NÓS ACREDITAMOS NA MOTOCICLETA

Créditos: Bruno Mello

A cor do asfalto das estradas está em suas roupas. Caveiras e cruzes misturadas ao preto, o couro e o prata das máquinas e tachinhas nas roupas dá uma aparência agressiva.  Muito além de primeira impressão visual, a caveira é um símbolo de igualdade. Por dentro, somos todos iguais, independente da cor da pele, posses, preferências de vida. Sob esses ideais de igualdade e liberdade, os moto clubes se perpetuam pelo Brasil e pelo mundo. Santa Maria sentiu o impacto da presença desses cavaleiros sobre duas rodas há um mês no 15º Mercocycle, evento de motociclismo já incorporado no calendário da cidade.

Um moto clube, ou MC, é a reunião formal, geralmente legalizada e sob um estatuto a ser cumprido, em que os sócios precisam de um pré-requisito básico: amar, ser louco, adorar motos. Alguns moto clubes têm sedes próprias e até alguns bens, como um carro de apoio. Nos MCs, os motociclistas organizam eventos e viagens para encontros de outros MCs. Em Santa Maria, os responsáveis pelo Mercocycle pertencem ao clube Gaudérios do Asfalto [http://www.gauderiosdoasfalto.com.br/home/], que contabiliza quase 15 anos de história de MC na cidade.

Nos principais pontos de entrada da cidade, os gaudérios montaram postos de boas vindas para os quase quatro mil motociclistas vindos do Brasil e de outras partes da América Latina. Ouvindo o barulho estrondoso de motor, alguns moradores corriam para ver, outros espiavam desconfiados e curiosos pelas janelas. As potentes máquinas carregavam homens de preto,  vestindo couro, com caras de mau e cabelos compridos. Era o prenúncio de que mais um Mercocycle, evento presente desde 1997 no calendário da cidade, realizado neste ano entre os dias sete e nove de outubro, nas dependências do Centro Desportivo Municipal (CDM). Quase um mês da passagem dos motociclistas, fica o somatório de uma economia movimentada, rotina visual quebrada e a saudade no coração dos apaixonados pelo motociclismo.

“Pelo asfalto, minha vida”

As roupas pretas, caveiras, coletes de couro adornados com todo o tipo de penduricalhos é o figurino básico dos motociclistas e está nos estandes para quem quiser. Mas a customização dá a cara original e marca a identidade de cada um. Os patches (“remendo” ou “retalho” em inglês) são pedaços de tecido bordados que trazem frases que expressam as ideias e o humor dos motociclistas. Alguns usam “pet” (“de estimação” em inglês) para expressar o apego ao retalho. Além de tipo sanguíneo e apelido dentro do grupo, frases como “não corra mais rápido do que o seu anjo da guarda pode voar” são comuns. Os patches também são artigo de moda, símbolos ideológicos de fãs ou até gangues.

Pela falta de casacos de proteção no passado, os motociclistas adotaram o couro e o jeans como sua segunda pele. De início era a jaqueta de couro, mas, pela praticidade e capacidade de se adaptar aos climas diversos, o colete foi mais difundido. O colete, além dos patches, bandeiras de lugares visitados e de grande parte da história do motociclista, carrega o brasão do moto clube. Isso facilita na hora da conversa nos moto-encontros e também carrega grande responsabilidade. O motociclista que conquista o direito de usar o brasão precisa zelar pela imagem do clube. O brasão, em geral, é bordado aos poucos. O motociclista que deseja ingressar no grupo passa por um período de observação, em que é chamado de próspero.

Créditos: Bruno Mello.

Os significados dos símbolos variam de clube para clube e de motociclista para motociclista. No entanto, há certa homogeneidade que os identifica como motociclistas. É uma massa de coletes, jeans e acessórios dos mais variados. Mesmo com certa constância visual, as histórias de todos os quilômetros rodados são tão incríveis quanto inéditas. Cada um tem detalhes sobre pessoas, lugares, estradas de chão que não estão no mapa, bares de beira de estrada que parecem parados no tempo. Essas experiências são compartilhadas em eventos como o Mercocycle.

Com o corpo coberto por tintas e roupas de pele, em cima da sua Hayabusa, o Índio do Asfalto era mais uma personagem cheia de histórias no evento. Ele veio de Santa Catarina, sem ter lugar pra dormir, para contar sobre seu moto clube e voltar com energias renovadas, como o próprio definiu.

