O EGO EM GRUPO DESTRÓI POSSIBILIDADES

Foto: Ivon Fernandes

Passamos os últimos dez dias em Santa Maria com a Reitoria da Universidade Federal de Santa Maria ocupada. Sim, ocupada, devemos ressaltar, ao contrário do que foi veiculado por muitos meios midiáticos locais como “invasão”. Nenhum estudante invadiu a reitoria, deve-se esclarecer: a diferença entre “ocupar” e “invadir” é imensa se buscarmos as principais correntes de pensamento tanto sociais quanto lingüísticas. Invadir, no seu conceito mais básico, representa ocupar pela força. Alguém em Santa Maria assistiu o Movimento Estudantil adentrar a Reitoria usando a força, essa força que conhecemos cotidianamente como sinônimo de luta corporal onde alguém recebe os tombos e outros passam por cima? Não. Quem esteve no dia 1º de setembro próximo ao prédio de dez andares onde está instalada a cúpula hierárquica de poderes da UFSM, sabe que a entrada dos estudantes no prédio ocorreu de forma pacífica. Quem disser o contrário, tem que comprovar, por documentos, como vídeos ou fotografias, que os estudantes tiveram de usar força opressiva para atravessarem a simples porta de vidro que divide a rua do hall de entrada do prédio. Quem não quer desmentir, será questionado. Os estudantes mobilizados, em contingente enorme, como há muito não se via, adentraram ao prédio ao som de palmas, cantos de ordem e, principalmente, com ímpeto de busca por direitos. Quem se instalou na Reitoria não buscava favores: procurava alcançar seus direitos ocultos por administradores pouco importados com as reais dificuldades de muitos estudantes em conseguir cursar o Ensino superior, como ter direito a refeições básicas, ter obtenção plena à literatura resguardada entre as paredes da Biblioteca e poder, quem sabe, ter voz ativa dentro de conselhos que deliberam as condições de estudo e qualidade de ensino de mais de 20 mil alunos.

O que os estudantes fizeram foi ocupar o primeiro piso do prédio. Ocupar é sinônimo de conquistar, preencher, encher um espaço. E assim ocorreu. Ao contrário dos movimentos que há meses acompanhamos acontecer na cidade, como a entrada dos estudantes na Prefeitura Municipal de Santa Maria no caso vergonhoso do aumento do valor da passagem do transporte “público”, quando policiais e seguranças da prefeitura à paisana tentaram barrar manifestações e protestos até com o uso de gás de pimenta, a entrada dos acadêmicos na Reitoria fez-se de maneira mais do que pacífica. Quase imperceptível aos grupos de segurança, terceirizados, da universidade. A única diferença eram os tambores de plástico, as mochilas nas costas, as faixas e cartazes carregados em mãos por muitos: QUEREMOS UMA UNIVERSIDADE REFORMADA. 

Os estudantes da Universidade Federal de Santa Maria, para quem ainda não sabe, estão sem professores, sem salas de aula, sem prédios. Continuam, mesmo depois da propaganda abissal do governo Lula sobre o REUNI – o programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – o tal programa que aumentaria o número de vagas e faria uma redemocratização do direito ao Ensino Superior no país, sem aulas, sem subsídios para benfeitorias e sem aparato fundamental para estudar. No curso de Medicina, por exemplo, há uma disciplina sem professor há quatro anos. Os alunos apenas recebem notas aleatórias para seguirem o curso. O curso recém criado de Terapia Ocupacional, sequer conta com salas de aula e aparatos necessários para o pleno aprendizado dos acadêmicos, deixando aos futuros profissionais lacunas em sua formação. O curso de Arquitetura segue com suas instalações mínimas estabelecidas em um ambiente abjeto junto ao prédio que abriga a Biblioteca Central. Junto às reformas desempenhadas para abrigar mais um curso no departamento de Comunicação Social, a capacitação em Produção Editorial obteve apenas dois novos professores para desempenhar atividades divididas em múltiplas disciplinas. A situação do Campus de Santa Maria apresenta-se complicada. Isso sem contar os novos campi inaugurados sem estruturas básicas para o ensino como em Palmeira das Missões, Silveira Martins e Frederico Westphalen.

