SOBRE AS OPRESSÕES “SUTIS”

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Não é fácil perceber uma opressão. E muito menos caracterizar uma atitude que vá de encontro àquilo que está instituído como verdade e como dogma. Por isso que, além de perceber, também é preciso agir. Só que perceber já é, por si só, uma das partes mais complicadas.

Estão nas pequenas demonstrações cotidianas as relações de força, de opressor e de oprimido. E isso não significa que, em alguns momentos, essas mesmas forças não possam trocar de lugar – passando a oprimir quem lhes oprimia, passando a se submeter a quem era oprimido.

Opressões não são mesuráveis e nem palpáveis. É algo próximo a definição de sofrimento. Onde estaria o termômetro que mediria o grau de sofrimento de cada um? A dificuldade em mesurar uma opressão é que ela só é normalmente identificada por quem sofre e por quem sente. Também por quem cria um círculo de empatia e se solidariza, formando, por assim dizer, um conjunto, de pessoas e de causas.

Como perceber é a atitude primordial para tentar extinguir uma opressão, fica a cargo, mais uma vez, da subjetividade humana dar o primeiro passo. Sentir e perceber. Mesmo que sejam situações individuais, elas não precisam estar desconectadas com anseios da sociedade. Indivíduos constroem sociedades. Sociedades são conglomerados de indivíduos. As forças que constroem cada pedaço acabam por construir o todo. E aí que as hegemonias, as opressões, perdem-se em meios aos montes. Não sabemos mais por onde e de onde elas vieram, nem como  se estabeleceram entre nós. Mas elas estão ali, sendo passadas a todos desde o nosso nascimento e, principalmente, durante a nossa formação.

Foto de Sebastião Salgado, Serra Pelada em 1986.

É por aí que encontramos nosso engano. Não precisamos de um dedo em riste, apontado em direção ao rosto, ordenando o que fazer (embora muitas vezes isso aconteça de fato). As opressões acontecem embaixo de nossos lençóis, por entre as vias das cidades, em qualquer momento e em qualquer canto. Longe de conspirar apenas, mas identificar uma opressão é tarefa árdua. Sabemos quem tem coragem de admitir-se oprimido? E ainda mais complicado, quem tem ainda mais coragem de fazer alguma coisa que reverta a situação?

As enciclopédias modernas afirmam que o feminismo em nossa época não tem mais fim. Que conquistamos o voto universal, que temos empregos, que podemos dirigir, que podemos não ter que lavar as roupas e nem lustrar os móveis. Feminismo é coisa para gente pobre então? Porque eu ainda não vi isso acontecer para todas as camadas sociais. Eu ainda não vi uma mulher humilde, vivendo com salário de fome, conseguir ter que fugir das atividades ditas domésticas e fazer sua carreira de sucesso. Que opressão que é maior? Dos homens para as mulheres? Das mulheres com as próprias mulheres? Da sociedade com as mulheres, ainda mais com as mulheres que estão em classes sociais mais baixas?

Não é só voto que as mulheres merecem. Não é simplesmente ignorar nossas especificidades de gênero. Carecemos de políticas públicas de saúde. Temos um corpo que recebe uma criança e a gera em sua complexidade física e, se queremos a legalização do aborto ou se queremos melhores assistências médicas às condições, por que não temos? Ou melhor, por que não discutimos? As questões que envolvem e que caracterizam a submissão das mulheres não se resumem apenas ao que já foi conquistado. A ferida ainda está exposta.

Calar é consentir. Calar diante das opressões é permitir que elas aconteçam. Talvez esteja exatamente aí a terceira parte mais complicada, além de perceber e de agir. O calar também é uma atitude, um posicionamento que assumimos e que desempenhamos. Não é ser calado, ou ser censurado. O calar que impede que as opressões regridam está contido exatamente na capacidade de calar. Do que a mídia não fala e precisaria falar? Só dessa situação já podemos tirar inúmeros exemplos. A opção que a mídia e que as pessoas fazem de calar é a opção de permanecer, de dar continuidade. E a continuidade é amiga da opressão.

Minerador e policial disputam na Serra Pelada, 1986. Foto de Sebastião Salgado.
Minerador e policial discutem em Serra Pelada, 1986. Foto de Sebastião Salgado.

Seria a submissão pior do que a opressão? Acredito que seria. Porém voltamos à estaca zero – a percepção de uma opressão é o que devemos nos propor a discutir também. Pois não é que todas as pessoas não queiram perceber uma opressão acontecendo. Muitas vezes, por serem assim tão sutis, elas nos escapam das mãos e do juízo imediato. Parecem-nos naturalizadas e, pior do que isso, normais.

Por que ainda temos movimentos culturais que intentam abrir brechas no seio da sociedade opressora? Por que o rap? Por que o pixo? Por que os movimentos latino-americanos? Por que os negros ainda exigem sua liberdade, mais de um século após a lei assinada que teoricamente os libertava? Por que os homossexuais querem sua união civil, querem adotar, querem casar? Por que, como eu já falei, as mulheres continuam tentando se organizar? Por que tudo que não é cristão, caucasiano, heterossexual, europeu ou norteamericano, liberal e capitalista, tem tanto que brigar, que gritar, que até mesmo ofender, que chocar, mexer, sacudir?

Porque as opressões não são visíveis a olho nu. Porque não podemos levantar a bandeira da sociedade igualitária enquanto essa mesma sociedade não for ‘digna’. A igualdade pode até mesmo querer minimizar todas as diferenças ao plano do mínimo comum. Mas a dignidade estará sempre a serviço de todas as diferenças, de todas as igualdades, dos que estão à margem e dos que estão no centro.

Não precisamos acabar com as diferenças. O que precisamos mesmo é encontrar espaços para todas elas.

SOBRE AS OPRESSÕES SUTIS, pelo viés de Nathália Costa

nathaliacosta@revistaovies.com

Para ler mais crônicas acesse nosso Acervo.

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