LOLA ARONOVICH: “NÃO CONSIGO DESVINCULAR O FEMINISMO DE OUTRAS LUTAS SOCIAIS” (parte 2)

Foto: Tiago Miotto.

Temos séculos de um histórico de opressão da mulher por religiões que antes ditavam mais as regras. Atualmente temos uma pluralidade de religiões, embora algumas mantenham a mesma ideia sobre a mulher – embora não tão opressora quanto ao passado, visto que são épocas diferentes – mas, muitas mulheres aceitando muito o que dizem essas religiões. Seria também uma sequência da ideologia do machismo nas religiões?

Lola: Claro, claro. A religião é uma ideologia. Obviamente é uma crença, uma ideologia, então é um suporte do machismo. A culpa que é embutida, todo o negócio da criação, você fica repetindo aquelas coisas e algum dia as pessoas acreditam. Para mim é uma lavagem cerebral – você começa a ensinar aquela criança desde que ela tem 3 anos de idade, e a pessoa vai crescendo com aquilo. É difícil se libertar. Eu tento não fazer nenhum discurso muito anti-religioso, apesar de ser ateia, porque eu acho que a religião pode ser útil, interessante e válida para muita gente e pode trazer conforto para as pessoas. Só acho que, primeiramente, mesmo essas pessoas deveriam ser favoráveis ao Estado laico – que não serve apenas para defender o Estado em si, como também a religião. Que essas pessoas também questionassem o discurso da religião, vissem as religiões machistas, com livros machistas, ensinamentos machistas e, pelo menos, questionarem esse lado. Deixar isso de lado.

Eu tenho muitas leitoras que são religiosas, tenho várias leitoras que são evangélicas, católicas. Eu conheci integrantes do grupo “Católicas Pelo Direito de Decidir”, que são muito batalhadoras e inteligentes, então dá para conciliar. Eu não consigo conciliar. Eu já fui muito religiosa e, quando eu tinha 13 anos, eu queria ser freira, mas aí eu parei e larguei. Sempre bateu contra o meu feminismo, eu tinha problemas com a religião católica, porque me falavam de Adão e Eva (eu estudei em colégio de freiras), e eu argumentava: “Sério mesmo? Isso aí é literal? Não é figurativo? Vocês juram que vocês acreditam que vieram duas pessoas, e que a mulher veio da costela do homem? O homem foi feito a imagem e semelhança de deus e depois a mulher veio como um resto? Vocês tão falando sério?” – “Sim, sim. Foi assim mesmo”. E eu dizia “sei, mas e aí?”, porque eu queria ser freira, mas eu tinha ambições. De repente eu queria ser Papa também, plano de carreira né? (risos). E eu perguntava “por que eu não podia dar missa, não podia ser Papa?”. E esse negócio de deus ser Ele, Pai, Senhor? Deus realmente é um homem (porque a imagem que vem à cabeça é de um homem, barbudo, com barba, branco – é claro)? E Jesus era loiro, como a gente sabe né, de olhos azuis e tal… Então batia contra o meu feminismo e eu deixei, e não sinto falta. Na verdade eu me sinto muito livre por não ser religiosa. Mas eu tento respeitar ao máximo quem é religoso.

:Sobre a atuação na militância virtual, na sua entrevista para a revista TPM, em 2011, você disse que o seu blogue era o blogue feminista com mais acesso no Brasil. Isso se mantém? Qual a importância de o feminismo estar relacionado a outros movimentos sociais (ao movimento negro, LGBT) para o avanço dessas pautas?

Lola: O blogue cresceu muito, principalmente no ano passado. Não sei, não aconteceu nada de mais realmente. Em 2011, teve um embate com o Marcelo Tas – isso levou a muitos leitores novos, mas o blogue já estava com 100 mil visitas por mês, antes do Tas. Só que aí, de repente, foi para 140, 150 mil, e se manteve nesse nível. A partir de agosto do ano passado foi crescendo, e hoje já está com quase 300 mil visitas por mês. Está com mais de 10 mil visitas por dia. Eu não gosto muito de falar assim que “é o maior blogue feminista do Brasil”, porque eu não sei exatamente qual o número de visita de outros blogues. Os blogues, eu acho que eles deveriam ser mais abertos também. Eu desconfio muito de vários blogues, daqueles populares, assim, que se julgam super popular. Você pode inventar um número, o meu numero está lá aberto. Está aberto para a população, qualquer um pode acessar e ver o número de visitas que tem lá por dia, por mês, por semana, enfim.

