Atilio Borón: "sem soberania nacional, a democracia se converte em um ritual carente de significados" (parte 2)

[leia a primeira parte da entrevista aqui]

Foto: Liana Coll

: O senhor comentou, durante sua palestra, que não existe soberania popular, e, portanto, democracia, sem soberania nacional. Em que termos que a ausência de soberania nacional não permite a existência de uma soberania popular e quais as possibilidades para se superar isso?

A.B.: Sem soberania nacional, sem uma autodeterminação nacional, a democracia se converte em um ritual vazio, carente de significados. Se você não pode decidir as questões mais importantes – porque essas são decisões do imperialismo. Se é o imperialismo quem decide, por exemplo, que o Brasil vai ser outra vez monocultura, como no Paraná, que, conforme me disseram, de repente tem que virar uma monocultura da cana, produzindo um efeito catastrófico sobre o clima do Sul do Brasil – grandes inundações, deslocamento da população –  Quem tomou essa decisão? Isso vem por um acordo firmado entre Lula e Bush, para a produção de Etanol. E o que tem o povo brasileiro com isso? Quem perguntou a vocês, brasileiros, o que pensam? Se não há soberania nacional, a democracia é convertida em um ritual carente de significado. E é por isso que, na maioria dos países da América Latina, as pessoas consideram que a democracia não é isso que estamos vivendo, porque não temos a capacidade de controlar as grandes decisões. Por isso que a autodeterminação e a soberania nacionais são um pré-requisito da via democrática. Em nossos países, o que temos é um processo cada vez mais forte de penetração dos EUA que, por exemplo, exige criminalizar os movimentos sociais, e os nossos Congressos criminalizam os movimentos sociais. Então, que democracia é essa? Outra coisa muito importante é que nos últimos anos tem existido uma transformação da democracia devido ao crescente papel que o dinheiro está jogando na organização da via democrática. Quando digo dinheiro quero dizer – quem ganha as eleições? Ganha as eleições quem tem mais dinheiro. Mais dinheiro para comprar espaço de televisão, espaço na rádio, para anunciar nos jornais, para girar militantes (não militantes da nossa época, mas militantes todos contratados), mais dinheiro para comprar jornalistas, para favorecer um candidato. Isso, por exemplo, passou nos Estados Unidos, numa decisão da Corte Suprema, que decidiu que esta é uma questão do direito de propriedade, portanto um direito inalienável, que uma pessoa ou uma empresa pode dar o aporte que quiser, sem limite, a qualquer candidato. Só o que não pode é dar direto para a pessoa do candidato, mas a um comitê político que maneja a candidatura desse candidato. Ou seja, não pode dar ao Romney, mas ao comitê de campanha do Romney. Então é uma democracia completamente prostituída, aonde para fazer uma carreira importa quem levanta mais dinheiro. E a pergunta é simples: quem levanta mais dinheiro? Aquele que garantir para as empresas um trato melhor. E o que significa? Significa que nós, como votantes, não contamos. Porque se a General Motors financia o próximo presidente americano, é óbvio que o presidente americano só poderá favorecer a GM, e não aos trabalhadores da GM. Então teremos uma democracia que se decompõem por todo o mundo. Hoje em dia, o que atraiu a crise do capitalismo é também uma crise profunda da legitimidade de regimes que antes se pensava como democráticos e que cada vez se mostram menos como democracias e mais como plutocracias. Ou seja, o governo do dinheiro. Não é por acaso que na Europa a imprensa conservadora já está falando em plutocracia, por exemplo a revista The Economist. E por quê? Porque, como disseram em um artigo do começo de 2012, nós pensávamos que o processo de construção de uma decisão política, da aplicação de um plano, seguia as regras da democracia, quando na realidade estamos vivendo na época da plutocracia e as regras são outras. Voltando ao tema: quando se perde a soberania nacional nos países periféricos, e, quando nos Estados centrais, a soberania nacional também está subordinada às grandes empresas, a democracia se converte num ritual sem o menor significado. Com cheiro de farsa, como dizia Fernando Henrique Cardoso há muitos anos. Ele dizia que a democracia sem justiça social e sem soberania fede muito a farsa, mas depois ele se esqueceu disso. Essa frase eu acho muito bonita, e tenho até citada em um artigo que escrevi há muitos anos, fede a farsa uma democracia sem justiça social. Assim como uma democracia sem soberania nacional também. De que democracia se pode falar quando um agente estrangeiro impõem as principais decisões?

O senhor acredita que existam casos na América Latina, países, como a própria Venezuela com o Hugo Chávez, que conseguem, de certa forma, construir uma soberania nacional perante os Estados imperialistas? Comparados ao Brasil, principalmente?

