Momentos de uma noite a Oxum e suas filhas

A chuva forte que caiu segunda-feira, dia 8 de dezembro,  não foi suficiente para parar uma comunidade que trabalha em prol de seu povo, especialmente quando essa comunidade tem forte representação negra, feminina e periférica. O Ilê Axé Ossanha Agué é uma comunidade de terreiro organizada pelo Babalorixá Ricardo de Agué, situada no Loteamento Cipriano da Rocha, Zona Oeste de Santa Maria, e foi o local escolhido para o lançamento do projeto intitulado “Dona Lila: Uma Senhora de Oxum”.

Pai Ricardo de Agué fala à comunidade, no Ilê Axé Ossanha Agué. Foto: Franciele Oliveira.

Tudo feito para Oxum

Na entrada do terreiro já se via o povo de santo organizado para a festa. Nei D’Ogum, um dos membros da casa, recebia-nos elevando o trabalho de sua comunidade: “Tem quindim, tem pudim, tem canjica, tem bala, mel e refrigerante… Tudo feito desde manhã cedo… Com pouco a gente já faz muito, né?”. O destaque especial eram as muitas mulheres, que vestindo o amarelo dourado, com colares, brincos e pulseiras, representavam seus orixás e, como mandava a ocasião, mamãe Oxum.

Oxum, como contou Ricardo de Agué,  é, na mitologia Iorubá, a rainha das águas doces, do amor e beleza. É também a dona do ouro. Contudo, sua essência está relacionada ao feminino, muito bem descrita por Ricardo, na abertura do evento, ao contar a história de uma reunião entre os orixás na qual as mulheres foram excluídas. Estas, entretanto, uniram-se separadamente, e tendo Oxum sugado toda a água doce da Terra, mostraram aos homens a importância das mulheres para a existência de qualquer outro ser, bem como a necessidade de respeitá-las em seu poder vital.

Dona Lila em festa. Foto: Franciele Oliveira.

Dona Lila: uma senhora de Oxum

Além de homenagear Oxum, o dia 8 de dezembro foi de rememorar uma de suas filhas, dona Maurília Gonçalves Flores, mais conhecida como Dona Lila, uma mulher negra com uma interessante trajetória de trabalho, luta, lazer e religiosidade, a quem o projeto visa registrar os percursos. O vídeo exibido na noite continha fragmentos do documentário que foi produzido por meio da disciplina de Documentário, do curso de Jornalismo da UFSM, ministrada pelo professor Rondon de Castro. Na equipe de produção estão Marta Nunes, Nei’Ogum, Luciele Oliveira, Franciele Oliveira, Kamylla Belli, Myrella Algayer, Victor Carloto e Franciele Varaschini.

“Começando que eu acho que todas as mulheres tem algo a dizer sobre a vida, mas algumas têm algo a mais e Dona Lila era uma delas…”. Com essas palavras, Marta Nunes, produtora cultural, justificava a iniciativa, que começou após uma longa conversa com Nei D’Ogum, ao falar de sua avó. A emersão dessas memórias fez com que Marta refletisse sobre a trajetória das mulheres negras e sobre o que hoje se tem como feminismo negro. Nesse sentido, a busca pela retratação da história de Lila passou a tornar-se um objetivo, fazendo com que Marta encaminhasse uma proposta de documentário para o Fundo de Apoio a Cultura do Estado do Rio Grande do Sul – FAC/RS, que no início do ano passado fora aprovada com nota máxima pelo Edital SEDAC 11/2013.

“Dona Lila: Uma Senhora de Oxum” procura, portanto, retratar a história e o protagonismo da Sra. Maurília Gonçalves Flores, mulher negra, nascida entre 1902 e 1908, uma Yalorixá, liderança de casa de matriz africana importante na sua época e contexto, praticante de Vodu (religião teísta-animista, baseada na ancestralidade africana), proprietária de uma clínica clandestina de aborto, casada várias vezes logo após enviuvar do marido, entre outras tantas passagens contadas pelos familiares, amigos (ou não) desta figura emblemática da cidade.

 

“Uma pessoa de quem eu já tive vergonha”

Nei D’Ogum cresceu sem saber, durante muito tempo, porque na família evitavam falar da avó, mas lembra de momentos felizes ao lado dela. Com o passar dos anos lhe fora ensinado o recato com relação à mesma, ao ponto de assumir, com pesar, o sentimento de vergonha que sentia sobre aquela mulher, que, como disse, aprendeu a amar acima do preconceito. Nei reconheceu a injustiça que era julgar uma mulher como Lila, que como trouxe à tona, aos 13 anos de idade foi obrigada a casar-se com um homem que a violentava muito e, ao enviuvar, foi resolver a própria vida e a dos filhos, que teve de sustentar por meio das mais variadas práticas, entre elas o trabalho com sexo. “Quem pode julgar uma mãe que faz isso para sustentar seus filhos?”. Com a militância e o amadurecimento, Nei foi vendo na avó um exemplo de luta e resistência, uma mulher à frente de seu tempo. Como Marta Nunes colocou, talvez uma feminista não declarada, mas com certeza, uma mulher transgressora.

Minerva de Xangô, entre Ricardo e Nei, falando sobre a relação com Lila. Foto: Franciele Oliveira.

“Nós fomos muito amigas”

Minerva de Xangô estava presente no evento e ouviu todas as falas atentamente, bem como assistiu ao vídeo que contém alguns dos depoimentos já coletados sobre Lila, até que resolveu falar. Levantando-se em direção a Pai Ricardo de Agué, para quem repassou seus ensinamentos, apresentou-se como antiga religiosa de matriz afro, com 80 anos, mãe de 12 filhos naturais, 6 filhos adotivos, avó de 42 netos e bisavó de 32 bisnetos. Sua fala foi uma espécie de contemplação aos antigos que se foram, em especial a duas mulheres negras, Florisbina Moraes, mais conhecida como Mosa de Ogum, e Maurília, a Lila, a quem, com emoção, relembrou anos de amizade, vizinhança e confidência. Minerva destacou a amiga como uma mulher caridosa e amável, que fez de tudo para sua família, levada pelo tempo, assim como todos outros amigos e companheiros.  Vivendo hoje para seus filhos, Minerva emocionou os presentes, que ao término de sua fala, organizaram-se em fila para oferecer-lhe os comprimentos da religião e destinar-lhe bênçãos.

Nhem-Nhem-Nhem Ô Xorodô

Ao som do “Ponto de Oxum”, interpretado por Maria Bethânia, o espaço contou com a apresentação artística das estudantes de dança e música da UFSM Bethania Martins e Ediana Larruscain, coordenadas pelo dançarino Manoel Luthiery, que explorou sensivelmente através da coreografia “É D’Oxum” os elementos alusivos à Orixá. Interagindo com colares de contas douradas e velas amarelas, as artistas sensibilizaram o público, criando um espaço descrito por participantes como de “profundidade suave, doce e terno, assim como Oxum”.

Coreografia “É D’Oxum”, realizada por Bethania Martins e Ediana Larruscain, com a coordenação de Manoel Luthiery. Foto: Franciele Oliveira.

Momentos de uma noite a Oxum e suas filhas, pelo viés de Franciele Oliveira*.

*Franciele é historiadora e colaboradora do projeto “Dona Lila: Uma senhora de Oxum”.

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