“Encontrei uma pena branca no chão num evento, coloquei na cabeça e fui dançar na frente do palco, soltar meus bichos. Fui entrevistado e perguntaram o significado da pena. Eu disse que a mãe ‘véia’ do terreiro disse que se tu for numa festa e tomar muita ‘marafa’, tu pega uma pena branca e coloca na cabeça, mas tem que ser uma pena do rabo, porque, depois que tu bebe muito numa festa, se tu não tem pena do rabo, aí dá problema. Foi aí que nasceu os Índios do Asfalto”.

Não raras também as declarações de amor pelas máquinas de duas rodas. Índio aproveita a deixa e faz a sua: “Eu não ganho a vida com a moto, mas ela me proporciona uma vida boa. Se tiver vida após a morte, estarei lá com uma motocicleta”.

“Zoeira, tô fora!”

Antes mesmo dos portões do CDM abrirem, o Mercocycle marcava presença.  Os motociclistas tomavam aos poucos as ruas. Sozinhos, em duplas ou trios já davam prenúncios do fim de semana. Suas bagagens de couro e poeira de estrada tomavam os saguões dos hotéis. “A gente recebeu muita gente de Santa Catarina, Paraná, Brasília, Chile, Argentina, muitos uruguaios. O pessoal vem num ano e no outro volta com mais gente”, relata Jackson Sprada, da organização Mercocycle e membro do Gaudérios do Asfalto.

Os expositores ofereciam desde acessórios para motocicletas até bandanas e camisetas para os simpatizantes do estilo dos motociclistas. Muitos que caminhavam pelos corredores alimentavam a vontade de um dia andar em uma máquina daquelas. Outros descobriam as simbologias desse mundo cromado. Por isso, os cuidados com a forma como os participantes se mostram para a cidade. A ideia é aproveitar o mundo da moto de forma tranquila e consciente, como reforça Jackson: “Os motociclistas daqui e de fora perceberam que o nosso evento é diferente. Não é para ter bagunça, é ‘zoeira, tô fora’. Quando algum começa a acelerar mais, vai um gaudério ou um segurança conversar”.

Além dos estandes, exposições, praça de alimentação e camping estão entre as atividades do Mercocycle. O santa-mariense Candido Dias Marinho fez sua apresentação como atleta de strongman, fazendo demonstrações de força. O Globo da Morte com a Família Rodrigues arrepiou os presentes com as manobras e preocupou a todos quando  Luiz Bibiano Borges da Silva sofreu uma fissura no tornozelo e saiu de maca do local. O fato acabou sendo o principal tema nas manchetes que falavam sobre o evento.

Foi o primeiro acidente da Família Rodrigues em nove anos de participação no Mercocycle. Crédito: Bruno Mello.

Acidentes de percurso acontecem. Tanto no evento como na ida até ele. 1100 km foi o que percorreram Clóvis Sperb e Gilberto Garcez, o Giba. A viagem de Maringá, no Paraná, até Santa Maria foi tranquila desta vez, mas nem sempre é assim.

“Desta vez não furou nenhum pneu ou quebrou uma moto. Só chuva, frio, calor. Acabamos nos perdendo em Passo Fundo e nos reencontramos em Cruz Alta. Mas se não for assim, não temos o que contar, né”?

As vespinhas e lambretas verdes, vermelhas, amarelas, conquistaram os olhares dos passantes e transpiravam um ar antigo em meio aos super lançamentos dos expositores ao lado. Os responsáveis por manter esse cheiro de passado intacto são os Herdeiros do Passado [http://www.grupoherdeirosdopassado.com.br/]. O grupo existe desde 2005 e promove um resgate da história das motos e incentiva os mais novos a preservarem a memória das motocas, como explicam Derli Stello e Gilberto Iop. Ao ver uma vespa ou lambreta na rua, eles não resistiam e iam logo saber quem era o dono e, quem sabe, trazê-lo para o grupo. Conseguiram unir membros apaixonados como Cleberto Correa, também gaudério do asfalto, que possui uma coleção de nove lambretas, três vespas e cinco motos.

O Herdeiros do Passado tinha as lambretas para chamar a atenção. Já os outros clubes, utilizam os estandartes com os brasões que estavam nas paredes dos ginásios, nas bandanas e nos coletes dos motociclistas que desfilam orgulhosos e divulgavam o nome dos seus grupos. Nos bolsos dos coletes, os membros dos MC levavam adesivos que costumam trocar e colar nas sedes.

