ONDE O BRASIL ENCONTRA OS EUA

Eles já viveram muitas das alucinações que Steven Spielberg concebeu para as telas. Os avatares, na verdade, não são azuis e o planeta onde eles residem se chama Imaginário Hollywoodiano. O Superman leva consigo um brasão vigoroso, com curvas acentuadas e uma letra “S” no meio do peito, assim como a primeira letra do nome daquele que queria você no exército apontando-te o dedo numa cartinha. O Homem-Aranha rasga os céus entre enormes arranha-céus salvando o “mundo” do perigo. O perigo, sempre o perigo. O medo, a ferramenta mais enérgica que obtém a ordem do rebanho entre arames. Farpados, enrolados, ásperos, fóbicos, assustadores. Um míssel apontado para cada lado do planeta, uma bomba nuclear pronta para extinguir sociedades, tanques de guerra e navios bem posicionados pelos prados e mares do globo. Parcerias às escuras com ditadores sanguinários e Estados bélicos opressores. Dívida. Interna e externa. Dívida familiar, bebês endividados, jovens assassinados por jovens ensandecidos. Uma fábrica de sonhos na costa oeste, um mundo encantado de montanhas-russas e personagens míticos em um lugar florido arquimilionário, dinheiro, cofres de dinheiro, para nadar no dinheiro e dar moedas às crianças em troca de serviços como Tio Patinhas. A sociedade da recompensa. A sociedade da meritocracia. Se você não se encaixa nela, mate-se, mate aos outros antes, fuja, enlouqueça, vá procurar um hospital sem plano de saúde. Morra na fila esperando uma injeção de calmante. Engula remédios, use máscaras contra o vírus criado pelo seu próprio protetor, saiba fugir em caso de ataque, saiba admirar ataques fora do seu território, saiba amar sua bandeira, saiba chorar a morte do filho no Vietnã, no Afeganistão, no Iraque, no Futuro. Saiba ser conservador, reprimir atos ruidosos de presidentes mesmo que você faça o mesmo em casa, saiba apontar o dedo, saiba dedurar, saiba odiar a Ilha terrível onde a saúde e a educação funcionam mesmo com o seu embargo, saiba gastar o dinheiro que não tem, saiba usar os bens naturais do seu território e do território dos outros, aprenda que Chávez deve ficar enlatado em seu barril, saiba que mexicanos não são honestos, odeie o contato com os árabes, tenha um motorista, uma lavadeira, um jardineiro, um carpinteiro, um pintor, um mecânico estrangeiro. Mas pense que eles não fazem bem para a nação. Aprenda que América é o nome de seu país, aprenda que não há nada além-fronteira, pense que há macacos pendurados em postes em São Paulo, pense que a Índia é um parque temático onde há um grande castelo branco de algum rei ou de alguma rainha falecida numa linda história de amor, pense que o muro derrubado trouxe o bem para o lado de lá, construa muros e cercas, não saiba onde fica a África, ou pelo menos, pense que ela faz parte do seu campo de pesquisas médicas, bélicas, naturais. Não tente entender porque caíram as torres, apenas chore por elas. Compre carro, compre eletrônicos, compre o que for, mas compre. Por favor, compre. E não se esqueça do filtro solar. Ele será importante em caso de radiação atômica vinda no vento da terra do Sol nascente. Use filtro solar. Use tudo o que puder, use contaminantes em seus animais, forje plantas resistentes a ataques extraterrestres, mesmo que eles ainda não tenham vindo nos atacar, mate seu filho algum dia enchendo sua barriguinha de hambúrguer de carne tratada à base de químicos de uma vaquinha que já nasceu pronta para ser executada. Você nasceu pronto para ser executado. Não se sabe quem irá primeiro. Se civis em torres, famílias em bairros, ou jovens em trincheiras. Mas não se esqueça de ter medo. Não se esqueça que você faz parte dos Estados Unidos da América. Você. Pode não ser culpa sua. É a história. São os grandes que contam a história e a forjam para que fiquemos fora de órbita, assistindo televisão. Pode não ser culpa sua. Pode ser.

E em visita ao Brasil, o Sr. presidente dos Estados Unidos da América pediu em discurso feito para mais de duas mil pessoas: vamos unir nossos povos. Vamos fazer com que o Brasil e os Estados Unidos sejam países parceiros, povos companheiros. Não há por que odiar o outro. Não há. Isso é a mais admirável protestação encabeçada por alguém em algum lugar do mundo. Somos todos iguais com suas diferenças. Somos todos oriundos do mesmo antepassado longínquo. Não há por que nos estranharmos, pois somos cara de um, focinho do outro. Tomando suas devidas, porém irrelevantes, diferenças: cor, peso, altura, trejeitos, sorrisos. Não há por que odiar o outro. Mas há de se contestar seus conceitos, julgamentos errôneos e atitudes se a sua maneira de vida afeta de maneira opressora, mentirosa, manipuladora e devastadora a vida de outros milhões iguais a você. Unir o povo brasileiro ao estadunidense. Tarefa árdua. Tarefa excêntrica em se tratando de Tio Patinhas e Narizinho. Mickey, o rato que tem um cachorro, com Visconde de Sabugosa, a espiga de milho respeitada por sua sabedoria espantosa. Talvez Mônica prefira, na inocência das crianças, continuar brincando com Magali do que fazendo compras com Margarida e sua moeda de 1872. Excentricidades e circunstâncias díspares, mesmo que as portas do consumo de Margarida, a Sra. Donald, já tenham aberto filiais tupiniquins. Mas não se trata apenas de questões de consumo, de bens, do atrelamento do homem ao dinheiro. Ao ter. Não. Não se trata em dizer que somos parceiros de Fidel e Chávez também. Obama recebe as honrarias e a relevância midiática no país onde a presidenta é uma ex-guerrilheira de esquerda. Esquerdas que não mais se encontram. Interesses variados, século XXI, modus operandi diferentes, teorias antigas tendo que serem readaptadas e revisadas. O que não deu certo lá atrás, agora deve ser feito de forma diferente. Aceitar as moedas do bilionário Tio Patinhas ou brincar no pequeno sítio sustentável de Monteiro Lobato são questões econômicas. Mas o que acontece nos Estados Unidos e no Brasil que faria a troca de experiências entre estes dois países um tanto esquisito e irônico?