A.B.: Hugo Chávez conseguiu alguma coisa importante, com relação à soberania. É uma tarefa inacabada, inconclusa, mas é uma recuperação muito importante da soberania nacional. Por esse sentido Chávez, apesar dos problemas que possa ter – a questão macroeconômica, inflação, insegurança – hoje em dia a Venezuela é um país dono de seu destino, e isso é muito importante. Venezuela é um país que conseguiu cumprir um pouco, nesse sentido, o sonho de [Símon]Bolívar, quando ele dizia: sejamos livres e depois tudo o que for construiremos, mas se formos livres! A Venezuela conseguiu resolver alguns problemas muito importantes, assim como [Rafael] Correa em Equador e [Evo] Morales na Bolívia, são exemplos muito interessantes. Sobretudo, Equador e Bolívia que são países pequenos, porém com grande vontade política, que demonstram o que se pode fazer quando há uma recuperação da soberania nacional. Correa conseguiualgo que nem os japoneses não conseguiramaté hoje, que foi fechar uma base militar norteamericana. Com pulso muito firme decidiu fechar a base de Manta [instalada em 1999 na região de Manta e fechada em 2009] e disse “vocês tem que ir”, e eles tiveram que ir.

Eu creio que isso demonstra que quando há vontade política, processos de mudança que pareçam muito difíceis podem acontecer. Ainda mais em um país como o Brasil. Se o Brasil não pode, quem pode? O Uruguai vai poder? Ou a Argentina? O Brasil pode realizar mudanças muito significativas, certo? Se por na cabeça a posição da integração. É o que todo mundo está dizendo, por que nada se discute sem o Brasil. O problema é que o Brasil não quer ser líder nessa integração. Ou quer ser líder, mas sem pagar o preço de liderar, o que é elementar, sem o que não há integração possível. Uma coisa é o Brasil negociando sozinho no mercado internacional, outra coisa é o Brasil negociando em nome de 15 a 20 países da América Latina. A força dessa segunda fórmula é infinitamente superior a que o Brasil pode ter sozinho.

Voltando à Venezuela: o país recuperou o controle do petróleo, por exemplo. Recuperou o controle da circulação monetária e das divisas, o que não é pouca coisa. Agora, são processos sempre muito disputados, o imperialismo nunca vai afrouxar sem lutar. Ou seja, quem pensa que podemos resistir sem um enfrentamento forte com o imperialismo está sonhando. A realidade é que o imperialismo vai lutar até o final para conseguir prevalecer, sobretudo na América Latina, e na América do Sul, que é a grande célula estratégica mineral, política e militar que eles tem. Eles são muito refratários nesse assunto, e rechaçam qualquer tentativa de reafirmar a soberania nacional. Eles necessitam de países dependentes.

O senhor falou que o discurso dos países dominantes afirma que a América Latina é irrelevante, mas as ações negam isso. O principal objeto da disputa está focado na questão dos recursos naturais? É possível dizer que isso terá centralidade no século XXI?

A.B.: Total, já tem centralidade, porque os recursos naturais estão se esgotando. Porque antes – um pouco por isso coloquei na palestra os slides sobre os indianos e os chineses – quem vinha buscar recursos no território da América Latina? Vinham os Estados Unidos, a Alemanha, Itália, Espanha, Japão, ponto. Quantos eram? Eram 300 milhões, 400 milhões [de pessoas], naquela época. Hoje em dia, tem 2 bilhões e 700 milhões, somente na Índia e da China, que também buscam petróleo aqui. Então, petróleo, água, minerais estratégicos, biodiversidade… esta é a grande reserva do mundo. Então, esse é um para o problema dos Estados Unidos, por isso as bases. Qual é a estratégia deles: primeiro, estabelecer as bases, e no momento em que a competição por recursos torne-se muito dura, as bases entram em ação. Quando tem um governo favorável, como os governos do Pacífico, como [Sebastián] Piñera no Chile, [Ollanta] Humala no Peru ou [Juan Manuel] Santos na Colômbia, nem faz falta fazer um esforço adicional. Esses governos estarão a favor dos EUA, são governos pro-consulares, são pró-consulado dos EUA, sem nenhum grau de autonomia nacional. Se o Chile pensa que vai ter autonomia, não. Não vai ter nenhuma. Nenhuma.

