Marina Silva: primeiros desdobramentos

 

Foto: Thays Cabette/flickr

 
A morte do candidato presidencial Eduardo Campos (PSB) deu a largada em um processo eleitoral inteiramente novo do que se apresentava nos primeiros momentos de campanha. Não é exagero afirmar que a disputa começou de novo, já que mesmo as chapas que já estavam no páreo se viram obrigadas a um rearranjo profundo em seus discursos e práticas.
A primeira pesquisa após a morte de Campos, realizada pelo Datafolha, não é representativa da realidade. Além das diversas denúncias de manipulações das pesquisas, o que em boa medida as desacredita já de início, nesse caso as entrevistas foram feitas no dia seguinte à queda do avião do candidato do PSB, o que faz com que a carga emocional tenha um peso ainda maior do que o já grande valor que possui nas escolhas eleitorais dos brasileiros. Mesmo assim, ela coloca em números – exagerados, como já dito – uma tendência óbvia: Marina Silva tem muito mais capacidade eleitoral nacional do que Eduardo Campos, e traz a possibilidade real de, no mínimo, incomodar Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). Deve ainda enfraquecer a candidatura de Pastor Everaldo (PSC), mas isso a pesquisa do Datafolha ainda não apontou. Também Luciana Genro (PSOL) pode ser prejudicada, mas sua campanha, de qualquer forma, vinha ainda longe de um resultado expressivo. Sobre as outras candidaturas, pouca ou nenhuma influência.
O mais interessante da pesquisa é que, aparentemente, Marina não tirou votos de ninguém, já que todos os candidatos permaneceram com os mesmos índices. O que diminuiu foram os votos brancos e nulos e os indecisos, que caíram 5% cada. Somem-se a esses 10% os 9% que tinha Eduardo Campos, e temos as intenções de voto em Marina.
Os dias seguintes à morte de Eduardo Campos foram de bombardeio de informações e lamentações de parte a parte, com grande visibilidade positiva para Marina, e os reflexos disso ainda devem se estender até a campanha se assentar.
Mesmo que haja reservas em relação a essa pesquisa pelas razões apontadas acima, já antes da escolha dos candidatos Marina Silva apresentava índices próximos aos 20%. Enquanto escrevia este artigo, o Blog do Rovai publicou informação sobre uma pesquisa, sem instituto citado, que traria Dilma com 36%, Marina com 28% e Aécio com apenas 13%. De acordo com Rovai, “tanto no PSDB quanto no PT as avaliações são de que esse crescimento de Marina ainda não é sustentável, mas já há desconfiança de que ela dificilmente baixará de 25% dos votos válidos”. De qualquer forma, o eleitorado fixo de Marina gira em torno dos 20%, e isso assusta defensores das outras duas campanhas com possibilidade de vitória.
Aécio e seus apoiadores temem não ir para o segundo turno. Dilma e seus apoiadores temem ir ao segundo turno com Marina. Em seu blog, o jornalista Kennedy Alencar contou que, em reunião com a presidenta Dilma, até mesmo Lula disse entender que ir enfrentar Marina em um possível segundo turno seria “muito pior” do que disputar a vitória com Aécio Neves.
O efeito calmante que a morte de Eduardo Campos pareceu ter nos primeiros momentos sobre a parte mais ativa da militância de PT e PSDB passou rápido. Foram despertados por um susto chamado Marina Silva. E assim a possibilidade de que o acidente aéreo levasse a uma campanha mais respeitosa, politizada e politizante foi por água abaixo em poucos dias. Os ataques a Marina apareceram rapidamente e com força, de lado a lado.
A direita, encabeçada pelo setor mais reacionário da mídia, acusa Marina de ser petista. Parte significativa da militância virtual do PT a acusa de ser de direita. A expectativa de que em um possível segundo turno entre Dilma e Marina o nível do debate subisse, com o foco em questionamentos políticos profundos, diminui a cada dia. Do PSDB se espera esse tipo de artifício. Afinal de contas, como convencer todo um povo a voltar ao horror de antes, a trocar quem melhorou a qualidade de vida (ou ao menos o poder de consumo) de tanta gente por quem nunca sequer olhou para a população mais explorada? O que não se pode aceitar é que um partido com a trajetória do PT continue trilhando o triste caminho da conversão ao discurso fácil.
Aécio era acusado de usar drogas legais e ilegais, Marina é acusada de ser moralista. Sites e blogs petistas apresentam até mesmo informações falsas para tentar deslegitimar a campanha da nova candidata do PSB. Até uma foto de Marina abraçada a Lula foi manipulada para ataca-la – na “nova” foto, aparece nos braços de Marco Feliciano.