Eu tento fazer um blogue que não é só feminista, mas que tem sempre os meus valores. Eu não consigo desvincular o feminismo de outras lutas sociais. Até porque, por exemplo, a homofobia está intrinsecamente ligada com o machismo. Então, toda a vez que você vai falar de feminismo, quase sempre você vai falar de direitos LGBT. O racismo também é estrutural na nossa sociedade. É o mesmo tipo de preconceito. Então você acaba falando de tudo isso.

Esses dias, tiveram algumas críticas que eu cheguei a ver de longe. Eu acho que não foi ao meu blogue, mas, em geral, às feministas, por não trazerem a temática de feministas negras. Eu tento, através de guest posts, principalmente, trazer outras vivências pro meu blogue. Eu acho difícil falar de racismo. Eu posso falar contra o racismo, mas eu nunca sofri na pele, porque eu não sou negra. Eu falo de padrão de beleza, eu falo do cabelo – por algum motivo o meu cabelo já foi várias vezes criticado. Então, eu trago muitas vivências desse tipo e protestos assim. Eu publiquei essa semana uma coisa que foi espantosa: uma leitora, negra, que vai casar, está noiva – ela comprou uma revista de penteados para noiva, querendo ver o penteado que ela iria fazer. Ela assumiu o cabelo dela, o cabelo cacheado, crespo, faz vários anos, e queria se casar. Nos cabeleireiros que ela ia, o pessoal falava que “não, tem que alisar o cabelo, e a gente pode até encaracolar depois, mas primeiro você alisa.” – e a leitora: “mas meu cabelo já é crespo!”. Então ela comprou essa revista e ficou chocada. Na revista inteira não tinham negras. Eram só penteados de mulheres, quase sempre loiras e tal, de cabelo liso. Não tinha outro tipo de penteado. Ela falou que tinham duas fotinhos, quase 3×4, de negras – nem dava para ver o cabelo direito. Então ela mandou uma carta para a revista, reclamando, falando que ela esperava uma certa diversidade, porque, afinal, ela é consumidora da revista e imagina que tenham outras [consumidoras negras] também. A revista respondeu de uma forma acintosa, assustadora, falando que, na verdade, o foco dela [da revista] não era a cor da pele, e sim os penteados. Não importava, então, se usava apenas modelos brancas. O que importava eram os penteados. Como eles usavam também muito banco de dados, os bancos de dados não teriam  modelos negras, não teriam muitas fotos de negras (o que é verdade) e, as que tinham, não eram bonitas. Aí você fica assim: “as fotos que têm de modelos negras não são bonitas, ou as modelos negras que têm não são bonitas.”. É uma resposta racista mesmo! A leitora ficou injuriada, e foi ótimo, porque ela escreveu isso daí, teve bastante repercussão. A revista mandou um outro e-mail pra ela depois: “a gente viu que você escreveu um post para o blogue tal e a gente queria dizer que sente muito, que vai trabalhar para se comprometer e ser mais inclusiva. A gente não quis dizer que as mulheres negras não são bonitas, enfim”.

Vamos ver se surte algum efeito. Pelo menos foi uma reclamação pública. É importante, eu acho, divulgar essas coisas. Porque é uma bandeira tão antiga nossa, de diversidade maior, mas no século XXI o pessoal continua colocando foto só de branco e falando “tanto faz, o penteado que é importante.”. Então eu sempre tento lutar, unificar as lutas. O que tiver para fazer, eu tento ajudar. Eu tento dialogar com vários outros grupos.

