DIÁRIOS DE KANGOO – PARTE II

Dunas, um farol, e alguns lobos-marinhos

Cabo Polonio é um parque nacional de preservação natural. Não sabíamos disso quando descobrimos que havia que se pagar ao governo cerca de 20 reais para ir e voltar à praia por meio de um caminhão, e que não havia outra forma de chegar lá. Mas a curiosidade foi maior que a vontade de economizar, apesar das minhas tentativas de convencê-los a irmos a uma praia “gratuita”. Eu não poderia me arrepender mais.

Depois de algumas manobras perigosas para fugir de bancos de areia ia aparecendo, por trás das dunas, uma pequena vila. Casas isoladas, muitas delas coloridas, iam aparecendo no horizonte. Alguns banhistas no mar. Um lobo-marinho morto na praia. Quanto mais nos aproximávamos de Polonio, mais vendas de artesanatos apareciam. Chegamos e nossa sensação era de que estávamos em um lugar que todas as pessoas deveriam conhecer por sua beleza.

O Cabo é cercado de dunas. Exceto algumas poucas entradas para o mar, toda a praia é delimitada por rochas marrons. Nelas descansam os famosos lobos-marinhos, e também os turistas. Polonio poderia ser considerada uma cidade hippie. Não há luz elétrica por lá, e os moradores ou vivem alugando quartos para turistas, ou de artesanato. Ou dos dois.

O ponto principal da praia é o farol. “Un faro quieto nada sería. Guía, mientras no deje de girar. No es la luz lo que importa en verdad. Son los 12 segundos de oscuridad”. Eternizado pelo maior expoente da música contemporânea uruguaia, era ele que tinha que nos levado até tão desconhecida praia. E dele nos despedimos quando o sol começava querer dormir. Era caro dormir ali, e tínhamos muita estrada pela frente naquela sexta-feira.

Infinita Highway

Nossa viagem não foi programada, no sentido exato da palavra. Saímos, com dinheiro contado, querendo conhecer o Uruguai. Sabíamos de algumas cidades onde poderíamos parar, e só. Não sabíamos mais do que alguns nomes de pousadas. Muito menos em quais cidades dormiríamos. Ao voltar de caminhão até o estacionamento onde a Kangoo nos esperava, nos surgiu uma dúvida: para onde ir?

O decidido foi deixar a estrada nos levar. Poderíamos ver o pôr-do-sol em Punta Del Este, quem sabe. Ou, dependendo do cansaço, chegar até a capital. Ainda pegamos uma saída errada da estrada e tivemos uma curta parada em uma praia vizinha a Polonio. Mas a estrada fluía, e logo deixamos para trás, sem muito remorso, as duas entradas para Punta. Quem nos guiava era o rádio. Nele se misturava Drexler, Belchior, Engenheiros, Fito Páez, música gaúcha e norte-americana.

Chegando perto de Montevidéu, vimos que passaríamos o fim de semana em uma cidade esvaziada. O fluxo de carros indo em direção a Punta Del Este era semelhante ao da Marginal Tietê em véspera de carnaval. Logo foi aparecendo a cidade, a única de porte grande do país. Em seguida veio o trânsito, uma mistura de Santa Maria com Índia, diria alguém. Táxis cruzando pistas. Motoqueiros e motoristas brigando quase que fisicamente enquanto o trânsito continuava a andar. Mas o que importa era que nossa viagem continuava.

Monte Vi Deo

Cansados, procurávamos um lugar para dormir. Já eram quase 23h. Um amigo tinha nos falado de um albergue na praça do Artigas, e para lá nos dirigíamos. O problema é que a cada esquina da cidade há um Artigas. Depois de ficarmos um pouco perdidos, achamos o tal de Che Lagarto. Lotado, não poderíamos dormir lá. Por sorte o recepcionista nos imprimiu um mapa da cidade e apontou os possíveis albergues livres àquela hora da noite. Às 23h30 chegávamos ao Hostal Montevideo e conseguíamos um quarto com três beliches, para nós quatro.

O sábado foi o único dia da viagem no qual não pegamos estrada, e, portanto, o mais tranqüilo. Logo pela manhã conhecemos a Ciudad Vieja, bairro onde fica o porto de Montevidéu, com vários bares e restaurantes caros. Tão caros que tivemos que comer em um restaurante de fast-food que vende frangos assados por preços irrisórios. Apesar do pouco tempero, o frango serviu para nos manter de pé até a noite. Tentamos conhecer o Estádio Centenário e seu museu, mas como o Nacional havia enfrentado o Fénix na noite anterior, não pudemos entrar.

Voltamos para a Ciudad Vieja para comprar souvenirs, os mais baratos possíveis, e nos dirigimos ao hotel. Escolhemos ver o pôr-do-sol ali perto mesmo, e foi magnífico. O violão, o mate. Um pouco de bossa-nova, um pouco de Drexler.  Aquele sol laranja se escondia pouco a pouco no mar, com uma invejável calma. Aquilo me deu vontade de passar o resto da minha vida naquela cidade.

Jantamos mal aquela noite, mas era para economizar. O resto do sanduiche de frango nos acompanhou até a lixeira da rodoviária de Santa Maria. Nossa primeira parada noturna era o Fun Fun, bar antiqüíssimo que foi freqüentado por Carlos Gardel. O drink da casa é a Uvita, uma mistura de cachaça com alguns tipos de vinhos, que lembra um vinho do Porto um pouco menos denso. Lá rolava um belo show de tango. No intervalo, Yuri já era um dos melhores amigos do cantor e do violonista.

Ao lado da entrada do bar estava a entrada da Casa de Cultura Negra do Uruguai. Fiquei algum tempo conversando com o responsável pelo local. Perguntei por que havia muito mais negros no Uruguai do que na Argentina, e ele me respondeu que os argentinos negros foram todos dizimados em um processo de “blanquización” da população. Estávamos de saída do Fun Fun e ficamos devendo uma visita ao companheiro.

No caminho para uma das ruas noturnas de Montevidéu conhecemos Dani. Pedia dinheiro para comprar vinho e cigarro. Falou por algum tempo sobre a diferença dos pedintes do Uruguai – apesar de ele ser argentino – e do Brasil. No Brasil são muito afoitos, disse ele. Conversando e caminhando, ele foi nos levando. Chegou um “amigo” dele, queria maconha. Achamos melhor ir embora, afinal o que queríamos era beber. Deixamos Dani, o ladrão, desapontado por não ter consumado o roubo, mas com algumas moedas para comprar seu vinho.

Achamos uma mesa de bar em uma rua. E, o mais importante, podíamos usar o banheiro lá. Mal sentamos e começamos a conversar, apareceram duas argentinas, July e Ileana. Queriam companhia para beber. Nos sentamos com elas e começamos a conversar. July, cuja companhia coube a mim e a Gregório, era militante socialista. Uma enorme coincidência que nos rendeu bons assuntos. Quando a noite terminou, saímos os seis trançando os pés pela praça de Artigas e cantando Fito Páez. Chegamos ao hotel às 6h, pensando em acordar às 7h para pegar a estrada. Doce ilusão…

DIÁRIOS DE KANGOO – PARTE II, pelo viés de Mathias Rodrigues

mathiasrodrigues@revistaovies.com

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