Durante o ano, o espaço das sedes serve para contar as histórias de cada adesivo, cada viagem, cada nova peça comprada. Também serve de local para a articulação de campanhas beneficentes e de conscientização. A preocupação social é uma característica de grande parte dos moto clubes. A entrada para o Mercocycle poderia ser paga com alimentos não-perecíveis. Diferente da imagem de arruaceiro, o motociclista bom-moço usa seu tempo e sua moto para auxiliar quem precisa.

A sede também é lugar de assuntos sérios e também para encontros descontraídos.

Nas quartas-feiras, os Gaudérios estacionam suas máquinas na sede, conversam e se divertem em uma janta promovida por um sistema de revezamento de grupos em que os próprios membros preparam o cardápio para os outros. Ao final do encontro, são lidos os nomes dos próximos cozinheiros, seguidos de um “qué” coletivo. “É um qué de pato”, avisa Maria José Fagundes, a Zezé, a primeira gaudéria, sentada na mesa dos “Caquéticos”, subgrupo dos veteranos no Gaudérios. “Assim como os apóstolos, os Caquéticos não podem passar de 12”, dita Nedio Marques da Rocha.

“A gente ainda anda de moto. Alguns mais, outros menos. Antes a gente se encontrava em churrascaria, pizzaria. Agora é só em velório, ambulatório”.

E todos gargalham em volta da mesa, como uma grande família que ri dos próprios causos. A ideia de família aparece na figura de Zaira Beatriz de Matos, viúva do Inácio Souza de Matos, segundo presidente da história do Gaudérios do Asfalto. Com os olhos marejados, eles prestaram homenagens ao gaudério que se foi.

O PARAÍSO DAS MOTOCICLETAS

Bandas locais e de outros estados revezaram blues, pop e rock no palco durante o evento. Os próprios organizadores levaram ao palco sua banda Old Bikers. Entre famílias, rockers, tradicionalistas, foi difícil agradar a todos. Camisetas de bandas como Iron Maiden, AC/DC, Black Label Society eram comuns em meio à multidão tão plural. “Cadê o rock?” era o grito de alguns inconformados com a apresentação da irreverente Agito Capilar, enquanto outros copiavam a coreografia dos cantores. Logo outra atração subia ao palco e se viam várias mãos com apenas os dedos indicador e mindinho levantados, os presentes socavam o ar e cantavam a todos os pulmões “booooorn to be wiiiild” verso símbolo da música mais tocada no evento. “Born to be Wild” é a criação de maior sucesso da banda Steppenwolf e simboliza o desejo de liberdade da época em que foi composta no fim da década de 70. A música também está na trilha sonora no filme de cabeceira de todo motociclista: “Easy Rider – Sem Destino”.

No filme de 1969, através da viagem de dois motociclistas, é traçada uma paisagem social dos Estados Unidos da época e da contracultura. Desmitifica a imagem que a indústria cultural e a imprensa transmitiam na época de motociclistas arruaceiros e anti-heróis e mostra rebeldes que formaram um estilo próprio segundo seus ideais de liberdade e independência.

Esses ícones influenciam outras gerações além das contemporâneas às décadas de 1960 e 1970. Com apenas 25 anos, Ricardo Tzimgeleski, o Nenê, já tem na bagagem viagens para Argentina, Mato Grosso e Bahia. Dentro do MC Tauras, de Santa Catarina, Nenê é o membro mais novo. No primeiro Mercocycle, ele já define: “Prefiro um encontro em área aberta, com barraca. Assim é muito preso”.

Não só o ingresso nos moto clubes desde cedo, mas os jovens têm formado seus próprios grupos e influenciado os ainda mais novos. Com 14 membros jovens e seis anos de atuação, o MC Cavalaria Sulista é um exemplo da perpetuação do amor pelas máquinas de duas rodas. Sobre o filho de um ano e sete meses, Rodrigo Conrado, o “Falcão”, relata:

“Eu não tive algum tio ou pai que andava de moto. Mas o meu filho desde a barriga já ouvia barulho de motor de moto. Ele vê moto e enlouquece. Eu não vou forçar nada, é uma opção dele, mas tomara que ele venha”.

Pelos pavilhões do Mercocycle se observa uma massa predominantemente masculina, de idade entre 30 a 50 anos, dentro da geração que recebeu influências dos filmes e notícias dos moto clubes estadunidenses nos anos 1960 e 1970. Do empresário do ramo ao tele-moto, do médico ao músico, o que fazem no dia-a-dia nem sempre reflete seu gosto pelas motos, contrariando a ideia do motociclista com cabelos desgrenhados e barbas compridas.

