Groove para OCUPAr o cenário

Fotos que acompanham o texto: Rafael Balbueno (Boate da União, 18/03/2016)

Desde seu início a Guantanamo Groove é uma fusão de influências. A própria descrição do power trio, formado por Gustavo Garoto (guitarra e voz), Yuri ML (baixo e voz) e Vagner Uberti “Vago” (bateria), diz o seguinte: “a Guantánamo Groove parece ser um power trio de rock funkeado, groove sambado, ska abrasileirado (ou qualquer outro conceito que surja dessa contraditória mistura de influências – não temos muita certeza)”. Dessa mistura que parece ser inesgotável em novas possibilidades e sonoridades, surge um som sem barreiras entre o local e o global, um caminho aberto para, acima de tudo, não parar de experimentar.

Dos primeiros shows, muito mais recheados de covers e versões, até o lançamento de um disco autoral completo e maduro, se passaram pouco mais de três anos de trabalho e de muitos encontros do destino – até mesmo o furto de parte da bateria da banda, ocorrido ainda no início dos trabalhos, é visto por eles como algo positivo, que fez com que a banda, e não mais os três como músicos, tivesse um “caixa” e, por consequência, a possibilidade de um Norte (ou um Sul, como com certeza prefeririam) artístico.

Aliás, a mão invisível do destino acompanha a banda desde sua formação, quando Garoto e Yuri fortuitamente se encontraram em um estúdio, um saindo e outro entrando para gravar ainda em outros projetos pessoais. De lá pra cá, como diria BNegão, muito mais gente chegou para somar no groove da GG. O power trio foi ganhando participações especiais cada vez mais presentes e, agora, nem pensa mais em tocar na formação “original”, quer groovar cada dia além, com metais, teclados, percussões e tudo mais que for possível.

Depois de lançarem o EP BOCA (2014) – primeiro trabalho em estúdio do trio – um disco completo virou o objetivo, atingido agora com o lançamento de OCUPA, álbum com treze faixas, quase vinte músicos envolvidos, mais de uma dezena de artistas gráficos, produtores, arranjadores e carregadores de caixa. Além disso, OCUPA logra de um outro número, talvez o mais impressionante e contemporâneo de todos: a produção do disco contou com mais de uma centena de apoiadores num projeto de financiamento coletivo (crowdfunding) que superou em muito a meta da banda.

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Agora, após um mês de eventos de promoção do novo álbum, chega a hora do lançamento oficial com toda a pompa e circunstância merecida, no Theatro Treze de Maio, o palco mais tradicional de Santa Maria, terra natal do encontro entre os três. E o show no Treze, confirmado para o próximo dia 31 de março, será definitivamente especial para a banda. Para a ocasião, talvez única, a Guantánamo contará com a participação em palco de grande parte dos artistas envolvidos na feitura do disco.

Falando em show, foi justamente após um desses, da gira de divulgação do OCUPA, que a banda conversou conosco. Era uma sexta-feira de chuva, suficiente para assustar quem não havia saído de casa, mas incompetente em fazer arredar o pé de quem já estava no Centro de Eventos da UFSM para a Boate da União, festa promovida pela direção da Casa do Estudante Universitário II, a CEU II. Nesse dia, a Guantánamo Groove já colocova em prática uma nova e definitiva política da banda: não tocar mais enquanto um trio. Por isso, além de Garoto, Yuri e Vagner, somaram-se no groove dessa noite – e na entrevista feita no camarim da banda – os músicos Marcio Echeverria (teclados), Edimilson Dias (percussão) e Hélio Abreu (trombone). Além deles, o produtor do disco Leo Mayer também subiu ao palco da Boate da União para participação especial na guitarra em duas das músicas da apresentação.

Foto: Rafael Balbueno

Viés – Pra começar vamos falar sobre o álbum, como foi a concepção desde a ideia do crowdfunding, passando pela gravação, a experiência toda de um álbum que é mais do que só música, que tem todo esse processo até chegar ao show no dia 31 no Teatro Threze de Maio?

Yuri – Assim, se nós olharmos em perspectiva, até falei pros guris, olhando a longo prazo, nós finalmente estamos terminando a nossa primeira missão da banda. Claro que tiveram várias outras missões, mas quando a gente se juntou e disse “bá, vamô tocar, é isso aí mesmo”, rolou o primeiro ensaio, o primeiro show, a primeira missão imediata. O primeiro ensaio foi no final de outubro de 2012, o primeiro show em novembro. Já tá há 3 anos e meio aí. A primeira missão foi, “- somos uma banda? – Somos uma banda! – E qual a primeira missão? – Gravar em alta qualidade, nós precisamos ter material, produzir conteúdo”.