O dia que os EUA imponham ao Chile não vender mais cobre a China, Chile vai deixar de vender cobre a China. Assim simples. Os chineses, por isso, já estão tratando de se meter em companhias e tratam de negociar com o governo para que lhes deixe exportar tudo o que produzem. E alguns governos aceitam, e outros não. Mas os Estados Unidos estão claramente orientados nesta direção. A disputa por recursos naturais vai ser indiscutível, porque são os recursos naturais que não vão sustentar o padrão de consumo capitalista. Vocês viram aquele gráfico? [durante a palestra] Seriam necessários cinco planetas e um quarto se todos fizéssemos o mesmo que se faz nos Estados Unidos, e não se pode. Não há para todos, não há água para todos, não há cobre para todos, não há magnésio para todos, não há petróleo para todos. E quando chegar esse momento, os EUA vão fazer valer suas bases militares.

Veja, lhe dou um exemplo que não pude dar hoje na palestra pela falta de tempo. Consumo de papel por habitante, que é algo indispensável. Nos EUA, 270 kg por pessoa, por ano, de papel. Na Europa, 250 kg. Na África negra, 5 kg. 270 a 5. Na Ásia meridional, Bangladesh, todos os países mais pobres do Sudeste Asiático, 5 kg por pessoa. O que significa isso? Significa que o papel que se consome nos EUA não é para jornais ou livros, é para servir de pacote. Sobretudo, pacotes de alimentos, que garantem que os alimentos cheguem em bom estado às mãos da população, das pessoas. Por que há altas taxas de mortalidade infantil na África negra e no Sudeste Asiático? Porque os alimentos não tem pacote nenhum. Se estou na África negra e vou comprar, como fazem as pessoas muito pobres, meio frango, um quarto de frango, vou levar nas mãos, rodeado de moscas, mosquitos, todo tipo de bichos, e tem aí o esgoto cloacal a céu aberto. Ou seja, uma infecção brutal, as crianças comem e morrem, a taxa de mortalidade infantil é brutal.

Se você quer que todos consumam como os EUA, 270 kg de papel por ano, não sobra uma árvore em todo o mundo. Se acabam as árvores na Amazônia, na Mata Atlântica, no bosque patagônico argentino e chileno. Então, a civilização do capitalismo é insustentável. E é por isso que os Estados Unidos tem um império de bases militares em todo o mundo, 76 somente na América Latina e no Caribe. O número total, em nível mundial, são umas mil bases que têm os Estados Unidos. Mas estas são as fundamentais, porque são as que têm mais recursos, as outras são bases que tem a ver com a segunda guerra mundial, com a guerra da Coreia, etc. Estas são as cruciais. Há um autor, Michael Klare, que recomendo muito, creio que estão traduzindo livros dele aqui, que trata da caça por recursos. E ele fala que o século XXI será uma grande corrida aos recursos naturais que estão se esgotando. O petróleo se acaba em 40 ou 50 anos. Se antes não chega uma revolução tecnológica que te permita substituir o petróleo por hélio, hidrogênio ou o que seja. Imagine os últimos desses anos, sem o avanço tecnológico e restando pouco petróleo, o que vão fazer essas bases militares? Vão estar super armadas. “Cuidado os que se aproximem, o petróleo vai ser para nós”, isso vão te dizer os EUA. O mesmo com a água: os Estados Unidos tem um problema gravíssimo de água. Muito grave, estão desertificando-se todos as suas fontes. Porque o Rio Colorado, que é um rio extraordinariamente potente – escavou o Grand Cânion, e para cavar um cânion desses tem que ser um rio com uma potência enorme – hoje em dia é um pequeno arroio, porque o desviaram todo para criar Las Vegas e para toda a economia artificial de Las Vegas. E assim, hoje, quase não chega ao Pacífico. Informações de um grupo ecologista americano dizem que dentro de dez anos o Rio Colorado não vai mais chegar ao Pacífico. Imagine, então, o que é isso? Um rio que abriu um cânion de 200, 300 metros de profundidade, pela força que tinha, e agora não chega ao Pacífico. Então, há água, eles vão atrás. E onde há água? Brasil tem muita água, Bolívia, o lado oriental, tem muita água, Argentina tem muita água, Peru do lado da serra também. Algo vão tentar. Então, teremos que estar preparados para isso.

