A MAIS LONGA GREVE DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

A greve dos docentes das Universidades Federais de Ensino Superior (IFES), que se estendeu por mais de 100 dias atingindo 58 das 59 IFEs do país, configurou-se como a maior greve do setor nos últimos anos. A greve pela educação não foi somente dos docentes, tendo também em suas fileiras os técnico-administrativos em educação (TAEs) e os estudantes. A expansão da indignação tem justificativa – e esta não é somente salarial como a mídia hegemônica tentou demonstrar.

Marcha em Brasília reúne cerca de 10 mil manifestantes de todo o país. Créditos: Mariana Fontoura.

A justificativa para a greve é o atual estágio de precarização, privatização e terceirização vigente no ensino superior público no Brasil, tendo a defasagem de salários e a desvalorização do plano de carreira como expressões da pauta. Esse estágio é fruto de uma política de desmonte do tripé ensino-pesquisa-extensão que se iniciou com o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) através de constantes ataques à autonomia universitária, mas que se aprofundou no governo de Luís Inácio Lula da Silva com a implementação, de forma fatiada, da Reforma Universitária.

Essa reforma tem, segundo o professor de educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Roberto Leher, o Plano de Reestruturação das Universidades Federais (REUNI) como carro-chefe – pois o programa “amplia” o acesso ao ensino superior através de um plano de metas empresarial, sem ampliar o financiamento público e a contratação de professores efetivos. Desta forma, aumenta a carga horária e a intensificação da precarização do trabalho docente. Para o Coordenador da Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física (ExNEEF) e estudante da UFSM, Guilherme Lovatto, o REUNI visa adaptar a universidade brasileira ao papel dependente que o Brasil possui no cenário do capitalismo mundial, além de tornar inaplicável uma universidade que produza conhecimentos socialmente úteis, de forma a apenas transferir e adaptar para o país aquilo que os grandes centros mundiais produzem.
Este processo, que sofreu resistência quando o governo FHC tentou implementá-lo, foi colocado em prática com o governo Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) – estes souberam cooptar os setores combativos da classe trabalhadora que defendiam um modelo de universidade pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada; tornaram a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), representação sindical e estudantil, respectivamente, reprodutoras da política do Banco Mundial para a educação.

Além disso, o governo Lula implementou a Reforma Universitária via decreto, sem debater todas as normativas (REUNI/PROUNI/LIT/PPP/SINAES/ENADE), através da articulação com a UNE, da caravana em defesa do REUNI e da forte repressão que desencadeou ao movimento estudantil. Movimento esse que, por fora da UNE, enfrentou interditos proibitórios e a intervenção da polícia no campus para lutar contra a implementação do REUNI.

Ainda no ano de 2011, quando os TAEs estavam em greve – com as pautas de reajuste salarial e em luta contra a Empresa Brasileira de Serviços e Recursos Hospitalares (EBSERH), na defesa dos Hospitais Universitários (HUs) 100% públicos e gratuitos – não tiveram a garantia de uma mesa de negociação com a presidente Dilma, que afirmou não negociar com categorias em greve e que o ponto/salário dos grevistas seria cortado.

Após recusa do governo em negociar com a categoria em 2011, os técnico-administrativos deflagaram mais uma greve em 2012. Créditos: Mariana Fontoura.

Em meio a isso, os professores que, assim como os TAEs, sentiam já os efeitos da implementação do REUNI, davam indicativo de que entrariam em greve em conjunto com os técnico-administrativos por reajuste salarial e discussão sobre o plano de carreira. Contudo, escolheram o caminho da negociação ao invés da greve e conquistaram 4% de reajuste nos salários para o início de 2012. Esse reajuste aconteceu somente no papel, e a presidente Dilma não o aplicou de acordo com os prazos e isto fez com que a greve fosse decretada. Já os TAEs, após 52 reuniões de negociação, saíram da greve discriminados e sem nenhuma proposta por parte do governo.

A UFSM está viva, a UFSM esta(va) em greve


A greve da UFSM começou um tanto quanto atravancada, mas cresceu. Com a adesão de professores, TAEs e estudantes ganhou força. Tornou-se a maior greve da história das universidades federais brasileiras em duração. E cresceu para fora das universidades. Quase todas as categorias do serviço público federal também cruzaram os braços, desde auditores fiscais até policiais federais. No mês de agosto, segundo dados da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (CONDSEF), mais de 300 mil trabalhadores federais estavam em greve.

Diante da recusa de negociação com os grevistas por parte do governo federal, as categorias da UFSM começaram a radicalizar as atividades de greve. Professores, TAEs e estudantes trancaram por diversas vezes a entrada da universidade na tentativa de chamar a atenção da comunidade acadêmica ainda em atividade para suas reivindicações. A reitoria da UFSM também foi ocupada por duas vezes pelos grevistas, em atos que faziam parte de mobilizações simultâneas dos grevistas da educação por todo o país.

