VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO

“Viajo porque preciso, volto porque te amo” é demasiado bonito – o jogo entre palavras, sentimentos e oscilação – que, se o cartão de visitas da obra fosse o nome, alguns louros angariava. Karim Aïnouz, de quem “Madame Satã” e “O céu de Suely” herdaram intensidade, aplicou, inovador, aos recortes de cenas compiladas para um documentário sobre o sertão nordestino, Sertão de Acrílico Azul Piscina, a narrativa de um homem abandonado pela mulher quimérica.

O cinema experimental, digno de aclamação pela maré incessante de conhecer transformações, é a casa de Karim e de Gomes. Representação, registros e linguagem falada que conchegam nosso imaginário mais simples, mas também o mais bárbaro, de invenções e receios. No reconhecer-se latente do abandonado, o desamor ilustrado e a sensibilidade a favor da poesia visual. Ambos os diretores despontaram tenacidade e altivez em reproduzir pequenas – e recheadas – histórias para o cinema. A música que não mais cantada se perde pelo tempo, mas a letra, engavetada pelo batalhão da amnésia cotidiana, ressurge na garganta apertada, trazendo novamente percepções confortantes, ou lânguidas, nessa ilusão da vida. Karim e Marcelo Gomes pulsam nossas lembranças.

Forrado por depoimentos padecidos – a prostituta quer uma vida lazer – “Viajo porque preciso, volto porque te amo” reconduz-nos aos pontos de uma viagem longa – trinta dias de estrada – espelhando nos meandros da história inúmeros acanhados ápices de narrativa.

O filme, ambicioso e incerto, percorre a história de um geólogo que escreve para a mulher amada que ficou para trás. A audácia dos diretores, como quando Karim transformou o cotidiano de Suely em familiar, neste filme é apresentada ao esconder o rosto do narrador. É incerto porque, ao apresentar primeiramente uma voz restrita a explanações rápidas, constantes, e apenas a visão literal do geólogo, deixa a dúvida planar sobre o futuro. É preciso caminhar com José Renato, e conforme a tristeza da paisagem, e do personagem, alargam, a voz do homem sofrido por amor se torna comum.

O geólogo sozinho tem a voz de Irandhir Santos (Fraga, de Tropa de Elite), um homem no calor infernal do árido brasileiro. Fotos e películas embaçam realidade e ficção. Dos primeiros quilômetros, “eita vontade de voltar”. A mulher nos aguarda, ingênua, quase complacente, em casa.

Dia 2: pesquisa geológica das estruturas tectônicas

A mistura de idolatria devaneadora com literatura técnica geológica é outro passo, não audacioso, como a narração sem rosto, mas espirituoso.  José Renato não perde o timbre de voz entristecido ao dizer, também, dos incidentes físicos do terreno. Das cartas contando os dias para voltar, de um andarilho lírico perdido no vasto espaço, surgem constatações perspicazes sobre geologia, clima e relevo. “O clima da região é árido, o terreno é terciário, argilas de calcário composta por arenitos, siltitos e conglomerados ferruginosos de coloração vermelho-arroxeado”.  O canal deve passar por ali. Já a mulher amada a cada dia fica mais longe. E menos terna.

José escreve para a amada e escreve para o relatório que decidiu levantar para, em frases desarmônicas, percebermos que necessita de um tempo longe. Relatando pesquisas, entorna para seu processo de autoconhecimento pelo qual passa. Surgem, a partir de um José Renato menos lacrimoso e mais contemplativo, personagens no caminho. Prostitutas e motéis de beira de estrada, uma família sem energia elétrica em local sem endereço na planície seca. José Renato quer saber o ideal de vida de seus encontrados. Sonhos que o tamanho não se mede, aspirações bucólicas abaixo de um sol mortificador. A amada dá espaço ao pouco de vida.

O filme, dos roteiristas e diretores Marcelo Gomes (de Cinema, Aspirinas e Urubus) e Karim Aïnouz, lê o deserto do amor e a plenitude do princípio das expectativas. Para quem naquelas terras vive e tira seu sustento, a dualidade de percepções duela com a incerteza das ilusões do narrador. Para muitos, o canal é solução. Para centenas de futuros desapropriados, sê perda e uma inevitável partida.

VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO, pelo viés de Bibiano Girard 

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