: E entendendo que o imperialismo e a ganância das empresas de certa forma são os responsáveis pela escassez dos recursos naturais, não seria a sustentabilidade uma grande ilusão, e talvez até uma mentira que o próprio imperialismo utiliza para seguir explorando…

A.B.: É uma mentira, porque o capitalismo é insustentável como sistema. Não há sustentabilidade dentro do capitalismo. Quem quer falar de sustentabilidade, tem que começar a falar de socialismo ou de pós-capitalismo. Não há sustentabilidade possível na lógica do capital, não se pode. É como pedir à empresa que funcione sem produzir ganância. O motor do sistema é a ganância, se faz tudo o que se quer, é completamente insustentável, ou seja, não há maneira de resolver os problemas que tem, a escassez de recursos naturais, o caráter finito dos recursos naturais, com a lógica expansiva do consumo  que tem o capitalismo, que é profundamente irracional de seus recursos. Os destrói, os desperdiça de uma maneira tal que esses recursos, ao não serem infinitos, não fazem possível a expansão indefinida do consumo. Então, nem se vai poder consumir mais nos países centrais, nem se vai poder estabelecer um padrão de consumo igual nas grandes reservas de população do planeta, que são a China e a Índia. O problema é que China e Índia dizem: “bom, nós também queremos ascender ao nível de consumo e de bem-estar que tem os Estados Unidos”, e se os estadunidenses consomem aí, o que estava no gráfico [durante a palestra], que mostrava que a criança americana ao nascer, calcula-se mais ou menos 75 mil galões de gasolina ao longo de uma vida, isso são mais ou menos 940 mil litros de gasolina ao longo de uma vida. Imagina que o chineses queiram consumir o mesmo? Em quanto tempo se acabaria o petróleo? Se acaba em dez anos. Por isso digamos que existe uma corrida louca em busca de novas fontes energéticas renováveis que substituam o petróleo, que sejam tão eficientes quanto o petróleo, porque o petróleo é muito eficiente, ou seja, quando alguém compara o custo de extração com a energia que produz o petróleo, a relação é extremamente positiva. É preciso ver se se consegue outra igual, e depois tem que se converter tudo. Barcos, aviões, caminhões, automóveis, centrais elétricas, etc., passarem do petróleo a essa nova energia. Quanto tempo isso demora? Há gente que diz que esses são processos para pelo menos cinquenta anos do momento em que se descubra a fonte alternativa. E o que acontece se o petróleo, de repente, em trinta anos, se percebe que vai ser pouco? Seria uma confusão tremenda. Ou vai convencer ao consumidor norte-americano que viva com o padrão de vida dos chineses ou dos indianos? Que fabricam sua própria roupa, que não andam com sapatos, mas com chinelos, então há um problema muito sério, e por isso a América Latina está em um lugar tão especial, porque tem os recursos que a maior parte do planeta não tem, e isso nos faz uma presa muito atrativa.

Sobre o avanço imperialista que a China vem carregando, caminhando em direção a se tornar uma superpotência. O país imperialista a gente conhece pela história, que ele explora, influencia e tira a sobrevida das pessoas nas outras nações enquanto a sua nação enriquece. Recebemos notícias todos os dias de que as leis trabalhistas na China são um horror e que os trabalhadores morrem trabalhando. Esse imperialismo que a China está construindo não é mais nocivo à própria China, aos próprios trabalhadores, à flexibilização do trabalho na China, do que ao resto do mundo?

Foto: Liana Coll

A.B.: Veja, são várias coisas. Primeiro, eu não gostaria muito de falar de Imperialismo Chinês porque uma concepção integral de imperialismo não pode deixar de lado o aspecto militar. E, na verdade, não há uma só base militar da China na América Latina, tampouco em outra parte do mundo. China foi, segundo Agustión, tradicionalmente um país que teve uma política de caráter eminentemente defensivo; China construiu uma muralha para que não a invadam, não que saiam para conquistar o mundo; China foi submetida pelos mongóis, por exemplo, um país muito menor; China não tem uma tradição de guerreira, como têm outros países; China cunhou a pólvora e nem lhe ocorreu em fabricar com a pólvora  a arma de fogo, isso é uma invenção européia. Então, há que se ter cuidado com o que se chama Imperialismo Chinês, o que há é uma relação de assimetria comercial entre nossos países e China, e entre África e China, por um lado. Por outro lado, a China está atravessando um caminho, e tem de atravessá-lo o quanto antes, e nessa travessia tem de preocupar-se em alimentar a cada dia um milhão e trezentos mil pessoas, é obrigado a tomar algumas decisões que não são muito agradáveis, e a briga a opor cultura e relacionamento comercial internacional. Mas daí pensar que a China seja um imperialista, eu, pessoalmente, não diria. Agora, que há uma relação, em grande parte na economia, no setor capitalista da economia chinesa de superexploração dos trabalhadores, sim, isso há e isso é um grande problema. E que isso está gerando tensões internas muito grandes e a China a qualquer momento pode ter uma surpresas no sentido de uma grande rebelião popular, exigindo não uma mudança do regime capitalista nem nada, mas pelo menos acabar com algumas dessas relações também é muito provável. Mas também é certo que os chineses sabem que os Estados Unidos tem como hipótese fundamental de conflito a China, e que ela será agredida. E que no momento em que for necessário atacar a China porque ela disputa os recursos naturais em torno do mundo, a China tem um só mecanismo para defender-se, e o mecanismo é apropriar-se da última palavra da tecnologia desenvolvida no Ocidente. E se para isso tem de superexplorar seus trabalhadores, o vai fazer. Eu não gosto disso, mas é para tratar de entender a lógica do comportamento dos chineses. eles sabem onde estão, não se enganam, sabem que os Estados Unidos nunca vão tolerar uma presença decisiva da China disputando os recursos naturais no mercado mundial e que portanto tem de preparar-se para o pior e estão preparados para o pior. Isso inclui essa “hiperexploração” que se tem num setor muito importante da classe operária chinesa; mas, por outro lado, não se pode esquecer, não se pode deixar de lado, que houve uma melhora impressionante na condição dos setores populares da China; uma melhoria, em 30 anos, extraordinária.