Grevistas das três categorias bloqueiam a entrada principal da UFSM. Créditos: ASSUFSM.

O discurso oficial do governo então mudou. Ao invés de simplesmente se negar a marcar reuniões com os grevistas, Dilma preferiu marcá-las e, ao mesmo tempo, jogar a opinião pública contra os grevistas. Começou a citar a crise econômica internacional e os baixos salários dos trabalhadores do setor privado como desculpas para não ceder aos valores pedidos pelos grevistas nas negociações. A presidente também foi a público criticar a CUT, central sindical historicamente ligada e controlada pelo PT, por esta estar em greve em um momento complicado para as finanças do país.

Nas negociações, o governo federal ofereceu reajustes inferiores aos pedidos pelos docentes e técnico-administrativos e disse que não iria discutir a carreira das categorias – justamente a principal pauta de ambas as greves. Os ministérios de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e de Educação (MEC) não reconheceram a legitimidade do Comando Nacional de Greve Estudantil (CNGE) e acabaram por negociar com a UNE, não chegando a nenhuma reivindicação estudantil aceita. Carolina Barin, estudante de Comunicação Social da UFSM que esteve no Comando Nacional de Greve Estudantil em Brasília durante duas semanas, explica a situação: “O Comando Nacional de Greve Estudantil foi muito importante para o movimento estudantil. Construímos um processo nacional de greve para além das entidades que dizem representar os estudantes. O governo por muito tempo se negou a fazer uma negociação com o CNGE, alegando que só dialogaria com a UNE, entidade que há muitos anos não representa o movimento estudantil e que atua, inclusive, como um braço do governo federal nas universidades”.

Essa medida do governo federal, entretanto, não conseguiu desmobilizar a greve da educação. Teve efeito reverso, na verdade. A Federação de Sindicatos de Professores de Instituições de Ensino Superior (PROIFES), fundada pela CUT numa tentativa de substituir o Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional (ANDES-SN), ligada a uma central comandada por PSTU e PSOL, aceitou a proposta do governo. No entanto, os professores das sete universidades representadas pela PROIFES rejeitaram a proposta nas assembleias locais, e em universidades como a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal de Goiás (UFG), pediram a cassação da direção do sindicato.

A greve termina, mas a mobilização continua


Os técnico-administrativos, após meses de mobilização e intensificação do movimento grevista, conseguiram uma abertura, mesmo que mínima, por parte da presidente Dilma. Ao final do mês de agosto, conforme encaminhamento da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Públicas Brasileiras (FASUBRA), aceitaram a proposta do governo – reajuste salarial de 15,8%, escalonados em três anos – e saíram da greve.

No que tange aos professores, a dificuldade de negociação foi maior. A presidente do ANDES-SN, Marinalva Oliveira, no informativo do sindicato, comenta que o governo, de forma intransigente, recusava-se a dialogar sobre as principais pautas da categoria – reestruturação do plano de carreira e melhorias nas condições de trabalho.

Após quatro meses do movimento grevista mais forte da história, o Comando Nacional de Greve (CNG) encaminha a saída unificada da greve nas IFEs, com a ponderação de que se as negociações não avançarem fora da greve, há o indicativo de iniciar o primeiro semestre de 2013 em greve. A partir disso, foram realizadas assembleias de base, em que muitas delas encaminharam, conforme indicativo do ANDES, o fim da greve. Na UFSM não foi diferente. Além disso, o ANDES recomenda que sejam criadas comissões de mobilização para que se mantenha a defesa pelas pautas locais.

Assembleia dos docentes da UFSM aprova a saída unificada da greve. Créditos: SEDUFSM.

Para o movimento estudantil, a greve representou algo que já era afirmado em 2007 – ano das ocupações de reitorias articuladas através da Frente de Lutas. Guilherme Lovatto, que entrou no ano de 2007 na UFSM, explicita: “A greve demonstrou que em 10 anos do governo PT, a política que está sendo implementada em nada serve e nem tem como ser disputada para servir aos interesses da classe trabalhadora. Tem sim é que ser combatida com radicalidade e intransigência através de greves, ocupações de reitoria e muita mobilização. Não será tarefa fácil. O movimento reacionário que surge depois da greve já nos demonstra isso, mas cabe a nós, estudantes, demonstrar junto ao movimento docente e de TAEs que somente a luta pode mudar a nossa universidade e as nossas vidas”, afirma o estudante.

A MAIS LONGA GREVE DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, pelo viés dos colaboradores Diosana Frigo e Mathias Rodrigues

reportagem inicialmente reproduzida em Facos Colaborativa

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