Onze dias em terras incas

Retrato de peruana que vendia balas na saída do Convento de São Francisco, no Centro Histórico de Lima. Foto: Nathália Schneider.

A minha aventura pelo Peru era um desejo antigo. Há anos que falava em colocar a mochila nas costas e dar uma banda pelas terras dos Incas. A ideia era estudar sobre o país e sua cultura, montar um roteiro que contemplasse várias localidades e ir sozinha, fotografando e conversando com seus moradores, na tentativa de conhecer aquele lugar sem a mediação de guias turísticos. Minha mãe me deu a viagem de presente e fomos juntas fazer a Trilha Inca, caminho de quatro dias até Macchu Picchu e minha meta número um no Peru. O planejamento mudou. Não deu tempo de ler sobre o Peru e sua cultura, nem de organizar a viagem por várias localidades, e os guias se fizeram presentes durante alumas etapas da viagem. Mas tudo bem, pois ainda era a terra dos Incas. Foi justo essa mudança de mochileira para turista que me fez olhar a viagem de forma diferente. Era como entrar em campo – observando, anotando, fotografando – para buscar compreender um pouco mais daquela cultura que não era minha em sua totalidade, mas acima de qualquer coisa me compreendendo naquele espaço como uma estrangeira.
Lima, Cusco e Águas Calientes, foram as três cidade contempladas no roteiro de onze dias.
Lima – como qualquer metrópole da América Latina – é grande, confusa e repleta de desigualdades sociais e contrastes. Eu estava em Miraflores, distrito rico à beira mar, cercado ao norte por San Isidro – região mais nobre de Lima, também conhecido como o bairro das Embaixadas – e ao sul por Barranco – local histórico e boêmio. São três bairros nobres e turísticos com parques, praças e espaços públicos ao longo do distrito e – principalmente – na Malecón, a beira mar de Lima. O Oceano Pacífico azul é separado por uma grande estrada e por um penhasco de 154 metros de altura, do alto se pode namorar o mar.
 


Mesmo que observando os cantos do Barranco fosse possível perceber que a frente dos bares turísticos com vista para o mar não era tão bonita quanto os fundos, a diferença entre estes distritos para o Centro Histórico é gritante. Entre prédios históricos, turistas, restaurantes, carros, botecos, pixos, o caos da metrópole que cresceu de forma desordenada e é permeada pela desigualdade social aparece. Na minha frente, a ostentação das inúmeras igrejas do período de colonização espanhola. Ao fundo da paisagem, as favelas nos morros.
Uma ponte onde um dia foi rio – hoje é uma mistura de rodovia e metrô em construção – separava o centro histórico e um outro bairro. Os simpáticos guardas que conversavam em inglês com os estrangeiros em troca de gorjetas, se transformaram em militares armados que me acompanhavam atentamente quando eu me aproximei de Rimac. Para mim, este distrito é o centro real de Lima, com restaurantes, lojas, camelôs, hotéis. Mas aqui não é pra turista, não.



No inverno Lima é uma cidade cinza. Não faz sol, mas também não se faz chuva. É como se uma névoa encobrisse a cidade escondendo-a de si mesma. Já em Cusco, meu segundo destino, faz um sol com mérito de tardes quentes de verão, mas na chegada da noite o frio e o vento não fazem trégua para estrangeiro desavisado.
Cusco carrega a beleza de uma cidade terracota fincada em meio à Cordilheira dos Andes. Quando saí do aeroporto e esperava o transporte, um moço peruano sorridente comentou que a cidade era pequena. Fiquei pensando como uma cidade de 300 mil habitantes poderia ser pequena? A Cusco para os turistas começa e termina no centro histórico, e por uma azar do destino – minha mãe foi para o hospital por causa do “mal das alturas” – consegui conhecer um pouco da Cusco dos Cusquenhos.



