Sobrecoxas

Foto: Calvin Furtado

O clima instável marcou o segundo domingo de protestos. Em Porto Alegre, no bairro Cidade Baixa, por volta das 13h, um abrilhantado sol irradiava sob o asfalto ainda molhado. Mais próximo da esquina da Lima e Silva com a República, a fumaça anunciava uma churrasqueira posicionada no meio da rua, que ao som de samba, assava coxinhas de frango. Alguém anuncia no microfone que custam R$ 2, mas que quem quiser ajudar pode pagar mais, e que quem não tivesse dinheiro podia se aproximar também:
– “As coxinhas são democráticas, tiveram aula de história e tudo”, anuncia o vendedor.
O ato é simbólico, enquanto uma mobilização é programada para ocorrer na Avenida Goethe, no bairro Moinhos de Vento, o Coxinhaço é promovido como direito de resposta daqueles que não são favoráveis a um impeachment da presidente Dilma, e nem querem a intervenção militar no Brasil. Na verdade, o Bloco da Diversidade tinha a intenção de realizar o ato na Rua Padre Chagas, mas ameaças foram registradas:
– “No próximo domingo, dia 12, pretendíamos realizar a mesma manifestação na Rua Padre Chagas, Moinhos de Vento. No entanto, temos sido alvo de ataques e ameaças desde então. Como se a cidade fosse dividida em territórios ideológicos!”, anunciaram em nota na página do facebook.
De fato, a disputa ideológica parecia dividir a cidade em territórios distintos. Havia os motoristas que anunciavam apoio com uma buzinada tímida, outros, mais efusivos, gesticulavam positivamente, enquanto outros torciam o nariz mesmo e passavam rápido. Alguém resmungou da calçada perto de onde estava, que os manifestantes eram um bando de vagabundos. A área era de trânsito e pessoas de camiseta da Seleção Brasileira passavam apressados para o outro lato. Outros chegavam e se somavam a fila próxima a churrasqueira, entre uma e outra pancada de chuva.
Uma voz feminina anunciava que o aguardado Coxinhaço, de fato, começava. O objetivo do ato era uma forma de apoiar o governo não somente do sentido partidário, mas no sentido de impedir o retrocesso de conquistas. Para os manifestantes, parte do ódio destilado algumas quadras dali, possui relação com a democratização do consumo e do acesso à direitos. Aproximadamente cem pessoas circulavam por ali antes das 15h. Entre coxinhas assadas e sambas de Adoniran, conheci Juarez Negrão, 40 anos, integrante do Movimento Negro e da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Indígenas e Quilombolas. Para ele, o objetivo de estar na rua seria o cenário político nacional encaminhado para um golpe civil e militar, com conquistas históricas da democracia postas em risco a partir do que chama de “radicalismo conservador”. Juarez fazia parte dos manifestantes do movimento Não Ao Golpe, que debate a redução da maioridade penal e o fim do financiamento de campanhas políticas por empresas privadas.
A pauta do Coxinhaço parecia avançar em alguns pontos interessantes: da ocupação dos espaços públicos como forma de resistência e promoção da cidadania, até o diálogo aberto de temas de interesse público com todos que se propusessem. Um dos coordenadores do Bloco da Diversidade, Thiago Braga, 31 anos, reconhece que um clima de hostilidade forçou a mudança de local, e apresentou o movimento como cultural e político.
-“O Brasil está em crise e é hora dos ricos pagarem a conta. Temos muita gente se manifestando e não sabendo o que quer e nem para onde quer ir. Esses são os coxinhas. É fácil pedir ditadura na democracia, difícil era fazer o contrário”, descreve.
Thiago apresenta-se como militante da esquerda festiva, que se apropria de espaços públicos e de aspectos culturais para promover a ação política. As principais reivindicações são posicionamentos a respeito de temas como redução da maioridade penal, a PEC da terceirização, a problematização da violência, do racismo, da homofobia e do machismo, além das liberdades individuais.
Foto: Calvin Furtado

As coxinhas foram temperadas com uma salmoura tradicional, que provavelmente continha vinagre, alho, sal e temperos verdes. Assadas com fogo alto, rapidamente ficavam douradas e bastava uma ou duas viradas para chegar ao ponto. Seria subjetivo o verdadeiro sabor da coxinha provada por aqueles que se arriscaram no banquete improvisado. Comer uma coxinha representava comunhão com uma série de temas sociais e políticos problematizados no ato. E também um grande deboche.
Pensei em perguntar para as pessoas o que representava comer uma coxinha durante um Coxinhaço, leia-se um contra-ato, em mais um dia de protesto que reivindicam uma intervenção militar. Nisto se aproximou o Nei Lisboa, sereno, com roupas esportivas, empurrando calmamente sua bicicleta. Parou, cumprimentou os assadores, pagou com uma nota de R$ 2, posou para algumas fotos até que finalmente provou da coxinha. Foi embora antes que fosse percebido. Enquanto o Nei empurrava sua bicicleta na disputada calçada da molhada Lima e Silva, uma pessoa bradou “Eurico Lisboa”, e todos os demais gritaram “Presente!”, e a cena se repetiu. O Nei perdeu um irmão para a ditadura militar, seguiu em frente com sua bicicleta, e eu achei que não precisava mais perguntar qual era o verdadeiro sabor da coxinha que ele mordeu.logo
   
   
   
   
   
 
Sobrecoxas, pelo Viés do colunista Calvin Furtado.

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