A gente alcançou isso na primeira experiência com o BOCA . Entramos em estúdio, gravamos, aprendemos, vimos como era, junto com o Leo (Leo Mayer, produtor do BOCA e também do OCUPA) que, inclusive, estava começando também, foi um dos primeiros discos que o Leo produziu e lançou. Ele já tinha gravado o da Agranel (o EP “Nem tudo vem em pacote”, de 2010), mas como independente um dos primeiros foi o BOCA, e depois, agora em 2015, gravamos, finalmente, o nosso primeiro disco. Então o que a gente tá vivendo aqui em março é o resumo de três anos e meio de trabalho. Têm músicas desde o primeiro show, como Nina. Eu lembro que no primeiro show, no (Bar do) Pingo, nós já tocamos Nina, e ela só foi ser gravada agora no disco. E como tem também João do Santo Expedito, que é fruto do EntreAutores, uma parceria com o Erick (Corrêa, coautor e que também participa da gravação da faixa), de meses atrás. Então o disco é um resumo. Quando nós formos olhar pra trás o disco vai ser um resumo dessa época, o primeiro período da Guantánamo Groove. E nós estamos consagrando isso agora.

Gustavo – Em relação ao processo artístico do OCUPA em si, eu lembro que tava conversando com o Vago, um pouco depois de a gente lançar o BOCA na Concha (Acústica do Parque Itaimbé), vimos os vídeos e pensamos “pô, é isso aí, é a gravação que faz acontecer a coisa, que gira, que faz a galera conhecer o som, faz não existir só na nossa cabeça”. A partir daquele momento a gente pensou: “tá, nós temos que gravar logo esse disco, numa data muito próxima”. A partir disso, a gente começou a configurar uma prévia de 10 músicas, não exatamente as treze que estão aí no OCUPA, e já começou, buscou o Hélio (Abreu, nos trombones), buscou sopros… A questão era assim, “qual vai ser o formato da banda? Como vai existir? Como vai ser a Guantánamo Groove? A gente vai continuar como trio ou vamos agregar elementos”?

E a gente optou por fazer sem restrições, sem limitações musicais, porque o BOCA é cru, no sentido de verdadeiro, é praticamente ao vivo, apesar de ser gravado em overdub (técnica com instrumentos sobrepostos, gravados separadamente), ele é um fruto bem do que a gente tocava mesmo. A gente se permitiu mais no OCUPA, no sentido que a gente procurou sopros e, desde o final de 2014, quando a gente fez um ensaio, gravou esse ensaio e a partir daí buscou fazer arranjos em cima disso.

Yuri – E aí entra um cara muito parceiro nosso, muito importante que hoje tava no palco junto também, que é o Márcio Echeverria (teclados e responsável pelos arranjos de cordas e metais em algumas faixas do OCUPA)…

Gustavo – Até antes do Márcio, com o Darwin (Pillar Corrêa, responsável pelo arranjo de metais em duas faixas do OCUPA)…

Yuri  – O Darwin, exatamente! Com a necessidade de botar sopros e outros elementos, a gente procurou pessoas que entendessem disso. Fomos atrás de um amigo nosso que é formado em composição na música e foi professor de teoria musical do Garoto. Ele já nos deu os primeiros incentivos, toques, tava super empolgado com a gente, era muito massa. Ele incentivou a gente, fez a gente acreditar. Fizemos os dois primeiros arranjos com ele, e aí ele passou no mestrado em Porto Alegre, e tinha mais uns arranjos de orquestra pra fazer, outras coisas, aí ele disse “gurizada, eu vou ter que abandonar o trabalho”, mas nos colocou em contato com o Marcio Echeverria, que já tinha produzido uns sons da Vespertinos antes de trabalhar com a gente. Era a referência que nós tínhamos, daí conhecemos o trabalho dele. E bá, se encaixou super bem, passamos umas tardes trabalhando, produzindo com ele já, o Garoto com mais afinco de fazer uns arranjos, e isso foi pro disco, né? Ele participou junto da gravação com a gente.