Bem, aí são outros quinhentos. Já temos representantes do Tea Party no Brasil, discursando na Câmara, como nosso deputado, digamos, um pouco conservador e normal, sim, normal, por que os anormais, para ele, são os gays, as prostitutas e os “drogados”. Em novembro de 2010, o deputado Jair Bolsonaro disse que usuários de maconha deveriam “apanhar” para que não passassem a “cheirar”. Defendeu o fuzilamento de criminosos e palmadas em filhos homossexuais. O Brasil moderno também já apresenta seu comentarista de televisão conservador e defensor dos bons costumes. Nosso burlesco Mainardi, que critica o Brasil espontaneamente direto da Itália, dos Estados Unidos, da França, de onde seja, mas menos daqui. Nos Estados Unidos o conservadorismo de Burke parece ter estacionado no século XVII. No Brasil, ele está ganhando rosto, mesmo com a mulata sambando semi-nua em fevereiro. O conservadorismo está nas novelas, e as famílias estão nas salas assistindo as novelas. O conservadorismo não deixa fumar, não compreende o livre arbítrio, não sustenta maneiras diferentes de viver. Não. Conservar é permanecer sentado esperando a salvação.

Nós também somos conservadores. Nossa igreja ainda discursa pela família e os bons costumes e os ateus ainda servem de chacota para os evangélicos. Sim, nossos pastores mandam milhares para o inferno todos os dias em seus discursos, nossas escolas ainda preservam aquele “sinal de mais” com um “carinha” pendurado sobre os quadros-negros. Pertencemos à sociedade do rótulo. Ou você é isso, ou você é aquilo. Você parece estranho. Isso é pensamento corriqueiro. Contudo, querer que o estranho se extinga é doloso.

Imagine só, a União Nacionalista, o movimento Ultradefesa e os Carecas foram para a Avenida Paulista hoje, dia 9 de abril, para protestar a favor do deputado. O nome dos grupos não me parece algo valoroso para um país do século XXI, mas tudo bem, pode ser só engano meu. Alguns deles já haviam sido fichados no arquivo da Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), mas como já esclareci, pode ser só engano meu. São pessoas fichadas por intolerância racial que apoiam Bolsonaro. O discurso de Bolsonaro. O mundo que Bolsonaro deseja, limpo, certificado por pessoas do “bem”, pessoas “normais”. Isso me lembra Serra e sendo um pouco mais subjetivo, faz-me lembrar do alemão de bigodinho.

 Bolsonaro já afirmou que para casos de tráfico de drogas e seqüestro a melhor maneira de opressão é a tortura: “O objetivo é fazer o cara abrir a boca. O cara tem que ser arrebentado para abrir o bico.” Pronto. Jack Bauer e Capitão Nascimento 1 iam amar Bolsonaro na presidência da república. Para o deputado, a ditadura foi o período mais glorioso da história brasileira: “foram 20 anos de ordem e progresso”. Chegamos a um ponto onde Brasil e Estados Unidos poderiam unir, quem sabe, uma parte dos povos: sob tortura em Guantánamo. Dilma Rousseff pode explicar direitinho para os militares atuais como se faz.

Bolsonaro tem direito a manifestar-se, mas não tem direito a oprimir grupos de pessoas das quais ele não concorda com o estilo de vida. Foi bom ter surgido Bolsonaro. Foi muito bom. Assim acabamos conhecendo nosso Tea Party e vamos às ruas protestar, às mídias eletrônicas explicitar nosso conservadorismo ou não. Bolsonaro não tem culpa, a sociedade é que tem. Já que Bolsonaro faz parte da sociedade, temos que avaliar suas atitudes para que frases pejorativas contra prostitutas ou gays não se tornem habituais no cotidiano brasileiro.

Jesus Cristo vai voltar. Aleluia. Em Porto Alegre ele vai morar, aleluia. Assim, todas as palavras do Pai serão repetidas e talvez Bolsonaro se acalme quando souber que a sociedade vai viver como há dois mil e onze anos atrás. Família: pai, mãe e filho. Um tripé indestrutível. A melhor forma de vida para os humanos. Apedrejamento de prostitutas. Assassinato de ladrões. Guerras Santas atualizadas para Guerras petrolíferas, o homem militar e a mulher procriadora. Meninos fardados lutando contra outros meninos fardados. Submissão. Servilismo. Vergonha de aspirações “amorais”. Patriarcalismo. Machismo. Perseguição ideológica. Casamento como negócio. Amor camuflado. Grandes reis e muitos plebeus. Hierarquia social. O corpo sob panos para esconder a sedução e o pensamento promíscuo. Encontramos onde unir Brasil e Estados Unidos: sob o conservadorismo ou sob a ditadura, a qual tanto Bolsonaro e seus seguidores por todo o Brasil quanto os Estados Unidos foram a favor. Aleluia, agora tudo vai melhorar.

ONDE O BRASIL ENCONTRA OS EUA, pelo viés de Bibiano Girard

bibianogirard@revistaovies.com

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