As pessoas estavam esmagadas e, de lá para cá, houve uma melhoria notável. A redução da pobreza na China tirou mais ou menos 500 mil pessoas da pobreza. Em trinta anos! Houve excesso, atropelos, não há sindicalismo que represente os trabalhadores, claramente, o partido exerce um poder autoritário e despótico na China, é certo. Mas os chineses têm temor, primeiro de serem atacados pelos Estados Unidos, segundo existem vários países próximos da China que são clientes dos Estados Unidos, entre eles o Japão e a Austrália, que agora serve de base de apoio para os Estados Unidos no pacífico contra a China, e tem a Índia – ou seja, China também é um país que está acossado por múltiplos vizinhos, e a China não tem uma tradição de conquista, mas vem a ser um país conquistado; então, não justifico, não me parece bom o que estão fazendo nesta relação salarial tão brutal, mas não posso deixar de reconhecer que não é o mesmo a China que os Estados Unidos, e que na China é o Estado que fixa as regras do jogo da economia e nos países imperialistas são os grandes autores econômicos os que fixam as regras do jogo. E na China  livrou 500 mil da pobreza e na Europa e nos Estados Unidos a pobreza não se reduziu, senão aumentou, e na China a propriedade privada tem limites muito estritos que não tem nem Europa, nem Brasil, nem Estados Unidos. A propriedade privada, na China, segue tendo um grau de dependência muito forte da autoridade estatal, por exemplo, se colocas uma fábrica de maquinário na China, porque tem facilidades e etc, exceto uma coisa, que a terra segue sendo da comunidade chinesa, não são da prefeitura ou do governo do país; ou seja, amanhã não vem o primeiro ministro, vem o prefeito de, por exemplo, Santa Maria, e diz ”essa empresa tem de ir embora”. A China é o único lugar do mundo que pode dizer para qualquer grande empresa “tu tens que ir embora”, e a empresa vai. Para análise da economia capitalista mundial, ter um país que tem essas condições é muito significativo, e para nós, latino-americanos, China nos permite fazer um jogo que potencializa nossa capacidade de auto-dominação nacional. Qual a diferença de antes e de agora,digo antes quando estávamos na União Soviética, e a China?  À União Soviética o Brasil não podia vender nada, a União Soviética não tinha “la plata” para comprar nada. E, no entanto, nós, o Brasil na sua relação com o imperialismo não tinha fogo de valor econômico, porque, se não havia os Estado Unidos e Europa Ocidental, para quem venderia? Agora nós podemos dizer “vendemos aos Estados Unidos, vendemos à Europa ou vendemos à China” – e a China já compra. China cumpre um papel muito mais positivo no manejo econômico global da América Latina nesse momento do que cumpria a União Soviética; a União Soviética tinha arraigo político, mas não tinha arraigo econômico. Em termos de troca, a China é um parceiro muito importante para diversificar o comercio exterior e dessa maneira se tornar independe da influência dos Estados Unidos. Creio que o papel da China é muito importante e há que se valorizá-lo levando em conta todas essas facetas, não somente visando a relação de opressão no seu interior. China também é um país que está sob o olhar, sob a pressão dos Estados Unidos, que estão hostilizando a internet, as redes sociais para debilitar o governo chinês; e o que o governo chinês não quer é que se passe na China o que se passou com a União Soviética.

Atilio Borón: “Sem soberania nacional, a democracia é convertida em um ritual carente de significado”, pelo viés de Nathália Costa e Tiago Miotto

*colaboraram: Caren Rhoden, Gianlluca Simi, João Victor Moura e Liana Coll

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