Reforça-se a religião de Marina como se fosse esse o centro do debate político. Na verdade, é apenas uma adaptação do discurso do medo: com Aécio, era o medo da volta da direita; com Marina, o medo do fundamentalismo religioso. Na realidade, a direita nunca saiu do governo federal, tampouco o fundamentalismo religioso esteve afastado. É o debate de fundo, programático, que poderia tornar consistente a campanha petista, mas o caminho mais fácil parece ser a desqualificação dos oponentes, utilizando táticas que por muito tempo foram utilizadas contra o próprio PT pela velha direita.
Marina se alinha com Heráclito Fortes e Jorge Bornhausen? O PT tem aliados tão questionáveis quanto (os exemplos mais óbvios, Paulo Maluf e José Sarney). Marina tem como vice um defensor do agronegócio, Beto Albuquerque? O que dizer do vice de Dilma, Michel Temer? Marina levaria os evangélicos ao governo? Dilma já tem o PRB, de Marcelo Crivella, para ficarmos em um exemplo fácil. As pautas dos homossexuais e das mulheres podem travar com Marina? Pouco avançaram com Dilma. Como se vê, a diferença não é tão grande.
Há, claro, diferenças, mas não na simplificação que parte da militância petista tenta fazer sobre Marina para desqualifica-la. Há diferenças na concepção geral de país: o neodesenvolvimentismo versus o “capitalismo verde”, duas faces de um projeto macro igualmente social democrata, igualmente capitalista, igualmente reformista. Mas, é lógico, faces distintas, que trazem caminhos distintos com consequências distintas. Com Marina, as contradições postas mudam de forma, mas não de grau.
Uma diferença que, ao menos na teoria, pesa a favor de Dilma é sua estrutura partidária. Há, inclusive, possibilidade maior de pressão por parte da base petista para que avanços progressistas sejam levados a cabo. Mas já que a teoria não pode separar-se da prática, sob pena de tornar-se obtusa, é preciso reconhecer que nesses doze anos de governo petista a nível federal essa base do partido se enfraqueceu e o setor intermediário se despolitizou, em boa medida abandonando as lutas da esquerda por uma conversão à social democracia, uma guinada à direita e, mais do que isso, um azeitado senso governista, o que barra a possibilidade de construir-se, através dessa militância, pressão para atropelar os obstáculos impostos pelas alianças. Por outro lado, na oposição essa numerosa e potente militância petista pode voltar a pressionar, se reorganizando e retomando a luta por vias que extrapolem as simplificações discursivas e o oficialismo.
Como já demonstraram as primeiras alterações na equipe de campanha, Marina no poder correria grande risco de ficar isolada. Isso pode travar ao mesmo tempo medidas progressistas e conservadoras, já que sua própria concepção política carrega inúmeras contradições. Pode haver uma paralisia, o que impulsionaria uma disputa verdadeiramente política entre a velha direita representada pelo PSDB e uma esquerda que ganharia corpo e nova inspiração com o PT na oposição. Porém, no plano imediato, pode trazer problemas para o país nas mais diversas áreas.
Ainda não temos as linhas políticas da Marina Silva candidata, o que é diferente da Marina pré-candidatura, já que as responsabilidades passam a ser outras em todos os níveis, inclusive nas relações com os partidos que compõem a coligação. Nesse sentido, o primeiro debate televisivo, que será realizado ainda nesta semana, poderá apresentar novidades interessantes.
O que sabemos é que, como bagagem, Dilma traz a vantagem da trajetória do PT e da base social do partido, fundamentalmente os movimentos populares. O grande trunfo de Marina é o intangível fator novidade – ainda que traga consigo valores da velha direita, algo que o PT também fez quando assumiu o governo federal, o inesperado possibilita rearranjos importantes na dinâmica política.
Até 5 de outubro teremos uma visão mais clara do que significaria um governo de Marina Silva – e mais, com o PSB como partido fundamental. Sobre Aécio e Dilma já sabemos o que esperar. De uma forma ou de outra, as lutas por transformações não se encerram nas eleições, estando dentro ou fora do governo. Além disso, a oposição de esquerda não demonstra ter uma alternativa eleitoral viável. E ver em Marina algo próximo dessa alternativa não é mais do que ilusão.
 
Marina Silva: primeiros desdobramentos, pelo viés de Alexandre Haubrich*

*Haubrich é jornalista, cientista social e editor do blogue JornalismoB e do JornalismoB Impresso, jornal independente distribuído gratuitamente nas ruas de Porto Alegre e, através de assinaturas, para todo o Brasil. Colabora com diversas publicações, entre elas a revista o Viés. Leia outros textos publicados por Haubrich na revista o Viés aqui.

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