Cusco um dia foi a capital dos Incas. E Cusco já teve um templo do sol. Hoje tem um convento católico construído em cima do espaço sagrado inca. Pela incapacidade de conseguir construir algo que resistisse aos tremores, os espanhóis utilizaram as estruturas incas para que o Convento de Santo Domingo surgisse. Esta, para mim, é uma das maiores tristezas de se ver no Peru. Como já sabemos, os colonizadores destruíram culturas, saquearam riquezas e mataram…
Ao chegar em Cusco, me deparei com uma festa na principal praça da cidade. Homens, mulheres e crianças vestidos de forma extremamente colorida dançavam coreografias sincronizadas ao som da banda que acompanhava o cortejo, enquanto um grupo à frente carregava a pesada imagem de uma santa, a Maria de Assunta. Ao questionar para o guia que acompanhava o grupo – já na trilha Inca – que festa era aquela, ele tomou o chá e disse que para ele era uma festa pagã. E não me disse mais nada. Um sorriso brotou em meu rosto. Uma festa pagã em meio à Cusco, uma cidade entupida de igrejas e pinturas cristãs elaboradas pelos mestiços catequizados, resistia. Também soube que era mês da Pacha Mama, e nas regiões das montanhas, os peruanos ainda prestam suas homenagens pagã à Mãe Terra.


Eu me apaixonei por Cusco. Não apenas pelas ruelas intermináveis que subiam e desciam ladeiras ou pela comida e bebida de deixar qualquer mortal com água na boca, mas por perceber que mesmo depois de tanta colonização que estuprou a sua cultura, ela resistiu à sua maneira. Mas, como toda cultura, ela também se caracteriza de exótica para os estrangeiros fotografarem, como as peruanas vestidas com trajes típicos portando filhotes de lhamas. O mesmo acontece com o artesanato, ao mostrar o mínimo interesse eu fui sufocada por vendedores. Porém, é necessário comer. E ao passar de trem e carro pelas aldeias na volta de Água Calientes para Cusco, a pobreza extrema se mistura entre as ruínas incas, a paisagem andina e marcas do capitalismo em mercadinhos locais.
Águas Calientes é um lindo povoado entre os morros. Pequeno, pequeno… Não há estradas para carros, apenas um micro ônibus faz o transporte dos estrangeiros do vilarejo até as ruínas de Machu Picchu. E para se chegar até o povoado, apenas por trem ou caminhando. Eu optei por caminhar.


oram 49 Km em quatro dias de muitas escadas que subiam e desciam, e subiam de novo e desciam de novo, cruzando três morros. Não tenho palavras para falar da vista. É coisa se sente quando se olha para o horizonte, para cima, para baixo… Machu Picchu e os seus caminhos – são inúmeras as trilhas que levam até lá – foram feitos para serem sentidos e admirados. Mas no Peru, um país pobre economicamente, o lado cruel do turismo caminhava lado a lado conosco à caminho da cidade. Há os porteadores, peruanos locais das montanhas que falam “quíchua”, a língua Inca, e que são contratados para montar e desmontar o acampamento, carregar toda a comida e também o lixo gerado, cozinhar as refeições principais, conseguir água para distribuir para os trilheiros no início do dia. E tudo isso sem eletricidade ou qualquer outra estrutura. Eles são os últimos a sair dos acampamentos e os primeiros a chegar no próximo. Através do mesmo caminho, passavam por mim correndo e carregando até 30 quilos nas costas. José, um porteador do meu grupo, que mal falava espanhol, tinha 63 anos. Com uma empatia conquistada no segundo dia de trilha, dividimos o lanche. Sempre que me ultrapassava, dizia: “vamos, vamos”.


Um fato curioso era a quantidade de europeus e estadunidenses realizando a trilha. O inglês era a língua oficial do trajeto. Muito pouco se ouvia espanhol, também porque os porteadores falavam entre si em “quíchua”. No meu grupo, por exemplo, eram quatro dinamarqueses, eu, minha mãe e o guia peruano – não se pode fazer a trilha sem o mesmo – e quatro porteadores.
No último dia de trilha se chega em Machu Picchu pela Porta do Sol. Do alto, os trilheiros sentam para observar a cidade Inca ser iluminada pelo sol, entre as montanhas. É tanto beleza que dói. No outro dia, depois de passar a noite em Águas Calientes e tomar o merecido banho, voltei à Machu Picchu para subir o Huayna Picchu e poder mirar novamente de longe a beleza da construção Inca. Depois peguei o trem para Cusco começando o meu retorno para o Brasil. Fui no vagão C de turista com direito a lanche e bancos confortáveis. No mesmo trem, tinha um outro vagão C, que tentei entrar por engano, e um peruano me avisou que aquele vagão não era para mim. Turista não pode andar nos vagões de peruanos e vice-versa. Não vi como era o vagão que quase entrei por engano, mas duvido que fosse tão confortável quanto o meu.
O contraste, talvez, seja a palavra chave do Peru.
Cusco à noite. Foto: Nathália Schneider.

 
 Onze dias em terras incas, pelo viés de Nathália Schneider.

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