Foto: Rafael BalbuenoGustavo – É, e posteriormente agregam-se mais elementos, a gente foi gravando e foi vendo o que cabia. Por exemplo, o Seco (Felipe Conrado Quadros) gravou o pedal steel em Suave é a Noite, que eu não lembro nem quando surgiu essa ideia, mas foi uma coisa bem orgânica, no meio das gravações e todo esse processo. E durou, factualmente assim, desde esse começo, como marco inicial esse primeiro ensaio que a gente fez por necessidade de gravar o bruto, de novembro de 2014 até…

Yuri – Até janeiro de 2016. Porque a gente finalizou o disco e mandou pra fábrica em novembro de 2015, mas antes de a gente lançar no Spotify nós fizemos uma última sessão de gravação, a gente foi lá com o Marcio Kbecinha (Márcio Tolio, percussionista) e botou percussão no começo de uma faixa que nós sentimos falta de uns elementos, e também pra abraçar o Kbecinha, que é outro mestre nosso e parceiro também. Ou seja, mesmo depois de o disco já prensado, pra versão online nós agregamos mais uma faixa ali na introdução, que é na faixa…

Gustavo – Na Homem Bomba. É, e dessa data aí (novembro de 2014) até janeiro a gente trabalhou semanalmente, toda semana a gente tava fazendo algum corre pensando no disco. E acho que foi muito bom linkar com o Homem Bomba, obviamente, com o (MC) Magrão, que desde o inicio é uma faixa muito importante pro disco, não é a toa que ela fecha o disco, porque o Magrão fez essa parceria conosco, tocou algumas vezes ao vivo com a gente, seis vezes ao vivo, eu acho, e uma delas foi gravada numa câmera comum, assim, de celular, lá na Gare, que foi a primeira vez que a gente tocou ela ao vivo, no projeto Vós, do Macondo e do Fora do Eixo. E aí a gente tocou esse som e foi a única vez que ele foi gravado completo (confira aqui a versão feita em outubro de 2013) a gravação. Aí depois do falecimento do Magrão, a gente viu necessidade de gravar… a gente já ia gravar de qualquer maneira, ia convidar ele pra cantar, mas a gente viu necessidade de gravar e tinha esse empecilho, mas a gente fez questão de fazer o possível, a nossa única opção era usar algum áudio dele. E deu certo, depois de muito trabalho, com a produção do Vini, da Geringonça (Vinicius Bertolo, baixista da Geringonça e produtor musical), que ajudou a gente a conceber os primeiros detalhes, assim.

A gente montou a banda num novo cenário, onde a competição não é mais a linha que dita o ritmo, entendeu? É a coletividade, saca?

Yuri – É, e nós gravamos toda a pré-produção do disco no estúdio do Vini também. E, cara, é realmente assustador se a gente for pensar a quantidade de pessoas que atravessaram nosso caminho nesse processo todo. É muito grande, desde as primeiras gigs com os sopros, que a gente fez com o Hélio (Abreu) e o Jari (Amorim, trompetista), que ajudaram a conceber como seria o som, até a gente gravar com o Leozinho, com o Danilo Xisto (trompetista que participa da gravação do OCUPA), e outros caras muito sensacionais no sopro também. Foram 18 músicos que participaram com a gente, o Edimilson (Dias, percussionista), o Jonathan (Santos), que é um moleque da música que tocou violoncello, o Vinícius (Kunzler) no violino, o Bebeco (Rocha, tecladista) que também foi nosso parceiro já no Macondo Circus, quando a gente se apresentou uma vez junto, inclusive, com o Magrão. Ele (Bebeco) tocou Homem Bomba, e nós o chamamos pra gravar pro disco a faixa. Numa casualidade, até, porque o Bebeco tava morando na Irlanda, a gente tava até sem contato, assim, e ele chegou a tempo de gravar o disco. Nós não tínhamos ensaiado, nós não víamos mais ele, mas o registro do Homem Bomba era com o Bebeco, saca? E isso é uma coisa que a gente sempre teve como principio, que é algo que o Gustavo tem, que eu tenho, que o Vagner tem, que é a vontade de agregar, entendeu? A gente montou a banda num novo cenário, onde a competição não é mais a linha que dita o ritmo, entendeu? É a coletividade, saca? Eu olho pra um outro baixista, eu olho pra um outro músico como um parceiro que pode somar, pode agregar na musica do cara, entendeu?

