QUEM NÃO LÊ, MAL OUVE, MAL SENTE, MAL VÊ, MAL FALA


Visão geral da primeira feira. Foto: Departamento de Arquivo Geral da UFSM

O ano de 2010 marcou uma nova fase para a já tradicional Feira do Livro de Santa Maria. A Prefeitura Municipal firmouconvênio com a Comissão Organizadora para a liberação de R$ 110 mil. O apoio para a realização do evento veio em forma de recursos financeiros, garantindo, assim, a programação integral do evento. Mas nem sempre os recursos foram fartos. Os primeiros organizadores, acadêmicos da UFSM, precisaram trabalhar duro para realizar as edições iniciais.

Uma ideia…

Na manhã do dia 26 de maio de 1973, a Praça Saldanha Marinho foi palco de uma movimentação cultural. Acadêmicos do curso de Comunicação Social (Facos) da UFSM levaram livros para o local. E foi assim que eles determinaram rumos da área cultural da cidade de Santa Maria que se refletem ainda hoje.

Dez anos antes, o então prefeito Miguel Sevi Viero sancionou a lei nº 1133/63 que oficializava a Feira do Livro de Santa Maria a ser realizada durante dez dias na Praça Saldanha Marinho. Porém, até 1973, haviam sido poucas as tentativas de se instalar um espaço destinado à promoção cultural na cidade e isso inquietava os alunos.

“A gente se questionava muito na aula sobre as poucas opções de leitura que tinham em Santa Maria. Nós estávamos na época da ditadura e a gente realmente não tinha uma grande oferta de obras”, explica Walter Oppermann, integrante da primeira turma de Comunicação Social da UFSM. A partir desses questionamentos, os acadêmicos da Facos tiveram a ideia de realizar em Santa Maria um evento em praça pública aos moldes do que acontecia em Porto Alegre – cidade que mantém uma Feira do Livro desde o ano de 1955. Assim, a primeira Feira Universitária do Livro foi realizada na Saldanha Marinho, em 1973. Como destaca um jornal da época, “é a cultura, pela mão dos jovens, que está indo ao encontro do povo”.

…muito trabalho…

No primeiro ano, o trabalho foi intenso e exigiu bastante esforço dos organizadores. Apesar do apoio da UFSM e da Prefeitura Municipal, eram os estudantes que realizavam visitas às distribuidoras de livros e que se encarregavam de realizar a venda dos livros na praça. Com as poucas livrarias existentes na cidade, alguns alunos viajavam até Porto Alegre para fazer acordos com editoras e livrarias da capital, que disponibilizavam um número grande de variadas obras. Além disso, os organizadores aproveitaram as viagens para a capital gaúcha para realizar a divulgação do evento.

Era trabalho dos alunos, também, selecionar e catalogar os exemplares que seriam vendidos. Essa atividade era realizada durante as madrugadas anteriores à abertura diária da feira. Cada dupla envolvida ficava responsável por cuidar o movimento de uma banca e atender o público. Esses mesmos alunos, em todos os dias de atividade de feira, buscavam os livros em determinados locais, pois esses não podiam permanecer no local de venda. “A gente carregava braçadas de livros e era o pessoal do Clube Comercial que nos emprestava uma sala, no porão, para guardarmos os livros durante a noite. Então, todos os dias, a gente ia ao porão do clube, recolhia os livros, levava para a praça, e organizava banquinha por banquinha”, relata Aurea Evelise Fonseca, integrante da turma responsável pela feira de 1978. Apesar do trabalho árduo no desenvolvimento da feira, os alunos não recebiam por isso. “Era um movimento totalmente pessoal, sem a visão de lucro. A turma assumia esse compromisso e tinha escala de trabalho”, continua Aurea. Os livros, inclusive, eram vendidos com desconto.

Foto: Arquivo Orozimbo Ramos Penna

O trabalho durou alguns anos. Tornou-se tradição, no curso de Comunicação Social, a organização da feira pelos estudantes do segundo ano de cada turma. Assim, os alunos da Facos tinham o compromisso de levar os livros para a praça. Apesar de o movimento cultural ser realizado em um local público no período de ditadura civil-militar, diversas obras que não circulavam normalmente no mercado – principalmente as de teor político – chegaram às mãos dos santa-marienses. Livros como O Capital de Karl Marx foram vendidos durante o evento. “Era meio camuflado, mas nem tanto, porque a gente estava em praça pública. A prefeitura emprestava as barracas e a gente vendia os livros que não eram bem-vindos pela ditadura”, relembra Aurea.