Têm muitas coisas que eu faço no Twitter. Eu não tenho Facebook, não gosto do Facebook. Não entro no Facebook mais por uma questão de falta de tempo do que ideológica. Se bem que vai ficando cada vez mais ideológica, porque o Facebook é  terrível, mas tudo que me mandam no Twitter para divulgar, eu tento divulgar. Eu tento fazer a minha parte.

Dentro do campo educacional, quais seriam os pontos que mais precisam de atenção para o avanço da pauta das mulheres? A partir desse modelo sexista que a gente tem desde o ensino básico, o que poderia ser mais estudado para haver modificações nas políticas educacionais?

Lola: Tem que mudar desde os livros didáticos, que realmente estão bem melhores. Os livros didáticos estão mais inclusivos, pelo que a gente anda vendo. Aquele modelo de cada ilustração que tiver de um homem – vai ser um homem com uma pasta, de terno e gravata, indo pro trabalho – e a mulher vai ser sempre de avental. Hoje em dia, isso não é mais permitido. Eu vivo recebendo e-mail com algumas ilustrações de livros didáticos que ainda são meio assustadoras. Uma leitora me mandou uma de um livro usado na escola pública em São Paulo, nas aulas de Educação Física. Era assim: “escreva o que você considera coisa de menino e coisa de menina”. Tinham várias coisas assim: “costurar, brincar de bola”. E só vendo aquela folha, só vendo aquela página, eu fiquei bem chocada, mas tinha uma página antes que falava meio para discutir papeis de gênero – quer dizer, estava muito no ar. Então se você não pegar um professor que entenda alguma coisa do assunto, que não tenha valores menos tradicionais, você vai usar aquela página para reforçar os preconceitos. Agora, se você pega um professor que quer questionar, ou geralmente uma professora, porque 90% das pessoas no ensino fundamental são professoras, aí você consegue mudar alguma coisa.

É importante que tenham disciplinas de gênero, de estudo de gênero. Importante que a gente tenha um kit anti-homofobia. A gente tem que introduzir a tolerância nas escolas, a aceitação. O bullying é um problema seríssimo em todas as escolas, então combater o bullying é fundamental.

Está nos planos curriculares, está nos PCNs [Parâmetros Curriculares Nacionais, estipulados pelo Ministério da Educação] faz tempo. Já faz mais de quinze anos que está nos PCNs que você tem que trabalhar questão de gênero. Inclusive, o Brasil assinou uma convenção falando que ia cuidar disso. Faz mais de quinze anos e até agora nada. É uma coisa fundamental, porque a gente continua sendo separado por gênero, é a nossa primeira separação. Antes de a gente nascer, a coisa mais importante é “se é menino ou menina”, e o quarto já é decorado de acordo. Têm varias pesquisas mostrando, por exemplo, um bebê chorando – se você fala para as pessoas sendo pesquisadas que o bebê é menino, o tratamento já é totalmente diferente do que se você fala que o bebê é menina – e não faz a menor diferença, você está vendo um bebê! Tem muito bebê que não tem a menor cara de menino ou menina. Então todo o tratamento que você vai receber na vida já vem com essa diferenciação. Aí tem varias coisas, pequenos detalhes, que as pessoas podem fazer na sala de aula. Uma coisa básica é parar de separar as crianças em “filas para meninos” e “filas para meninas”. Para quê? Precisa ter duas filas? Eu vi um depoimento de uma professora, nos Estados Unidos, que trabalhou a questão de gênero, porque ela tinha uma aluna que era transgênero. A aluna não se identificava como menina, mas ela também não queria ser chamada de menino. Então a professora trabalhou com todas essas questões em sala de aula, na primeira série! As coisas que ela fez foram simples. Era assim, ela perguntava: “vocês acham que têm brinquedos para meninos e brinquedos para meninas? Quais são os brinquedos que vocês acham que são para meninos?”. Daí as crianças falaram um monte de coisa. “Se ela quiser brincar de espada, pode?” – “ah, pode, pode”. “E se o menino quiser brincar de boneca, pode?” – como eles tinham acabado de ler um livro que falava de um menino que queria muito uma boneca, e o pai não deixava que ele tivesse (as crianças ficaram revoltadas, porque o pai não deixava que o menino tivesse um simples brinquedo),  logo depois desse livro, elas falaram “pode”.