Foto: Rafael Balbueno

E foi assim que fomos fazendo… Com o Magrão a gente ficava de cara, olhando as batalhas de rima lá nos Bombeiros vendo o Magrão rimar por aí, conhecendo ele dos outros corres da rua, de manifestações, da rua mesmo… Tanto que Homem Bomba foi concebida na quadra de basquete do (Parque) Itaimbé, entre um jogo e outro ali, saca? E a gente sempre quis agregar, por isso que nosso disco hoje foi feito, sei lá, por duzentas pessoas: cento e tantas do crowdfunding, mais treze ilustradores, um pra cada faixa do disco, mais dezoito músicos, mais toda a galera que apoiou, saca? Isso que é mais legal, isso que faz a gente vir tocar. A gente vai lá e faz um chamamento na internet, “vamo tocar na Concha” e a Concha enche, entendeu? A gente faz essa troca e teve isso de volta.

A gente sempre teve isso por diretriz e recebeu a resposta de volta. O crowdfunding foi isso, a prova de que a galera está a fim de financiar música, de ajudar, e foi isso que viabilizou pelo menos parte do disco, porque o disco custou mais do que a gente arrecadou…

Gustavo – Sim, é engraçado a gente falar que na verdade a gente nuca tirou dinheiro da banda pro bolso…

Vagner – Só nos dois primeiros shows…

Gustavo – É, e ainda por um acontecimento determinante, que eu bem que poderia ter feito isso, mas que eu não estava envolvido, que foi a perda dos pratos (da bateria)…

Vagner – Dos pratos e do pedal do bumbo. Eles foram perdidos numa sexta, antes de tocar num sábado no Macondo. A gente tava indo pro ensaio, e desceu da minha casa com todos os instrumentos, eu lembro muito bem, pra botar no paliozinho vermelho guerreiro do Yuri… A gente estava guardando as coisas dentro do carro, eu alcancei os pratos e o pedal do bumbo pro Yuri e ele atendeu um telefonema…

Gustavo – Era eu!

Vagner – Tá, mas então tu é o culpado (risos)! E aí tá, ficou por isso, a gente entrou no carro e saiu… Aí só depois que eu fui ver nas câmeras do prédio que na hora passou um cara, olhou aquele material ali, voltou, levou e seguiu o rumo…

Gustavo – É, aí por que que eu acho que isso é bem simbólico? Porque a gente começou a tocar no improviso, surgiu uma data, aí outra data, foi tocando, aí tocou na Concha (no dia 1º de dezembro de 2012), e aí logo depois o Yuri foi pra Brasilia, surgiu uma oportunidade de estágio e ele foi trabalhar na ONU lá. Foi aquele freio, assim… bá, seis meses… mas que foram bons também, foi quando surgiram algumas das músicas, como Suave é a Noite, Satisfação total, Itaimbé…

Vagner – É, a gente fazia e mandava os áudios pro Yuri. Era aquela coisa vai, vai, vai, mas não ia.

Foto: Rafael Balbueno

Gustavo – E aí o que acontece, a gente marcou uma data em maio, no meio do semestre, no Macondo, e ele veio só para fazer essa data, que foi quando deu toda essa zica assim (da perda dos equipamentos). Mas também foi bom porque com a perda a gente ficou “puts, que a gente vai fazer?”. Aí pedimos ajuda pro (Daniel) Gabardo e o (Vinicius) Nicolini (baterista da Geringonça) pra ter os materiais naquele dia, mas surgiu também a necessidade da gente se organizar, entendeu? “Como que a gente vai fazer pra comprar esse material?”, tá, então  nós vamos gerar o caixa da banda. Foi daí que a gente fez surgir a coisa mais como uma “empresa”, não sei se é o termo, mas foi o passo inicial para a organização, e hoje em dia estamos mais organizados. A partir daí todos os investimentos partiram desse caixa centralizado. Não tinha como existir de outra forma.

É, e desde esse dia até hoje a gente já girou uma puta grana no mercado informal da economia criativa aqui de Santa Maria. Agora temos instrumento, amplificador, pagamos as contas do carro da banda… Na medida do possível, vamos tornando séria a parada que as pessoas acham que seja simplesmente uma diversão, de só subir no placo. A gente trabalha toda a semana, com comunicação, com função, tentando fazer com que as pessoas vejam que é um trampo, entende? É a nossa vida, nosso sonho, nosso projeto.

Edmílson Dias – E é interessante que o pessoal compra a ideia. A gente não consegue dizer não pros piá. Tipo, Suave é a Noite nós gravamos passado das onze da noite no quartinho do meu apartamento com umas maracas (instrumento de percussão) de brinquedo. Então quando surge um desafio o cara pensa em fazer uma coisa, mas faz também porque o pessoal todo acredita no esforço.