De batom, salto alto e capacete

A massa feminina, apesar de menos numerosa, vai muito além das moças bonitas que desfilam as marcas de motocicletas pelos pavilhões dos eventos. Existem muitas mulheres dentro do motoclubismo. Algumas têm seus próprios grupos e motos e outras acompanham os companheiros nas suas garupas.

Créditos: Bruno Mello

A realidade para uma mulher que casa, namora ou vive com um homem de moto clube é de estar preparada para pegar chuva, comer poeira, dormir em colchões infláveis. Elas dizem que tem que amar (e muito) tanto os companheiros quanto as motos. A esposa de Rodrigo Conrado, Celina Saideles, conheceu o marido no meio das motos. “Mudou completamente meu estilo de vida. Agora meus alunos me veem e dizem: ‘Olha a profe chegando de moto’”. A prima de Rodrigo, Cristiane Conrado, completa: “Eu tenho filho pequeno, mas assim que ele puder ficar sozinho, eu vou para as viagens”.

Elas desenvolveram o gosto pelo motociclismo e são parceiras dos companheiros na vida pessoal e na garupa. E quando é a mulher que influencia o companheiro a ter amor pelas motos? A Zezé começou a participar do MC Gaudérios do Asfalto desde o segundo Mercocycle. Como toda pioneira, causou polêmica ao tentar se inserir no meio predominantemente masculino na época.

“Eu fui uma das primeiras motociclistas de Santa Maria. Andava num tempo em que não precisava usar capacete. Ninguém na minha família andava de moto e minha mãe dizia que moto era convite pra morte. Eu não tinha como comprar sozinha. Aí fui trabalhar numa revenda. Um dia, encontrei minha mãe na rua e buzinei e ela nem sabia que eu dirigia moto. Aí ela viu que não ia conseguir me convencer e me deu uma”.

A paixão é tanta que ela jura que, mesmo se estiver com o cabelo produzido e não quiser amassar no capacete, ela até pega o carro para sair, mas logo volta e sucumbe ao prazer de sentir o vento no rosto. Em uma de suas viagens de moto, sofreu uma grave lesão na coluna. Quando o médico recomendou que não dirigisse mais, Zezé afirmou: “Pensei em fazer um triciclo, coisa assim. A minha maior preocupação foi com como eu iria andar de moto. Algum jeito eu ia dar.” Agora Zezé procura uma moto mais adequada a sua estatura para cair logo na estrada outra vez.

“Para as gurias que andam nas garupas, eu deixo o recado: não deixem de andar de moto com seus namorados, mas andem do lado, com a moto de vocês”.

A inclusão das mulheres nos MC não é novidade no entanto. O moto clube registrado e com mais tempo de atividade do mundo é o Motormaids, formado apenas por elas. O dado é da Associação Estadunidense de Motociclismo (American Motorcyclist Association Club – AMA) que reconheceu as Motormaids como MC em 1940, sete anos antes da fundação do mundialmente famoso Hells Angels MC.

ANJOS E DEMÔNIOS NA ESTRADA DA HISTÓRIA DOS MC

Antes mesmo das Motormaids serem reconhecidas pela AMA, no Brasil, em 1927, era fundado o Moto Club do Brasil, com sede no Rio de Janeiro. Como, em 1950, a imagem do motociclismo era de arruaça e criminalidade, o movimento se manteve pouco crescente no Brasil até a popularização na década de 90 quando se deu a disseminação das marcas de motos e a liberação da importação pelo governo do presidente Collor.

Os moto clubes brasileiros se espelham em grande parte na organização dos estadunidenses. Lá os clubes começaram a se propagar com mais força após a Segunda Guerra Mundial. Muitos ex-combatentes pilotavam motos durante a guerra, especialmente as Harley-Davidson. Sem apoio, discriminados, inadequados para a sociedade devido às experiências traumáticas de guerra, com sede de adrenalina, esses ex-combatentes se reuniam em grupos e continuavam com suas motos.