Você vai trabalhando pouco a pouco. E aí, uma das coisas que ela fez foi abolir esse negócio de filas, porque era sempre difícil para aquela menina – ela não se sentia nem menino, nem menina. Então a professora começou a fazer uma coisa que as crianças gostavam muito mais: “nesta fila aqui, vem quem gosta mais de sorvete. Nessa fila aqui, vem quem gosta mais de chocolate”, “esta fila aqui, é pra quem gosta mais de cachorro e, essa fila aqui, é pra quem gosta mais de gato.”. Todo o dia ela tentava mudar, e as crianças adoravam! É muito mais criativo do que falar “meninos ou meninas aqui”, numa divisão que, psicologicamente os meninos, principalmente, estão naquela fase de rejeitar totalmente as meninas, de acharem meninas nojentas e tal. E aí você reforça aquilo no sistema educacional, ou você tenta mudar essa mentalidade? Porque isso pode afetar o tipo de mentalidade que esse menino e essa menina também vão ter pro resto da vida. São pequenos detalhes que podem fazer a diferença.

Eu acho que têm que ter matérias de estudo de gênero na faculdade. A gente finge que é igual, que está tudo bem, mas é a maior divisão que a gente tem. É a maior divisão, é a divisão mais física, mais visível que a gente tem, e isso ainda hoje afeta a profissão que as meninas vão escolher, o tipo de relacionamento que elas vão ter, que elas vão tolerar – todo o comportamento. Acho que tem que batalhar contra isso. A gente vai fazendo trabalho de formiguinha, mudando o que dá, reclamando muito, protestando, não deixando passar as coisas em branco. Se tivesse um compromisso do sistema mesmo – se a mídia entrasse nisso – seria ótimo, mas não entra. A mídia não tem nenhum interesse, porque o capitalismo faz essa divisão. Essa divisão aumentou muito nos últimos anos. Na minha época de menina, de criança, de adolescente, não tinha isso. Não tinha isso de “ [a cor] rosa ser o código para meninas”. Não tinha isso que você entrava numa loja de brinquedos e você claramente via qual era o lado feminino, que era todo rosa. Não tinha [o jogo] “Banco Imobiliário” para meninas. Não tinha “palavras cruzadas” para meninas, era um jogo só. Então o capitalismo vende bastante. É aquele negócio: você tem um taco de beisebol rosa – então você vai comprar aquele para a menina. Se você comprar um taco de beisebol normal para a menina, o pessoal vai achar estranho, porque ela é menina, ela tem que ter um taco de beisebol rosa. E aí ,se tiver um irmão, você não vai usar o taco de beisebol rosa de jeito nenhum. Vai ter que comprar outro taco de beisebol. Então você acaba vendendo em dobro! É rentável, alguém está ganhando com essa história, mas não é a sociedade. Faz poucos anos (uns 3 anos), que eles lançaram salgadinhos, tipo “Elma Chips”, para meninos e meninas. A embalagem para as meninas era rosa e tinha um sabor diferente também. O sabor dos meninos era sabor barbecue, porque homem que é homem, homem que é macho, come carne. E para a mulher, não sei o que era o salgadinho dela, se era sabor salada (risos). Acho que não era sabor salada. Ah, era cream cheese, porque tem que ser em inglês também, né? Aí você fica pensando: “e se você quiser o sabor barbecue? – eu sou menina, não posso” (risos). E o menino, certamente não vai poder ser visto de jeito nenhum com aquele pacote rosa nas mãos, porque, imagina, a masculinidade dele vai ser posta à prova. Então é uma coisa absurda.

O que você acha que mudou no pensamento das mulheres de enxergar que a nossa presidenta é uma mulher? O que isso influencia na própria autoestima, na própria identificação das mulheres? E, no segundo passo, visto que a gente tem esse governo Dilma-mulher, se as pautas históricas feministas, como a legalização do aborto, o combate à violência – se elas estão avançando no Brasil, até se a gente for comparar com o caso do Uruguai, que teve um avanço maior na legalização ao aborto.