Yuri – Claro! Tem esse pagamento simbólico, sempre existiu, uma troca, e que no fim das contas se reverteu em dinheiro no crowdfunding. Muita gente veio nos dizer que acreditava no nosso trabalho e a gente dizia “mano, se tu acredita no nosso trabalho, dá sessenta reais agora que daqui um tempo a gente te lança uma camiseta, um CD, um adesivo, e um abraço e ainda nós vamos conseguir gravar nosso disco”.

Nesses três anos e meio já conseguimos pagar uma galera para trabalhar com a gente, não precisamos mais depender de favor, a gente paga a galera, e estamos  na medida do possível reinvestindo essa grana. E isso é uma escolha política e econômica, entende? A gente precisa viver, mas não vai rasgar nossos princípios em nome da grana. A emoção e a energia ainda estão em primeiro lugar.

Viés: Além da etapa musical do disco, existe toda uma questão de posicionamento no atual mercado da música, do processo, da questão do financiamento coletivo, do download de graça na internet, e até pensando nos capitais simbólicos que estão, por exemplo, no nome do disco, OCUPA. Essa parte não musical do processo, como funcionou?

Yuri – Sempre foi baseado em conversa e no consenso. A gente troca muita ideia sobre consumo da música, como nós vamos monetarizar nossa musica nesse novo cenário. Porque não dá para fugir, ser um artista supremo na sua sabedoria, na sua arte, que simplesmente produza arte e solta ao mundo esperando a transformação acontecer. Não, a gente faz nossa arte, mas precisa botar grana no bolso, precisa comer, precisa pagar o aluguel. A gente acredita nessa troca, a energia que acontece com o som vai acontecer de qualquer maneira. A gente troca ideia, observa ao redor o consumo de música. Desde que se criou o Napster, e que se começou a se compartilhar MP3 adoidado, desde que o Kazaa e depois o Youtube explodiram, é contraproducente colocar mais uma barreira, além das infinitas barreiras que existem para ouvir música, seja pelo monopólio da mídia ou pelo jabá eterno das gravadoras lançando porcaria nos meios de comunicação massivos, seja a limitação geográfica ou, na nossa geração, que tem uma característica muito peculiar que é estarmos todos afogados em conteúdo, onde se tu quiser ouvir um afrobeat da Malásia feito por europeus tu coloca no Google e tu acha. Existe tudo num poder de um clique. Então são inúmeras barreiras que é preciso atravessar para fazer tua música, tua mensagem, a tua poesia atingir o coração de alguém. Então não adianta a gente colocar barreira financeira, não adianta se fechar num estúdio, gravar o disco e dizer “nós só vamos tocar com cachê de tantos mil reais” e é isso. Não, a gente acredita na troca, e que nessa troca de energia as coisas acontecem.

Foto: Rafael Balbueno

Nesses três anos e meio já conseguimos pagar uma galera para trabalhar com a gente, não precisamos mais depender de favor, a gente paga a galera, e estamos  na medida do possível reinvestindo essa grana. E isso é uma escolha política e econômica, entende? A gente precisa viver, mas não vai rasgar nossos princípios em nome da grana. A emoção e a energia ainda estão em primeiro lugar. Não sei se o Garoto quer acrescentar algo.

Gustavo – Não, eu me sinto contemplado pelo que tu falou. E, é, o OCUPA é uma esteira de um pensamento, fruto de uma mudança muito longa, a gente não esta dissociado da realidade musical, do ambiente em Santa Maria. A gente viu e achou fascinante, por exemplo, a Geringonça ocupando os espaços públicos, o CO-RAP, que faz isso muito bem, com uma linguagem muito forte, muita criatividade. Mas pra falar da Geri, que a gente considera uma banda irmã, nosso primeiro contato mais intenso foi no lançamento do Bico/Pharmacê. Esse lançamento aconteceu na Praça do Mallet e a gente tocou junto também com o pessoal da Casa9 (Ateliê Casa 9), com a Ação Rupestre dos Neo-Bárbaros. E foi um dia maravilhoso, a gente queria fazer isso pra sempre, todo final de semana. E isso deu gás para ter essa coisa de ocupar. Isso foi antes do lançamento do nosso EP, aí a gente acabou gravando e lançando o EP com os equipamentos da Geringonça. O Vini foi lá, às dez da manhã, com a Belina dele, montou tudo, fez os corres de graça, o Paulista (Rodrigo Cidade, violonista e vocalista da Geringonça) também, foram lá, ajudaram até a varrer. O Vini pegou sol e queimou a careca fazendo isso (risos). E ele fez tudo isso pra ajudar a gente, e isso é uma ação muito simbólica, pra ver como esses caras estão pelo corre. Claro, se receber pra isso, a gente fica maravilhado, mas eles estão lá por uma coisa muito maior.

