UMA ARAUCÁRIA PLANTADA FIRME NO CORAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL

No último dia 9 de janeiro, as raízes históricas e imemoriais da cultura Kaingang acabaram por, finalmente, adentrar fundo o terreno reocupado pelos indígenas há mais de 15 anos na cidade de Santa Maria.

Simbolicamente, pode-se dizer que há uma Araucária (árvore que representa esta etnia) plantada firme nas imediações da rodoviária da cidade. Desta árvore, nos últimos anos, vem caindo e germinando inúmeras sementes de cultura, língua e práticas vivas. Onde havia um vazio urbano, apenas aguardando a especulação imobiliária, hoje há escola, hortas, moradias, e segurança. É o marco da retomada de uma pequena porção das terras kaingang, sobre as quais outrora assentou-se este município.

Foto: Yuri Weber

Esta analogia corresponde ao fato de que o Juiz Federal Jorge Luiz Ledur Brito negou a reintegração de posse requerida pelo auto-intitulado arrendatário da área em questão, o senhor Cláudio Fernandez. Este personagem é apontado pelos indígenas como um leão de chácara dos ex-proprietários do terreno que devem cerca de 1 milhão e meio de reais em impostos. Na peça jurídica, concordando com o MPF, Jorge Ledur chega a mencionar que o contrato tem indícios fortes de possível fraude e sustenta que os Kaingang tem posse da área há muito mais tempo do que este suposto processo de locação.

O PROTAGONISMO KAINGANG E A RESISTÊNCIA PELOS QUE FORAM E PELOS QUE VIRÃO

Sem dúvida esta vitória é fruto de uma longa e brava resistência do povo kaingang. Foram anos de lona preta, verões e invernos severos, moradia precária, falta total de saneamento e condições desumanas de vida. Os indígenas, porém,  não desistiram e acabaram por assegurar uma impressionante vitória. O que fez com que estas famílias suportassem tamanhas dificuldades até os dias de hoje? Certa vez, o cacique Natanael Claudino e sua companheira Sueli, ao recusarem uma casa nova que haviam acabado de receber em Tenente Portela, argumentaram que era necessário assumir o sacrifício de viver de maneira desumana, debaixo da lona preta e sem nenhuma promessa de vitória, se este fato ao menos trouxesse a esperança de uma vitória para os seus filhos e os filhos daquela comunidade. Lutar pela terra é, para o povo kaingang, lutar por muito mais do que o número de hectares em questão. É, na verdade, uma luta para que aquelas gerações que vem ao mundo ou que dão nele seus primeiros passos, tenham um local para morar, para viver sua cultura e para se desenvolver como Kaingang ao invés de ter de viver como muitos dos seus pais já viveram, abrigando-se debaixo de viadutos, desamparados pelos confins das cidades.

Muito mais do que um pedaço de chão, a vitória dos Kaingang se consiste também em garantir que a memória do seu povo viva junto a seus antigos e seus territórios ancestrais. Desta forma, Santa Maria vai reassumindo seu caráter de cidade habitada constantemente pelos povos indígenas, e a cultura indígena passa a colorir com mais força e legitimidade as ruas cinzas do município. Assim, os Kaingang reescrevem a história da cidade e do estado do Rio Grande do Sul, garantindo, junto aos ecos do passado, as vozes ativas do presente e do futuro.

É necessário fazer uma homenagem à Augusto Ope da Silva, importante liderança Kaingang que tem dado a vida pela luta e que foi fundamental na organização e conquista de Ketyjug Tegtu.

UMA VITÓRIA DE TODOS! A IMPORTÂNCIA DA SOLIDARIEDADE SINDICAL E DOS MOVIMENTOS

O protagonismo desta bela vitória sem duvida é Kaingang, porém pode-se afirmar de forma precisa e tranqüila que este direito só foi assegurado ao povo indígena através da solidariedade irrestrita dos sindicatos, movimentos indigenistas, coletivos de mídia alternativa, movimento estudantil e demais movimentos populares. Seja garantindo alimentação e vestimenta à comunidade, ajudando a levantar moradias mais dignas, somando-se à composição de atos e manifestações dos indígenas, colocando-se como instrumentos públicos da defesa à dignidade e ao direito humano, utilizando sua criatividade e a autonomia para elaborar ferramentas de apoio didático junto a comunidade ou até mesmo através do apoio das palavras de “estamos juntos”. Esta, portanto, é uma vitória de todos e que traz em suas entrelinhas uma preciosa lição de que em coletivo e com foco firme na vitória popular é possível imprimir derrotas às elites e garantir o direito À vida de todos aqueles que se encontram excluídos. É prova de que o povo junto, pode resignificar e redesenhar as cidades dizendo que moradia digna e o acesso à terra é superior ao lucro das especulações dos vazios urbanos e da propriedade privada.

UMA COINCIDÊNCIA MÍSTICA E UMA HOMENAGEM MAIS QUE MERECIDA

Se no dia 9 de janeiro foi determinada a decisão de indeferimento da ação de reintegração de posse, o dia anterior trouxe consigo o marco de um ano do falecimento da incansável lutadora Sandra Feltrin. Amiga guerreira, que trazia no brilho dos olhos a esperança por justiça, foi responsável pela peça de defesa do povo kaingang. Junto com Heverton Padilha, com o procurador Harold Hoppe e com militantes da área jurídica, ajudou, de maneira precisa, a garantir que o povo kaingang tivesse acesso à terra que há muito tempo reivindicava. Todos sentimos como se estivesse junto, como se comemorasse esta vitória com um de seus sorrisos. Para o povo Kaingang, você caminhou por entre eles naquela tarde. Estará sempre presente em cada dia, em cada novo passo que as comunidades indígenas derem em Santa Maria.

EM CONJUNTURA DE CRIMINALIZAÇÃO, SENSATEZ

O GAPIN, que foi acusado por incitação à ocupação e promover junto aos indígenas “clima belicoso”, também foi absolvido pelo Juiz Federal. Uma decisão importante em uma conjuntura onde muitas organizações indigenistas (em especial o CIMI) estão sendo acusadas de terrorismo e manipulação das lideranças para fins políticos de extrema esquerda. Nós, do Grupo de Apoio aos Povos Indígenas, reiteramos nosso total apoio aos Guarani e Kaingang na defesa da vida e dos direitos aos povos originários. Seguimos juntos! 

UMA ARAUCÁRIA PLANTADA FIRME NO CORAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL, texto originalmente publicado no perfil do Grupo de Apoio aos Povos Indígenas – Gapin LutaOriginária

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