Com um crânio com asas como símbolo, os Hells Angels (HAMC) se tornaram símbolo do que seria um grupo de motociclistas, décadas após a organização inicial dos moto clubes. Com sedes nos Estados Unidos e no Canadá e sócios espalhados pelo mundo, o HAMC é classificado pelo FBI como uma gangue relacionada a crimes de violência e tráfico de drogas. Os membros discordam e alegam ser um moto clube como qualquer outro e repetem seu lema: “Quando fazemos direito, ninguém lembra. Quando erramos, ninguém esquece”. Claro que alguns aproveitam a imagem de durões para faturar. Nos últimos anos, os Hells Angels abriram filiais pelo mundo e vendem produtos com sua marca estampada. Boatos ou não, os Hells Angels são, para muitos, símbolo de liberdade e companheirismo.

Não só os Hells Angels, mas outros moto clubes estampam crimes violentos envolvendo seus membros nas páginas dos jornais internacionais, contribuindo para a associação de violência e motos. À AMA, é atribuída a afirmação de que 99% dos motociclistas eram pessoas de bons princípios e 1% eram desajustados que não respeitavam a lei. Hoje o 1% ou 1%ers é uma marca de envolvimento com criminalidade que alguns grupos fazem questão de estampar.

Essa imagem é preocupante para alguns moto clubes e eles têm se empenhado em desmitificá-la. Grande parte dos MC tem uma organização e estatutos severos. O aspirante a membro do clube precisa mostrar que está comprometido com o grupo para poder ostentar o brasão do MC. Se o motociclista não andar na linha, perde desde o direito a usar o colete até a expulsão do grupo. Além disso, os clubes fazem questão de mostrar suas ações de responsabilidade social – muitos são registrados como entidades filantrópicas. Para mostrar suas visões dentro do motociclismo e das atividades beneficentes, os clubes se aventuram no mundo virtual.  Para angariar novos sócios, registro de eventos, avisos, relatos de viagens, os clubes e os motociclistas estão online.

Passaporte carimbado e aí vamos nós

Com a internet, os motociclistas superam a barreira geográfica e propagam seu MC e suas histórias para o mundo. Também com a internet é que eles planejam as viagens de moto e podem abrandar a saudade da família no tempo de estrada. Foi com o suporte da internet e o apoio dos mais próximos que Edson Steglich, um dos fundadores do Gaudérios do Asfalto, programou suas viagens. O desejo de ultrapassar ainda mais fronteiras só crescia à medida que Edson ia acumulando carimbos no passaporte. De 15 dias de viagem, passou a planejar caminhos mais longos.

O último teve como destino final o Alasca, junto com o amigo Renato Lopes. E, das terras geladas para o calor do abraço dos companheiros do Gaudérios do Asfalto, no dia em que os mesmos preparavam terreno para receber os visitantes do Mercocycle.

“A gente passou por um grupo que estava vindo para o evento. Três motociclistas daqui foram até perto do Uruguai para nos esperar. Teve outro camarada que nos esperou em Rivera. Na estrada de Rosário do Sul, o pessoal juntou com a gente. A gente foi direto para onde o pessoal estava trabalhando com toda aquela caravana. Isso marca pro resto da vida. Um cara se abraçar em ti e tu sentir que corre lágrimas de alegria por tu ter voltado: isso é coisa de irmão”.

Edson já foi para vários destinos certeiros nas listas dos motociclistas viajantes, como o Ushuaia. Mesmo com a experiência, a preocupação é inevitável. “Depois dessa última viagem, visitei meus pais e minha mãe me abraçou e falou que rezou muito para a gente voltar. É de se entender que se preocupem, porque, com moto, tu fica mais exposto”, afirma Edson.

Para tudo correr bem, é preciso planejar com atenção. “Começamos a planejar essa viagem há dois anos. Tínhamos feito os 13 países da América do Sul. Para viajar, pelo menos, marca o ano. Daí vai se organizando qual a data no mês e começa assim”, explica Edson, que já está na produção de uma viagem pela Ruta 40, uma estrada na Argentina que atravessa o país.

Além dos lugares com pouca infra-estrutura, os motociclistas podem desfrutar de boas estradas e hotéis de luxo. Um dos cenários do filme Easy Rider e um dos pontos turísticos dos EUA, a Rota 66 (U.S. Route 66) é um exemplo de viagem desejada e com algum conforto. Os que puderam experienciar a rota contam sobre um Estados Unidos em que os motociclistas dos filmes ainda parecem dirigir por aí. Os gaudérios Alexandre Cortês e Zênio Oliveira fizeram a rota este ano e Alexandre conta:

“Imagina tu entrar em Las Vegas em uma formação de 15 motos, 1600 cilindradas, Harley-Davidson. A sensação é indescritível. Eram pessoas de São Paulo, Rio Grande do Sul, convivendo durante 12 dias, unidas em torno do espírito de parceria que a moto proporciona. Pegamos calor de mais de 40º no deserto e vimos que o mundo todo passa por aquela rota. Um espírito de moto por toda a rota. Aqueles caras com coletes, bandana, bigodão, naqueles bares onde se coloca uma moeda e toca música”.

