[EDITORIAL] AS PAUTAS DAS PESSOAS

Não parto de uma verdade científica, mas de uma realidade que nos faz empiricamente notar que transformações sociais, ou mudanças que margeiam o cotidiano e o íntimo dos cidadãos brasileiros [e de mulheres e homens do mundo inteiro], estão em pauta, na mídia velha e viciada, através do viés conservador, e porque não dizer obsoleto, e na conversa da padaria, na sala de aula, à mesa, no quase sono e por onde mais se pode conversar (com e sem conservadorismos). Se estão com as pessoas, provavelmente estejam nas redes sociais. De outras formas, por outros vieses, diferente do que a mídia do domingo repassa ao cidadão com sono que está se preparando para a segunda-feira de trabalho. Muitas vezes detestável.

O jornalismo tem se feito, muito – e também – nas redes e pelas redes sociais. São nas redes que muitas pautas surgem e são nas redes, para uma geração toda mais nova, responsável pela queda abrupta da audiência do velho e formalista jornalismo de elite, que o que realmente interessa é debatido.

O jornalismo engajado com o interesse público e social deve reconhecer que atualmente as redes não são mais meras reprodutoras de respostas de receptores. As redes sociais são, também, produtoras e realizadoras de uma nova imprensa, diferente de como conhecemos até então, mas não menos importante. Não mesmo. Debates que antes pareciam tão irrealizáveis hoje encontram chão. E mídia para isto. Muitos tentam puxar o tapete, é claro, mas o pessoal continua o debate de outra forma, em outra plataforma. Em outras imprensas.

Legalização da maconha, direitos das mulheres, cotas sociais, direitos LGBTs, diminuição da maioridade penal, Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Comissão da Verdade, descriminalização do aborto, capitalismo, islamismo, catolicismo, evangelização fundamentalista etc. O que parecemos sentir, à espera de uma conversa mais profunda, é que boa parte de novas gerações encontrou algumas passagens para alcançar, admitir debates e, mais otimista ainda, mantê-los em voga. E estes debates parecem não localizar coro na grande mídia, já que o poder do dinheiro e do perigo da perda de autoestima com setores antagonistas da sociedade coloca em jogo o que se fala. Ou o que é de bom tom, para a empresa. Ou que não traga empecilhos a seus barões mantenedores.

Em muitos casos, o que grande parte da sociedade quer debater, longe de superficialidades e conservadorismos, está acontecendo em outros meios. Meios que tentam driblar o goleio de poder e censura da mídia tradicional, equipada com milhões do governo federal. Assim, a revista o Viés trouxe mais uma edição ao ar com o trabalho de apuração e construção de pautas que estivessem em debate majoritariamente pelo lado de quem pouco fala – dentro do Brasil conservador e não laico.

Se no passado os negros eram presos em senzalas e depois, quando se realizou uma malfaminta alforria, em espaços reservados para negros, longe dos espaços de discussão, como as praças, hoje conseguimos colocar em pauta as cotas, por exemplo, como uma grande vitória dos últimos anos. Não apenas driblar o preconceito individual como o preconceito do Estado. Não apenas preconceito, mas injustiça social e econômica legitimadas. Um pouco sobre esse todo, Atilio Alencar traz em sua primeira reportagem na revista o Viés, uma conversa com Nei d’Ogum, Coordenador do Núcleo de Ação Cultural Educativa do Treze de Maio e ativista do movimento gay. Numa conversa realizada no próprio Museu Treze de Maio, Nei reconta fatos da história do Treze e da militância negra em Santa Maria.

Na sequência de textos, Felipe Severo retorna o debate sobre casamento civil igualitário. O autor nos mostra a onda – contrária à realizada pela política brasileira – de igualdade social e justiça pelo mundo sobre as legislações acerca do casamento de pessoas do mesmo sexo. Assim como comentado no início deste texto, esta é uma pauta que representa uma parcela gigantesca (sem que se faça aqui julgamentos de relevância de pauta por número de cidadãos envolvidos) da população, que tem conseguido espaço primeiramente nas redes. É um anseio de milhões de brasileiros que lutam por igualdade e que pouco veem sua pauta detalhada por um viés progressista.

Na charge da edição, Rafael Balbuneo nos relembra para quem e por quem estão sendo construídos os novos estádios de futebol do país. Assim como uma das obras comentadas por Demetrio Cherobini, O teatro do bem e do mal, em seu texto sobre Eduardo Galeano, Rafael questiona a indigesta verdade que a grande mídia procura não mostrar. Os poréns de se organizar uma copa e a segregação social que já ocorre desde o início das obras, com centenas de áreas comunitárias destruídas, ou no caminho de grandes obras financiadas pelo setor privado. É bom lembrarmos o caso da Avenida Tronco, em Porto Alegre, onde muitas das 32 mil pessoas afetadas e indenizadas não conseguiram comprar novas residências com o dinheiro que receberam perto de onde moravam. Resta-nos lembrar de que o Tribunal de Contas da União (TCU) já alertou que possivelmente quatro estádios construídos para a copa não conseguirão fechar suas contas após o mundial. Para isso, notícias que chegam parecem demonstrar que nós, brasileiros, não seremos o público destas megaconstruções.

Como já apresentado, Demetrio Cherobini toca no nome político e literário da maior força nos dias atuais vindo de nosso irmão Uruguai. Mas Galeano já nos parece sem pátria exata, sendo quem sabe um belo expoente dos homens filhos desta América Latina tão surrupiada, tão faminta e, ainda assim, tão digna de sua imponência que se mantém até os dias atuais como o legado humano à esperança dos que sonharam ver um mundo mais justo.

Para terminar, Gianlluca Simi nos apresenta sua mostra de fotografias “Silhuetas Urbanas”. Nela o autor expõe a relevância que as cidades têm sobre nós mesmos, observando que esquinas, ruas e traçados são demonstrações do nosso viver corriqueiro e de nossas relações de convívio, exercendo, às vezes, o poder de nos cegar ao nosso entorno tão próximo por si só parecer natural.

Boa edição a todos. 

[EDITORIAL]: AS PAUTAS DAS PESSOAS, pelo viés de Bibiano Girard

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