…e alguns empecilhos

Nem o período político, nem o intenso trabalho barraram o esforço dos alunos. Foram outros os motivos que dificultaram a realização da Feira do Livro em alguns anos. A mesma prefeitura que auxiliava, em alguns momentos, na realização da feira, foi alvo de críticas, tais como: “incapaz e desrespeitosa quanto à cultura”, segundo reportagem do jornal A Razão, do ano de 1980. Naquele ano, o tradicional empréstimo dos estandes foi suspenso sem aviso prévio aos acadêmicos, e, além disso, a prefeitura não enviou o transporte prometido aos alunos. Os atritos foram um dos impasses responsáveis pela não-realização da Feira do Livro no ano seguinte. Assim, o evento só foi retomado em 1982, quando a UFSM assumiu as despesas.

A estrutura inicial, se comparada com a das edições atuais, era bem menor. A feira contava com poucos estandes, o que delimitava a sua abrangência. Além de serem poucos, os estandes não tinham a estrutura ideal. “Eu já olhei muitas feiras depois daquele dia, e acho que agora o pessoal da feira está mais beneficiado. Tanto os que vão comprar quanto os que vão vender, porque hoje, por exemplo, a chuva não pega”, compara Orozimbo Penna, jornalista formado pela segunda turma de comunicação que acompanhou diversas edições como fotógrafo da UFSM.

Apesar de não visar ao lucro, os alunos comparavam os resultados de vendas de um ano para o outro. A partir dessas avaliações, constatavam vendas menores em alguns anos e atribuíam isso a dois fatores: baixo poder aquisitivo da maioria da população e o próprio nível cultural de Santa Maria. E era essa realmente a força motriz da realização da feira na cidade, como diz Walter Oppermann: “o maior objetivo realmente era proporcionar melhor leitura para a comunidade de Santa Maria”.

A falta de auxílio na organização da feira, em algumas edições, levou ao desinteresse de algumas turmas em realizar o evento. Assim, no começo da década de 1990, a feira teve suas atividades suspensas.

Os livros voltam para a praça

A feira retomou suas atividades quando a integrante da primeira turma da Facos, Eugênia Maria Mariano da Rocha Barrichello (patrona da Feira deste ano), voltou ao curso, dessa vez como professora. Em 1995, Eugênia impulsionou os alunos a participarem novamente da organização do evento que já era marco na cidade. Nesse ano, a Feira do Livro se configurou com o apoio da prefeitura Municipal, Serviço Social da Indústria (SESI), Oitava Delegacia de Educação, Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria (CESMA) e Editora da UFSM. Essa edição da feira contou com a escolha de um patrono, tradição que se estende até os dias atuais. O primeiro patrono foi José Mariano da Rocha, fundador da UFSM.

Comissão organizadora com o Mariano da Rocha (22/05/1973). Foto: Departamento de Arquivo Geral da UFSM

A participação dos alunos de Comunicação Social diminuiu ao longo dos anos, uma vez que as demandas da feira aumentaram. Dessa forma, coube à Prefeitura Municipal, através da Secretaria de Cultura, a organização. Atualmente, o único vínculo do curso da UFSM com o evento se dá através dos acadêmicos de Publicidade e Propaganda, responsáveis pela campanha publicitária do evento.

Com o passar dos anos, apesar dos impasses, a Feira do Livro de Santa Maria cresceu e tornou-se um dos maiores eventos culturais do município. Segundo Aurea Evelise Fonseca, que hoje faz parte da equipe de assessoria de imprensa do evento, atualmente a feira se consagra pelo seu “caráter interdisciplinar, multicultural, que envolve teatro, música, eventos, palestras, divulgação diversa, oportunidades de divulgação, tem praça de alimentação. Quer dizer, as pessoas não vão lá só para comprar livros, as pessoas vão lá para se servir de cultura, de várias formas”.

O agradecimento àqueles primeiros organizadores veio em 1999 com uma homenagem no evento. A “promoção altamente louvável” – como adjetiva uma edição de 1973 do jornal A Razão – dos acadêmicos de Comunicação Social alcançou seu objetivo, criando um espaço cultural na cidade.

QUEM NÃO LÊ… MAL OUVE, MAL SENTE, MAL VÊ, MAL FALA, pelo viés de Lara Niederauer e Mariana Soares*.

*Lara e Mariana são jornalistas formadas pela Universidade Federal de Santa Maria.

Reportagem originalmente publicada na revista .txt, da UFSM.

Um comentário sobre “QUEM NÃO LÊ, MAL OUVE, MAL SENTE, MAL VÊ, MAL FALA

  1. Emocionante a reportagem sobre a Feira do Livro. Belo resgate.
    Parabéns!
    Eugenia

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