Aproveite a viagem

Os estradeiros estão sujeitos a pedras, pássaros, chuva, sem ar-condicionado, com os objetos pessoais amassados em pequenas malas de couro chamadas de alforges. Viajar de moto é caro, inseguro e desconfortável. O que move os motociclistas não é a gasolina, mas o amor pelas máquinas que eles tentam descrever em palavras, mas todos são unânimes: “Só quem tem sabe”.

Para passar por estradas de chão, chuva e outras intempéries em lugares inóspitos, o companheirismo é a segurança necessária. “Não é fácil tu sair com uma pessoa e conviver cinco meses mais do que convive com um irmão, um familiar. A gente tem uma harmonia muito boa”, conta Edson em relação à viagem feita com o amigo Renato. Dentro do casco do capacete, só o ruído do vento e todo o tempo de estrada para pensar e viver as sensações do ambiente. Depois dos 62 mil km percorridos até o Alasca, Renato avalia:

“Nesse tipo de viagem, embora a gente tivesse entre dois amigos, a maior parte do tempo fica isolado no capacete. É uma experiência de reflexão da vida, de tudo que se fez e pode fazer. É quase uma revolução pessoal interna. A gente acaba fazendo sem se dar conta”.

A estrada é um convite para as sensações de liberdade, de risco, variação nas emoções, uma hora de frio, outra calor, outra medo, outra saudade. Isso parece atrair os desbravadores em duas rodas. A motocicleta e o motociclista se transformam em um organismo que faz parte do ambiente em que está inserido. Passar por isso tudo é o maior prêmio da jornada, como explicita Edson:

“É uma eterna briga. Tu está exposto. As forças da natureza, a gravidade, estão tentando te derrubar. Isso de uma maneira bem figurativa. No fim, todo mundo se sente vencedor por ter passado por isso. Andando de moto, tu sente sempre alguma coisa, os odores e fedores da estrada. E toda hora o panorama tá mudando”.

“Eu costumo dizer que, quando a gente viaja de carro, a gente curte a natureza. Mas quando viaja de moto, a gente faz parte dela”, diz Gil Carlosso, enquanto tomava mate no Mercocycle. Créditos: Bruno Mello

Fim do sábado chuvoso de Mercocycle. Só o estrondo dos motores e dos trovões. Com o capeta – bebida tradicional do evento – correndo pelas veias de alguns, os motociclistas acampados nos pavilhões faziam barulho. Na pista do estacionamento, uma competição leve pelo ronco mais estrondoso das máquinas aos olhares atentos da plateia que vaiava, berrava e aplaudia. “O motociclista é aquele que pilota a moto respeitando as leis de trânsito, as pessoas, a natureza, os animais e cultivando a amizade”, resume Gil Carlosso, do MC Lobos Rio-grandese, sobre o espírito desses homens e mulheres motociclistas. Em cima de sua Mirage 250 Shyreray, Gil reflete:

“Dentro do capacete, é quando eu tenho minhas melhores ideias, meus melhores pensamentos. É ali que me vêm os pensamentos bons de respeitar o próximo, acreditar no ser humano. Na estrada, é um cuidando do outro. Eu cuido da moto e a moto cuida de mim. O motociclismo me trouxe pra vida. Hoje posso dizer que sou extremamente feliz e quando o tempo tiver bom, enquanto eu tiver forças, vou estar em cima da minha moto viajando, levando palavras de carinho, amizade, ajudando a quem eu possa”.

Para diferenciar um motociclista apaixonado de algum que só queira comprar o visual é preciso observar se ele escolhe os caminhos mais longos só para passar mais tempo em cima da moto, se roda por aí sem se importar em mostrar para alguém, se cultiva os valores do seu MC.  Quem não entende esse espírito aventureiro e esse amor, talvez só entenda se arriscar. Clóvis Sperb finaliza: “Costumamos dizer que só um motociclista entende o porquê de um cão andar com a cabeça para fora da janela do carro”.

NÓS ACREDITAMOS NA MOTOCICLETA, pelo viés da colaboradora e parceira da revista o Viés Luciana Minuzzi.

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