O BRASIL ENCONTRA SENEGAL EM TERRAS DO MAGHREB

Mathieu nasceu no Senegal, país localizado na África Ocidental e onde os muçulmanos são a maioria da população, embora haja liberdade religiosa e seja considerado um país laico. Assim como 32 milhões de senegalenses, Mathieu tem como língua materna o wolof, também falado em outros países da região. Como segunda língua, o estudante de pós-graduação em economia aprendeu o francês, mas entende o espanhol e arranha o português. Para ele, as pessoas do Brasil são muito simpáticas e abertas, mas falam rápido e utilizam gírias, o que dificulta a compreensão de uma conversa empolgada. Como conviveu com muitos brasileiros durante seu intercâmbio de um mês na cidade de Salé, no Marrocos, Mathieu melhorou seu entendimento da língua portuguesa, mas mais pelas circunstâncias do que pela vontade. Mathieu é da opinião de que onde há mais de um brasileiro, a língua falada sempre será o português, mesmo tendo um dinamarquês ou um japonês na roda de conversa.

O intercambista, que estuda na universidade em que ocorreu nesse ano o Fórum Social Mundial, estava a quase 5 mil quilômetros de Dacar, sua cidade natal, quando estava no Marrocos.  Durante os 5 dias do 11º Fórum Social Mundial, que ocorreu entre 6 a 11 de fevereiro, o senegalês não frequentou o encontro que reúne intelectuais, autonomistas e militantes de movimentos sociais para pensar de forma conjunta o desenvolvimento mundial, mas estava em contato com pessoas de várias nacionalidades. Nas caminhadas pelas ruas do bairro Sidi Moussa, periferia de Salé, onde morou, ele pôde vivenciar outras realidades, distintas não somente pela rica cultura popular marroquina, mas também por enfrentar percalços que feriram algumas de suas expectativas.

Após três semanas no Marrocos, Mathieu amadureceu com a experiência, já que viveu em outro país, descobriu um pouco do árabe derija, vertente marroquina do árabe tradicional, conviveu com valores especificamente marroquinos, assim como descobriu comportamentos culturais distintos. Isso enriqueceu sua vida e fortaleceu sua personalidade. ”Só acrescenta”, diz o sorridente senegalense. O africano de 25 anos, que vive com sua família em Dacar, enfrentou pela primeira vez a vida longe dos seus pais. ”Quando você vive num país, na sua casa, e você tem tudo, é bom sair e aprender a se virar”, acrescenta.

Com seu francês fluente, Mathieu poderia ser professor de línguas no Marrocos, onde somente uma parte da população fala francês, entretanto ele fez mais do que isso. Jogador de basquete na Université Cheikh Anta Diop, a altura e a habilidade do senegalês se destacavam nos momentos de recreação com esportes na ONG que trabalhava. Quem olhava o homem de sorriso aberto e franco se divertindo, não imaginava que ele enfrentou dificuldades financeiras ao chegar no país. Mathieu fez seu intercâmbio pela Aiesec, conhecida organização estudantil mundial, e aceitou trabalhar na ONG Ennour com despesas como alimentação e alojamento garantidas. Ele somente teria que custear os gastos com transporte e possíveis compras de souvenirs. Por desorganização da própria Aiesec, Mathieu somente garantiu o alojamento, o que fez com que ele diminuísse o tempo de intercâmbio em duas semanas, pois tinha preparado seu orçamento de acordo com o que a organização havia anunciado.

Havia algo diferente com aquele rapaz, e não era o sotaque senegalense ou o comportamento inicialmente formal. Mathieu usava, dia ou noite, sem tirar para dormir ou para lavar-se, um bracelete de ferro no pulso. De aparência rústica e antiga, o acessório foi um presente de sua mãe. Mathieu conta que quando tinha três anos, ganhou o mesmo objeto, mas elaborado com prata. Quando completou catorze anos, o bracelete já não estava confortável no seu pulso e então sua mãe pediu a um especialista em bijuteria um outro acessório, esse de ferro.

A mãe dar um bracelete aos seus filhos é uma tradição no Senegal. Mathieu afirma que a maioria das pessoas o utiliza para representar a união entre as mães e seus filhos, sendo o simbolismo para o laço maternal. A mãe de Mathieu, assim como sua avó, pai e irmão, também ganhou braceletes, sendo uma tradição matriarcal de várias famílias do Senegal. Por causa do trabalho, seu pai deixou de usar o bracelete, mas Mathieu garante que não foi por preconceito e sim pela falta de praticidade. O estudante nos conta que quando olha para o bracelete, pensa em sua mãe e no amor maternal que acredita que os une. Se for uma escolha, nunca irá retirar o bracelete de ferro do seu pulso. ”Se eu não encontrar problema, vou continuar usando, mesmo em ocasiões sociais. Não importa. A minha mãe mandou fazer esse bracelete um pouco grande para eu poder utilizar o resto da vida sem precisar trocar ”, diz Mathieu.

Numa conjuntura em que algumas pessoas afirmam que a globalização irá frear algumas tradições locais, encontramos histórias como a de Mathieu que enfatizam a importância da cultura local. Quando casar e ter filhos, Mathieu pretende manter a tradição, ”não é moderno ou atual, mas eu vou tentar manter”. Ao portar o bracelete rústico e sem importância econômica, Mathieu não somente carrega uma lembrança de sua mãe, e sim de uma ancestralidade matriarcal e senegalense.

Mathieu escolheu viajar para o Marrocos porque imaginava a região do Maghreb bastante receptiva. Sua opinião era reforçada pelas boas relações diplomáticas entre os dois países. ”Muitos marroquinos vivem no Senegal, e vice-versa. Quando eu estava em Dacar, tinha uma noção do que poderia ser viver aqui, pensei em pessoas gentis, por isso escolhi o Marrocos”, e respira fundo. A insatisfação inicial com o país não foi somente com os problemas administrativos da associação Aiesec, mas também pelo racismo que enfrentou nas ruas de Sidi Moussa. ”As pessoas te olham torto na rua, eu não sei, mas acho que porque sou negro”, afirma Mathieu.

O Marrocos não é um país somente com população árabe, pois há várias etnias presentes no ”país frio com sol quente”, como já se conhece no Brasil. A proximidade com a África subsaariana e a Europa, além dos anos como protetorado francês, resulta numa miscigenação bastante forte. Para Mathieu, o racismo não o atinge e não o feriu, ao menos até fazer amizade com os habitantes do bairro. ”Hoje mesmo saí com alguns marroquinos e conversamos bastante. Nós caminhamos na Marina e nos divertimos, as pessoas marroquinas são bem brincalhonas”, conta sorrindo.  O estudante diz que no Marrocos há pessoas que são gentis e outras que não, mas que no final do seu intercâmbio não importava, ”porque agora estou bem entrosado com outras pessoas, me divirto. Aisha é um bom exemplo, lá da associação Ennour. Ela é muito gentil. Há o Mostapha, também super legal”, conclui.

O BRASIL ENCONTRA SENEGAL EM TERRAS DE MAGHREB, pelo viés da colaboradora Júlia Schnorr*

Júlia Schnorr é formada e em História – Licenciatura e Bacharelado pela UFSM e atualmente cursa graduação em Jornalismo e Mestrado em Comunicação Midiática, também pela UFSM. É repórter da Oficina de Vídeo TV OVO. . Leia mais de Júlia Schnorr na revista o Viés.

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