E o fato de ocupar a gente pode linkar com muitas situações no Brasil. O fato da ocupação das escolas públicas, que ocorreu depois de a gente escolher o nome do disco, mas deu uma coesão, pra gente recolher forças, essa carga simbólica.

Yuri – E a palavra tem uma simbologia muito grande. São boas as palavras fortes assim porque elas permitem inúmeras interpretações. Desde a contradição entre ocupar e invadir, que é pauta histórica dos movimentos sociais, desde a ideia de ocupar todos os espaços que a gente conseguir. A cada disco que a gente vende a gente troca a ideia: “velho, só o que eu te peço é que tu leve esse disco ao máximo de lugares que puder, transmita essa ideia”. E nós vamos ocupando, abrindo espaço. Assim como quando a gente vai à Canela trocar ideia com os amigos da Dr. Hank, faz uma gira lá, demarca aquele espaço e depois eles vêm tocar aqui, essa ponte já ocorreu várias vezes. Isso só melhora, sabe? A gente vai abrindo espaço.

Gustavo – E além disso, se o Boca foi a nossa primeira fala, né, o OCUPA é tu ocupar aquele espaço, mijar na parede! Vem daí a ideia dos cachorros, uma coisa muito simbólica porque eles ocupam muito.

Vagner – Tem um detalhe da capa do disco que é muito importante. O Gustavo veio com essa ideia, a gente mora junto, divide a casa com os dogs (Leonel e Jairo, que aparecem na capa do disco), aí ele disse “imaginei a capa do disco com o Leonel mijando com o toba aparecendo” (risos). Daí eu perguntei para ele de onde a gente conseguiria a foto, não tem como, vai ficar ruim. Jamais pensei que a gente fosse conseguir tirar essa foto. E foi justamente a primeira foto que a gente fez na frente da nossa casa, acabou sendo a capa do disco. O Gustavo mentalizou essa foto, aconteceu e agora está eternizado na capa do disco. O toba do Leonel e do Jairo ocupando (risos). Vem mais a confirmar essa ideia de ocupar com os cachorros. Os cachorros moram com a gente, a gente divide a mesma casa, as responsas, e eles ocupam a cidade.

Foto: Rafael Balbueno

Viés – Sobre as músicas do disco que até então eram inéditas…

Gustavo – Inéditas, inéditas do disco são A Culpa, Estranho, Gratidão e Saiba Ver o Sol.

Viés – Falem um pouco sobre essas quatro em especial e, também, pro Vago falar um pouco dessa coisa de estar mais ali atrás, na bateria, tendo o Yuri e o Garoto mais na frente do palco, cantando e em destaque, mas sempre segurando tudo na cozinha da banda…

Vagner – Cara, o processo de composição da Guantánamo é muito massa porque é  assim, normalmente chega o “meu compositor” (em referência ao Garoto, compositor de 12 das 13 faixas do disco) com a ideia bruta ou mais ou menos bruta, melodia e tudo mais e a gente vai achando o que cabe e o que não cabe, insistindo, não insistindo. E aí muito dessas músicas rolaram de experimentações. Eu lembro que Estranho foi uma muito massa. O Garoto chegou com a ideia de timbres e tal e nós fizemos uma jam de uns 27 minutos e começamos a experimentar, até porque Estranho destoa muito das demais musicas do disco, até em questão de levada, eu nunca tinha pensado numa levada daquela e simplesmente surgiu, fluiu. Sempre é uma coisa natural, se for parar pra pensar é difícil descrever porque acontece, parece que vem da gente, que vai encaixando.

E eu me sinto muito feliz de estar rodeado desses caras, que são muito fodas, o Yuri, o Garoto e todo mundo, sou privilegiado porque acima de tudo eu sempre gostei de tocar, e desde os primeiros shows da Guantanamo era (faz movimentos rápidos com as mãos reproduzindo a rapidez da bateria)  beat e variando para um lado e para o outro, pra cima pra baixo, emoção. E aí começou a ficar mais profissional, “ó, vamô acalmar” (risos), “responsa, nós temos um negócio pra honrar”. E aí flui tudo ao natural, foi acontecendo, a GG é muito massa  no seguinte, eu observando vejo que a gente vem numa crescente, não tem lance de queimar etapas, a gente foi lá desde o comecinho e a coisa agora já tá mais estruturada, eu vejo que o pessoal tá acreditando, todo mundo botando a maior fé e isso é lindo, cara, porque, como o Yuri falou, é o projeto da nossa vida, a GG é o meu projeto. Eu faço outros bicos aí, mas aqui é na fé.