Lola: Primeiro, é um ato simbólico. Não dá para ser negado que é um valor simbólico muito forte ter uma mulher presidenta, isso é importante. Eu não consigo avaliar muito bem como isso funciona na autoestima das meninas (das menininhas mesmo, crianças), mas é um valor simbólico. É realmente importante, porque você começa a imaginar, você começa a vislumbrar – “ah, o que você quer ser quando crescer?” – “eu quero ser presidenta, por que não?”. Então, era uma profissão estritamente masculina, nunca tinha tido uma presidenta. O valor simbólico é realmente fundamental. Obviamente, só isso não resolve absolutamente nada. Eu acho que, em geral, os movimentos feministas estão bem decepcionados com o governo Dilma, porque não está avançando em vários direitos, várias conquistas, que a gente gostaria de ver, como a legalização do aborto. Não só não está avançando, como foi totalmente silenciado qualquer debate. O governo está adotando uma política de avestruz, fingindo que não é com ele, que “ah, isso daí não cabe ao Executivo. Cabe ao Legislativo, cabe ao Judiciário, a gente não tem nada a ver com isso”. Enquanto isso, têm milhares de mulheres, geralmente pobres e negras, morrendo por abortos clandestinos, e o governo simplesmente deixa que isso continue. Eu acho que o governo é cúmplice nesse massacre e não está tendo discussão nenhuma. Eu acho que a responsabilidade é também das alianças. Você faz aliança com partidos muito retrógrados, que não querem saber de Estado laico também.

O argumento contra o aborto acaba sendo (mesmo que o pessoal comece a falar “não, não tem nada a ver com a religião”) – sempre vai ter alguma coisa a ver com a religião. Daqui a pouco, eles vão estar querendo proibir a pílula do dia seguinte. Quer dizer, se depender deles, nunca teria existido a pílula do dia seguinte. Então é triste que o governo não esteja cumprindo essas coisas. A campanha também foi muito ruim. No segundo turno, já tiveram que ser feitas várias concessões. É aquele negócio: você tem que acabar provando para os conservadores que não é um perigo para a sociedade. Só que já passou tanto tempo! Eu até entendo que no primeiro ano, para não assustar ninguém “não, não vamos colocar isso em pauta”, mas nunca mais? Quer dizer, nem agora? E segundo mandato também vai ser assim? Vai continuar com a mesma política? Porque é muito decepcionante ver. Quer dizer, estaria muito diferente a questão das mulheres, das minorias, se a gente tivesse um governo de direita? É difícil saber, mas podia ser pior? Eu não sei se pode ser pior, está muito ruim!

Claro que têm avanços, a lei Maria da Penha é um avanço, certamente. Todos aqueles “disque denúncias” são importantes, mas têm muitas coisas que estão paradas. É o governo mais feminino que a gente já teve, porque tem muitas ministras – isso é importante, mas só isso? Você está presa a todo um sistema de alianças, presa a valores conservadores. Eu acho que elas têm intenção, que o histórico dessas mulheres é de luta, é um histórico de gente que gostaria de ver o Brasil mudar. Eu tenho essa esperança. Então, elas têm que se libertar dessas alianças, ou senão fincar o pé e falar: “oh, vou ganhar no segundo turno mesmo. Não tenho adversários, só que o meu governo vai ser assim. Se vocês não quiserem, lancem o próprio candidato e acabou.” Quando que o governo vai fazer isso? Tem que fazer isso em algum momento, ou vai abandonar todas as lutas.

A gente vê uma diferença, ainda vê uma diferença grande entre o discurso do partido em si (porque o PT, afinal, aprovou uma medida importante dentro do PT, que é aquele negócio de 50% das cotas – quer dizer, 50% dos candidatos vão ser mulheres – isso é uma coisa fundamental), só que dentro do governo, no Executivo, você não vê isso sendo levado adiante. Tem que mudar. Eu ainda tenho alguma fé, espero que as origens do PT,que, de repente, os movimentos de base do PT falem mais alto. Por enquanto, está muito decepcionante.

