Corria já o mês do cachorro louco

Leonel Brizola no estúdio instalado no porão do Palácio Piratini, em Porto Alegre. Agosto de 1961. Foto: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS)

Estava já decidido a escrever sobre o famigerado mês de agosto quando novos acontecimentos chegaram para reforçar a já explosiva relação entre o oitavo mês do nosso calendário e a cena política brasileira. Do suicído de Vargas em 1954 ao acidente que vitimou o presidenciável Eduardo Campos semana passada, num hiato de 60 agostos, resolvi pinçar um dentre eles para relembrar de outros assuntos agostotróficos: sim, 1961 foi um ensaio geral para 1964.
Pois na mesma Porto Alegre que poucos anos atrás já se alçou como capital mundial da democracia, algumas décadas antes foi cavada uma trincheira onde um gaúcho fincou pé em defesa da ordem constitucional. ‘Trancô os garrão’ defendendo o cumprimento da lei e por força disso – mas não só por isso – carregou, ironicamente neste primeiro caso, a pecha de subversivo pelo resto de seus dias. Esse gaúcho cujo primeiro nome poucos conhecem, nasceu em Cruzinha, então um pequeno pedaço de Carazinho, lá no já distante ano de 1922. De batismo foi chamado Itagiba, nome que segundo dizem, desde pequeno recusou. Por escolha própria, ainda na infância autonomeou-se Leonel, inspirado em caudilho maragato cujos desatinos conduziram à morte o pai do pequeno Itagiba, no sangrento ano de 1923.
Na Porto Alegre de agosto de 1961, Itagiba já adulterado em Leonel há muito tempo, consolidava-se cada vez mais com o nome que entraria para a históriia política em nosso país: Brizola. Algo estava errado naquele agosto gelado. Agosto de Grenal cancelado. Agosto de burburinho da política; de tilintar das armas.  O agosto que quase antecipou La Moneda no Piratini. Agosto em que o golpe de Jânio não colou. E o III Exército não aderiu ao golpe que colou. Agosto em que o presidente que queria “fazer que ia”, acabou indo mesmo. E o presidente que poderia ‘ir de verdade’ acabou ‘fazendo de conta’.
Jânio encenou renúncia, porque queria ficar. Deu o golpe errado.
Jango, que não queria golpes maiores, aceitou encenar a presidência, limitado pelo parlamentarismo golpista dos conservadores e da burguesia nacional. E o subversivo Itagiba tentando o cumprimento da lei enquanto os garantidores da ordem nacional implementavam um golpe!?
Foto: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Capa do Correio do Povo.

Foto: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS)
Foto: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS)
As diatribes da política brasileira acabaram por transferir os holofotes de Guanabara para Porto Alegre. Impedido pelos militares de assumir a legítima vaga de presidente da república, o são-borjense João Goulart teve prisão decretada pelas forças armadas sob acusação de ser amigo do comunismo internacional e de manter profundas relações com regimes de orientação moscovita. Ora bolas! Jango estava na China maoísta no exato momento da renúncia de Jânio, aquele tresloucado presidente que concedeu a honraria máxima deste país, a medalha Cruzeiro do Sul, a um cordobês que retornara de Sierra Maestra! Quanto acinte para um governo só!
No entanto, dura lex sed lex, e o regime constitucional brasileiro, por mais frágeis que sejam as expressões “regime” e “constitucional” apontava para o processo sucessório em que o vice assumiria  o lugar do presidente. A manutenção da ordem democrática precisou ser quebrada para que se garantisse a manutenção da ordem democrática ! Sim, como podemos ver, 1961 foi mesmo um ensaio geral para 1964.
Em Porto Alegre, em torno do Palácio Piratini, sede do governo riograndense, formou-se a Rede da Legalidade em defesa da Constituição Brasileira. Multidões mobilizadas pelo carisma e pelo brio de Leonel – cada vez mais Brizola – sacudidas pelo rádio, veículo que vivia seus anos de ouro ainda e que deu nome ao movimento – “Rede” designava exatamente a cadeia de comunicação que se estabeleceu para difundir e manter a mobilização popular naquela campanha cívica. De vários lugares do estado e mesmo de fora do Rio Grande do Sul, milhares de pessoas acorreram atendendo ao chamado. Houve distribuição de armas aos populares. E o sobrevoô ameaçador de caças da Força Aérea por sobre o Piratini encontrando multidões em debandada desconversada, mas outros tantos de peito aberto, como em sacrifício, aguardando pelo pior desfecho.
Aguardavam por Jango que ao chegar arrefeceu os ânimos de todos, tendo recebido o desprezo derradeiro de Leonel. Ao aceitar o parlamentarismo, Jango frustraria milhares de pessoas conectadas pela rede [da Legalidade], muitos milhares delas sitiadas por dias em torno do Palácio Piratini, ávidas pela liderança do presidente constitucional que pudesse acumular forças e efetivamente mudar a política; quiçá mudar a História. Mas não! Com suas razões, Jango preferiu receber as vaias na sacada do Piratini. Uníssonos da Praça da Matriz, vaiavam comprovando que haveria resistência, se Jango assim o quisesse.
Naquela vaia, naquela sacada, naquele Palácio, pelas ondas do rádio, erigiu-se Brizola. O mito que apagou Itagiba, seu nome de batismo; e superou Leonel, seu nome por opção. Ali, na Rede da Legalidade, Brizola se fez maior que Jango. Estatuto que carregaria, como a fama de subversivo, até a sua morte.
A História não nos permite pensá-la na condicional. Em retrospectivas, o “se” não pode ganhar muita força. Mas as reações nos porões do Piratini e nos gramados da Matriz, somadas ao resultado das urnas no plebiscito que devolveria a Jango e ao Brasil o presidencialismo pré-61, indicam de que lado o povo estaria se Jango fizesse qualquer pequeno gesto de resistência ao golpe brando.
Quando 64 chegou, as primeiras flores já haviam sido pisoteadas, o jardim assaltado e não havia muito o que fazer. Jango, o rengo, não teve apoio para resistir ao golpe. Provavelmente, mais uma vez, nem o quisesse.
E a História cobrou seu preço. 
Corria já o mês do cachorro louco, pelo viés do colaborador Alcir Martins

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