Gustavo – E é isso, se tivesse um que estivesse  pela metade, dizendo “ah eu toco com vocês mas”…

Yuri – …”Mas aí eu tenho uma festa de quinze anos da prima” ou sei lá o quê! Não, a gente quer fazer um som.

Gustavo – E também a gente é muito diferente. A gente briga muito, mas se gosta muito.

Vagner – Fala por ti (risos)! É que é família, né. Eu e o Garoto moramos juntos, o Yuri mora há 50, 60 metros da gente, então a gente é muito junto.

Gustavo – E a gente toca junto em outros lugares, no Free Voice (evendo de karaokê com banda ao vivo  que ocorre no Bar do Pingo)…

Vagner – chega a dar nojo (risos)

Gustavo  – Mas é por isso que a gente se entende tanto no palco.

Foto: Rafael Balbueno

Viés – A gente tá aqui rodeado de gente, além dos três tem toda a rapaziada aí e queríamos perguntar pra eles.  De fato o BOCA tem muito esse clima de jam,do power trio e tal, e esse disco já tem outra pegada, no show também, em A Culpa, por exemplo, é impressionante como os elementos vem se somando, e no show hoje dava pra ver como a galera tá pilhada de tocar, tá curtindo. Como é esse processo pra vocês? Dá pra ver que não é somente “ah, vamos somar ao som”.

Helio Abreu – Eu acho que é muito por causa dessa sinergia que rola entre eles, entre os três, isso extrapola e acaba contagiando a gente, é muito isso, essa energia boa. É muita gente colocando esforço em cima da coisa, e aí vai acontecendo, não tem como dar errado. Vai fluindo.

Marcio Echeverria – Falando como produtor artístico da coisa, o começo com os guris foi foda. o Garotinho me ligou um dia “bá, cara, o Darwin aqui me passou teu contato, a gente tá gravando um CD e quer fazer uns arranjos” e eu pensei que podia ser uma indiada braba (risos), porque eu nem conhecia o cara, e eu vivo em outro planeta, encerrado no estúdio, gravando, daí eles mandaram as músicas e eu “bá, legal, um negócio diferente”, que em Santa Maria eu não via. Aí eu fiz umas coisas e mostrei pro Garoto a primeira vez e não bateu muito. Aí ele chegou lá em casa e falou “não, não, vamos fazer umas notinhas curtas, assim ‘pá-pá-bum’”, aí a gente fez o arranjo de…

Gustavo – De Se Movimente.

Marcio – É ,daí tá, foi legal, mas eu falei “cara, vai ficar muito difícil pro pessoal tocar” (risos).

Hélio – Bá (risos)!

Vagner – Mas o legal é que o pessoal matou no peito.

Foto: Rafael Balbueno

Marcio – É, o legal foi somar, eles eram um trio e aí foi botando mais coisas, aí botamos umas teclas, umas cordas, e aí a coisa foi crescendo e foi tomando uma outra dimensão quando vai preenchendo bem as coisas. E A Culpa é uma música bem diferente do disco, tem violões, que ficou muito bonito, aí entrou depois uma flauta, eu botei umas cordas, né? E são várias coisas acontecendo, sabe? Tem cordas, tem coisas. E aqui tem um show ao vivo que é um rock n’roll do caralho!

Vagner – Hoje foi rock n’roll, né?

Marcio – E não tinha nem trompete, o Hélio tava tocando as coisas assim estourando, porque tem um lance que é pensado, que na gravação tu pode fazer do jeito que quiser, mas quando chega pra tocar ao vivo tu te vira com aquilo que tu tem, entende? E tá massa.

Edimílson Dias – É, nós tocamos todos juntos a primeira vez na Concha (o lançamento do OCUPA, na Concha Acústica do Parque Itaimbé, foi no dia 6 de março de 2016)…

Gustavo – É, é o início de uma formação da banda, na verdade, porque a gente gravou. Só que gravar, beleza, cada um faz o seu , não, é um time agora…

Vagner – Agora reproduz ao vivo, meu galo (risos)!

Gustavo – É, quero ver é juntar todo mundo e, tipo, com o mesmo tempo pra todo mundo, né? E é muito louco porque ao vivo rola uma energia totalmente diferente da gravação, na gravação a gente tá concentrado e tudo isso, mas ao vivo tem que dar emoção, tem que dar pulsação  pra música, tem que fazer a música contar a história dela e é sempre um reescrever.