Contudo, mesmo com tantas pautas a serem acatadas, os universitários não lograram entusiasmo de coalizão único dentro do próprio movimento. É deprimente assistir o desmonte de um movimento que chegou a unir 500 pessoas no hall da Reitoria, esfacelando-se por responsabilidade do individualismo de grupo. O egocentrismo infelizmente extrapolou os anseios mais benéficos que muitos estudantes carregavam na hora da ocupação. Não basta dividir o pão para acreditar que se está fazendo justiça. É necessário oferecer o pão sem olhar o rótulo que ainda nos afasta uns aos outros. Não há nada melhor para um movimento popular do que várias correntes de pensamento. Para estar lá, ocupando, gritando, dormindo no chão, já era necessária uma larga sabedoria sobre o que cada um se propunha a realizar em nome do todo. Se cada ser já estava envolto em adágios que acompanhavam seu limite pessoal de pretensões, imaginemos unir 500 indivíduos pensantes para alcançar um único ideal: uma universidade de qualidade, popular e democrática.

Mas para a vitória do grupo, formado basicamente por estudantes, era necessário que o respeito fosse a fortaleza de cada um. O respeito ao pensamento do próximo, aos seus anseios e suas formas de conquistar progressos. O leque de correntes políticas dentro de um movimento popular é constante, pois no movimento popular, afastado das imundícies capitais e distante, por convicção, do poder hierárquico e verticalizado, são abundantes as maneiras encontradas de se chegar ao mesmo ponto: a vitória sobre o personalismo, a intolerância, o despotismo e a arrogância de quem se encontra “mandante”. Nunca se deve esquecer que os postos hierárquicos criados pela corrente estruturalista da civilização ocidental são meros cargos representativos. E neste caso, o da ocupação da Reitoria pelos alunos, quem representava o cargo máximo dentro da instituição, ocupava um cargo público. Público concebe as aspirações do povo. E as vontades do povo, representado pelos universitários desde o 1º de setembro, devem ser reverenciadas por quem ocupa o cargo máximo principalmente por bancar um comando que consiste no vértice mais acima de uma pirâmide, mas uma pirâmide que não oportuna a opressão de quem forma a base.

O grande ensejo desta conversa, como já indicado, é o respeito. E foi exatamente o que faltou para muitos dentro da Reitoria. E infelizmente, quem desrespeitou e quem foi desrespeitado estavam, teoricamente, do mesmo lado naquele momento. Mas como citado, o egocentrismo foi maior do que o coletivismo. A humanização do processo foi esmagada pela politização da metodologia para se alcançar triunfos e o preconceito, nem mesmo político, mas pessoal, navegou abundantemente entre as camas deitadas no chão. O preconceito buscava saber quem era mais potente, mais hábil para triunfar. Buscava apontar quem tinha mais respaldo de lutar por uma universidade melhor. O que o preconceito não entendeu foi que, não importando quem era cada um daqueles seres sentados cansados após dez dias de ocupação, mesmo se rico ou pobre, mulher ou homem, carente, mediano ou abastado, todos ali eram estudantes. E os estudantes lutavam por causas que os afetaria diretamente e também por ensejos que não lhe alcançariam senão pelo bem do todo: o ensino. E quem elevou o partidarismo, a politicagem copiada das sujeiras do sistema e se entregou ao poder unilateral conscientemente, assistiu, mesmo que não evidenciando, pois manter a imagem é outra camuflagem basilar do egocentrismo, o movimento desandar. As forças pessoais ganharam da força coletiva. A massa desandou com o abrir da porta do forno. Mesmo que comestível, o resultado do bolo estará abatumado.

O EGO EM GRUPO DESTRÓI POSSIBILIDADES, pelo viés de Bibiano Girard
bibianogirard@revistaovies.com

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