siqueira. Debate: o sistema é violento ou a violência é um sistema?

Nesse sentido, os espaços construídos na semana da diversidade trouxeram ativistas do movimento LGBT, estudantes, jornalistas e pesquisadores que trataram sobre temas diversos. Acerca do casamento igualitário se problematizou a necessidade de afirmação do afeto entre casais homossexuais pelo uso da palavra “homoafetividade”, que soa como uma tentativa de “limpeza” da promiscuidade criada no entorno da homossexualidade em si. A heteronormatividade vem enraizada na cultura, na condição de colocar para dentro da sociedade a pessoa homossexual sem ponderar algumas divergências. As limitações sociais, ao invés de se expandirem em busca da equidade – equivalência que pondera essas diferenças, trazem os sujeitos para dentro das mesmas e tentam adaptá-lo de forma que siga seus traços e carregue o estereótipo de marginalizado.
A discussão travada sobre a violência no sistema percorreu a mesma linha de pensamento ao questionar o funcionamento do mesmo, a urgência é em dispor um grupo social como oprimido, para que este se veja como tal, acreditando merecer aquele posicionamento e aceitando seu lugar de passividade, em que seu dever é reafirmar a diferente condição social em que se está fadado a ser. A discussão sobre bissexualidades e lesbianidades deteve-se a tratar suas definições, já que ainda é bem notória a falta de visibilidade desses dois grupos.
O espaço, organizado pelo Diretório Acadêmico da Comunicação Social junto com estudantes autônomos, não ficou só dentro do auditório; intervenções artísticas rolaram pelo prédio durante o evento e dias antes. A ideia era incitar a curiosidade de quem passasse por ali, mesmo não participando da semana, pra ter consciência de que algo “fora do normal” estava acontecendo. Em uma das intervenções a faculdade amanheceu com frases preconceituosas de professores coladas nas portas das salas: “Na minha época a gente chamava de putão mesmo, não tinha essas frescuras de nome que tem hoje”. Problematizar esse tipo de discurso não é apenas importante, mas muito necessário, já que professoras e professores são, também, formadores de opinião na graduação e influenciadores diretos na conduta ética do profissional de comunicação que vai fazer parte da mídia, meio de construção e desconstrução que atinge as pessoas em maior escala.
Apesar da necessidade de ampliação desse tipo de discussão dentro da universidade e fora dela, manter a Semana dentro da FABICO é “uma atividade de resistência, de mostrar que sim, estamos dispostos a discutir, mas que também outras pessoas de outros cursos, de outros diretórios e até de fora da UFRGS se inspirem”, ressalta Kassiele Nascimento, organizadora do evento e membro do DACOM.
Discurso, Gênero e Sexualidade em (des)construção, pelo viés de Paola Dias.
Paola é estudante de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

xxn xnnx hindi bf xnxxx junge nackte frauen

Posts Relacionados

Comece a digitar sua pesquisa acima e pressione Enter para pesquisar. Pressione ESC para cancelar.