Marcio – É, tem essa diferença, do ao vivo ter que fazer de outro jeito, trabalhar com menos possibilidades e aí tem que entrar outras coisas.

Yuri – Tem que criar uma atmosfera, tem que contagiar.

Gustavo – Por exemplo, A Culpa nós não tocamos ainda. Tá no pensamento ainda, na ideia.

Vagner – Mas também quantas vozes tu botou n’A Culpa, botou 44 vozes?! (risos).

Viés – No próximo show, só pra constranger, vamos pedir essa… (risos).

Vagner – “Toca A Culpaaa!”, “mas nós não sabemos tocar essa ainda!” (risos).

Foto: Rafael Balbueno

Yuri – Uma coisa é certa, nós decidimos, faz pouco tempo, que a não ser por raras exceções a Guantánamo não vai mais se apresentar em trio, há poucos dias atrás nós realizamos um grande sonho que foi poder viajar em cinco, levamos o Hélio, levamos o Chico (Antunes, trompetista), fomos pra Canela e fizemos uma baita gig lá com a Cuscobayo.

Gustavo – É, a ideia é por aí, nós vamos pra Caxias do Sul e vamos levar o Edinho (Edimilson Dias) e o Marcio.

Yuri – É, a Guantanamo agora vai ter varias formações, entendeu? Na concha nós tocamos em sete.

Gustavo – E no teatro a gente vai tocar em quantos? Dezoito?

Yuri – Não vai dar dezoito, mas é uma galera…

A ideia é tirar do OCUPA até a ultima gota, tentar levá-lo até onde conseguir. E também já estamos pensando no próximo disco já…

Viés – Bom, pra encerrar a gente queria que vocês falassem das perspectivas da banda.

Yuri – Amarrando com aquilo que eu falei no começo, nós estamos fechando uma primeira etapa, né?

Viés – E aí a partir do dia 31 de março em diante…

Yuri – A partir do dia 31 de março nós já temos umas datas fechadas e programadas pra abril e pra maio e temos outros objetivos em mente, já estamos arquitetando as coisas, mas nosso objetivo é alcançar o Rio Grande do Sul da maneira que a gente conseguir até a metade do ano, agora nós já temos umas datas em Porto Alegre, que é uma barreira a ser rompida, e vamos seguir estendendo esse mapa. Nós vamos tocar agora em abril lá em Caxias, que é um lugar que nós nunca tocamos e que tem uma cena foda pra caralho, muitas bandas boas, tri difícil, e vamos abrindo essas conexões. Aí no segundo semestre  já estamos armando as coisas, juntando os pontos pra ir pra São Paulo. A ideia é tirar do OCUPA até a ultima gota, tentar levá-lo até onde conseguir. E também já estamos pensando no próximo disco já…

Foto: Rafael Balbueno

Vagner – A gente precisa surfar mais essa onda ainda, na verdade a gente ainda tá na base dela, vamos lançar oficialmente o disco, o lançamento oficial é lá no dia 31, né?

Gustavo – Essa entrevista, vocês tão pensando pra antes do dia 31, antes do teatro?

Viés – É, pra antes do show, sim.

Gustavo – Pois é, tomara que o que eu diga eu me desminta, mas eu acho que vai ser a única vez que nós vamos conseguir reproduzir o OCUPA com todas as pessoas do disco. É pra ser único, uma noite única e muito especial, sincera mesmo. Dá pra falar também que tem um pessoal preparando uma coisa especial pro dia do show lá no teatro, não dá pra dizer o que é, mas vai rolar uma surpresa e tal.

Yuri – Vamos dizer que o espetáculo no Treze de Maio vai extrapolar a questão musical do disco OCUPA, nós vamos agregar outros elementos. Vai ter elementos visuais, com outros artistas que participaram da função do disco com a gente também. E o que a gente espera é que essa historia esteja apenas começando…

Gustavo Fechou? Encerrou?

Viés – É, acho que era isso.

Vagner – Vamos se abraçar?

Várias vozes – Vamos se abraçar!

[No camarim, a entrevista acaba com um abraço coletivo. A última  frase captada pelo gravador é: “só me garante essa gravação aí, pelo amor de deus!” (Risos)] 

Foto: Rafael Balbueno

Groove para OCUPAr o cenário, pelo viés de João Victor Moura e Rafael Balbueno

Fotos: Rafael Balbueno

Colaboraram: Bibiano Girard e Marina Martinuzzi

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