Como a reportagem do Fantástico com a Dilma, que falava de questões estéticas e de aparência e não tratava das questões políticas…

Lola: Isso. Isso acontece com qualquer mulher numa profissão majoritariamente masculina. Quase toda a reportagem que mostra uma mulher pedreira, capitã do exercito. O “Fantástico” fez uma reportagem da mulher, uma militar, que comandou o réveillon no Rio de Janeiro – primeira vez que uma PM comandou o réveillon no Rio. Um enfoque desses muitas vezes é feminista, porque você está quebrando fronteiras, você está mostrando que é a primeira vez que uma mulher faz isso – mostrando que mulher é tão capaz como homem. Só que sempre no meio dessa reportagem, você tem alguma coisa sobre ela ser muito vaidosa, de ela fazer as unhas, ir ao cabeleireiro; mostra o guarda-roupa com os vestidos e sapatos. Sempre tem alguma coisa da mãe também – dela como mãe. Então sempre dentro daquela reportagem tem uma tentativa de falar que o papel de mulher ela está cumprindo também e que  isso é o importante. É raríssimo você encontrar uma reportagem que não tenha esses deslizes, que para mim são bem graves. Muito de vez em quando você encontra algo que não fale do papel decorativo ou do papel de mãe.

E tem a questão das mulheres na política sempre acabar na dicotomia entre a “mão de ferro” e uma mulher com o “espírito maternal”…

Lola: É por isso que é tão difícil a posição de uma mulher na política, porque é um espaço considerado masculino, é um espaço que, inclusive, masculiniza a mulher. Então a mulher tem que provar que ela é feminina. Qualquer coisa que ela fizer já vai ser vista como dura, porque ela está numa posição de poder, que não é bem-vinda para ela – é contra o feminino. O feminino é associado à passividade, à obediência, a não ter voz ativa. Sempre vai estar nessa posição de desvantagem. “E o que você vai fazer?” você vai falar “dane-se”. Eu acho que isso a Dilma faz, ela não tem ligado muito pra isso aí.

É sempre assim, o vestuário dela vai ser sempre criticado, sempre analisado, mas, pelo menos, por ela [Dilma] não ser mãe de bebê, atualmente, ou de crianças jovens, não têm essas perguntas que só fazem para políticos mulheres: “e como você vai conciliar a carreira com o cuidar da casa, criar os filhos?”. Nunca perguntam isso para os homens. A mídia sempre tenta reforçar o papel da mulher – isso a gente tem que conseguir mudar, criticando.

Sinceramente, eu vejo uma abertura maior, principalmente entre as jornalistas. Os jornalistas eu tenho minhas dúvidas, mas as jornalistas eu vejo que estão tentando sempre colocar alguma pauta, alguma declaração de uma mulher feminista, coisa que não existia antes. Então eu estou vendo, pouco a pouco, essa novidade. Vamos ver se continua. Eu acho que muitas se identificam também com o feminismo. Tem muita jornalista feminista, sinceramente, que estão dentro de um sistema que é difícil, que é totalmente ultrapassado, porque se a gente for ver o modelo de revistas femininas, é o mesmo modelo de 50, 60 anos atrás, que ainda assim é “decoração, culinária, maquiagem, cabelos, moda”; pouco a pouco ainda trazem alguma mulher com um pensamento político, de direitos humanos, essas coisas, mas ainda é pouco. Então está dentro de um sistema, dentro de uma emissora, de um veículo da grande mídia que vê o feminismo como um movimento revolucionário, sabe que o feminismo também é anti-capitalismo. E aí, vai abertamente contra os interesses daquele veiculo. É complicado, mas acho que, pouco a pouco, as jornalistas estão se infiltrando. Acho que estão tendo maior voz também.

LOLA ARONOVICH: “NÃO CONSIGO DESVINCULAR O FEMINISMO DE OUTRAS LUTAS SOCIAIS”, pelo viés de Marina Martinuzzi e Nathália Costa.

Colaboraram: Bibiano Girard e Tiago Miotto.

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