O QUE ELES QUEREM É SANGUE

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Capa do jornal gaúcho “Correio do Povo”, de 25 de abril de 2011.

Vítimas, mortos , caixões e apatia. Sangue, tristeza, enterros, melancolia. Jazigos, velórios, destroços e nostalgia. Lamúria, alarme, abalo e flebotomia. E o pulso, ainda pulsa.

Está fácil tornar indiferente ao mesmo tempo em que está difícil desgrudar-se do penoso. Não muda, e durante o dia de hoje, segunda-feira (25 de abril), e durante esta semana, pós feriado, veremos como a imprensa alistará os quatro dias seguidos de feriadão. Algum canal de televisão, emissora de rádio, jornal impresso ou portal da internet conseguirá livrar-se do enxágue de sangue? Difícil pergunta, resposta quase óbvia.

Jornal Zero Hora criou até um infográfico sobre as mortes no trânsito.

Não há mais sossego na notícia. Não há mais noticiário. Não veremos um só programa de televisão ou capa de jornal sem sangue ou número de mortos. Não há mais uma fala jornalística sem pontos hospitalares para costurar. O que eles querem é sangue. E quanto mais, melhor. Parece demasia. São os nossos novos Dráculas. Não queremos apenas o país de Alice, mas que o terror de Bram Stoker não seja a única saída para nossos diários.

Contudo, está sendo a maneira mais atroz de sensibilizar e obter audiência. Se eles querem abusar pelo lado mais ameaçador e mortificador da notícia, nós, reles comunicadores e militantes da sociedade brasileira, teremos que lutar com as armas ao inverso: assinalando que nossa capacidade de tolerância já está se esgotando. Cansamos. Mas não vamos nos resignar. Não só de curvas perigosas e mortos encaixotados se mantém um programa televisivo ou a capa de um jornal. Estamos enfastiados, mas não vamos acolher o medo e o pavor que eles tanto querem transmitir.

Pode até ser boa vontade de alguns meios de comunicação analisar ou apresentar os casos de mortes e tragédias pelo país e pelo estado, mas em muitos casos acabam prestando um desserviço: criando a pauta do medo. Não se trafega mais com serenidade. Não se pode idealizar um feriado só de ledices se a base de nosso cotidiano for a imprensa. O que eles querem é sangue. Ecoo e ratifico: sangue. Não digo que eles peçam aos céus milhares de tragédias. Não me interpretem literalmente. Fantasio a situação midiática de correr atrás do fato e passar a linha de chegada querendo correr mais. Entende? Quanto maior for o desastre, quanto mais lamento eles conseguirem filmar e entrevistas nebulosas eles conseguirem improvisar, mais denegrecido ficarão os nossos dias. Não há mais como tolerar. Antes se pensava sobre uma “diferença” entre mídia sensacionalista, como nosso Datena, e a mídia que se apresentava como imparcial, justa, e elegante na forma de anunciar o mundo para você, com rostinhos formosos, cabelos bem penteados, ternos lisinhos, sobrancelhas arqueadas e aquela fala pacata que parece entorpecida de sedativos. Mesmo assim, é bala e bala. É turista morto, é família destruída, é mãe sem filho, deslizamentos, tombamentos, acidentes, caixões. Rostos de resignação na bancada do telejornal, frases infelizes nas chamadas do papel. Enfatizo tanto a televisão não por ser o meio mais sensacionalista, mas por ter esse poder palpável do telespectador enxergar. Porém alguns canais confundem o poder sensível da figura com “mostrar tudo”, “ir até a última gota”.

Capas habitualmente sensacionalistas da revista Veja

Está na hora de radicarmos esta questão: desejamos viver sob a faceta do derramamento de sangue? Já são milhões aqueles que se entediaram de abrir o jornal. Outros milhões principiaram a tomar remédio para pressão alta depois de tantos anos de barbáries filmadas. O caso agora é julgar. Demos um novo início à era do enforcamento em praça pública. Queremos ver o “monstro” atrás das grades, a “anomalia” sendo tratada. Almejamos saber o mapa do crime, assistir o semblante dos mortos, o estopim da bala, o furo do tiro, o choro dos “desarmados”. Queremos primeiro o sangue, e depois os gols do domingo.

Queremos?

A televisão, o rádio e a internet também contribuem na disseminação do terror.

Temos a faca e o queijo na mão.

É só cortarmos o queijo ou não. É só desligarmos a televisão ou passarmos a página vermelha e úmida do jornal que antigamente restringia-se à editoria policial.

Se ainda for muito indispensável, mudemos a estação de rádio, troquemos de canal.

Os queijos são eles.

As facas somos nós.

O controle remoto, as mãos, o clique. No início, é difícil como desgrudar-se do vício do cigarro ou da bebida. Depois, é como caminhar no domingo de Páscoa pelo sol e abrir o jornal apenas na política, na charge, no teatro, no cinema e no futebol. Tudo parece mais tranquilo e os pulmões parecem maiores. Daqui alguns anos, talvez burlar o sangue midiático seja receita médica e assim serão necessários menos tarjas-pretas.

O QUE ELES QUEREM É SANGUE, pelo viés de Bibiano Girard

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