"Mad Max – A Estrada da Fúria" é um filme para mulheres, sim


Max Rockatansky  é o típico herói dos thrillers de ação dos anos 80. Sua sequência de filmes, baseados na história do mocinho vivendo tempos pós-apocalípticos, cheios de sangue e porrada, cativaram centenas de jovens na época – e seguiram cativando mais desses jovens, já de outras épocas, com um ideário parecido. Eu, quando era adolescente, não assisti a Mad Max – na época, eram o filme principal e outras três sequências. A última, Mad Max – A Estrada da Fúria (2015), é a produção mais recente (que já não traz Mel Gibson no papel de Max, mas, sim, o ator Tom Hardy) foi lançado este ano e desagradou algumas parcelas da platéia cativa da série que considerou que a produção tinha “mulheres demais no elenco”.
Não deixei de assistir a Mad Max na adolescência por não gostar de filmes de ação. Na real, curtia muito, mas era o tipo de programa que eu não fazia por conta. Era o momento que eu acompanhava o meu pai, os filmes que ele escolhia, e, por tabela, que eu curtia.

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Imperatriz Furiosa, interpretada por Charlize Theron. Foto: Divulgação.

O motivo pelo qual meninas – assim como eu – não tenham se envolvido com filmes de ação na adolescência (no fim da mesma eu já tinha assimilado meu gosto por filmes de ação e até que isso transcorreu sem problemas) é bem mais amplo. Filas para assistir filmes de ação no cinema são comumente associadas ao público masculino – a fatia comercial pré-concebida para as mulheres ainda está no limbo das comédias românticas. E o meu argumento é simples: não se ver nas telas é, consequentemente, se distanciar ainda mais delas. O cinema, assim como a sociedade, reflete (e também constrói) espaços machistas. Assistir a filmes de ação onde o único papel das mulheres é o de serem salvas por algum desses ídolos surgidos em meio a explosões e trocas desenfreadas de tiros, representarem as mulheres para onde – após jornadas de aventura – esses homens retornavam, sempre cunhou no meu imaginário o que eu deveria esperar do meu papel de mulher.
Assisti a Mad Max – Estrada da Fúria duas vezes já. E, sim, fui ao cinema após os comentários a respeito da presença feminina e saí satisfeita com o que eu encontrei. Após o contato com o feminismo, mesmo sabendo de todos os elementos sociais que constroem o machismo, eu não estou imune a me sentir esvaziada por produções que ou me excluem ou não me representam dignamente. E a representação é tão importante porque é um pouco ela, talvez muito ela, que determina o primeiro contato. E, do primeiro contato, aquilo que pode surgir, que pode fazer com que o determinado seja sacudido pela mudança.

Mad Max – Estrada da Fúria não é um filme feminista porque elenca, aborda e discute as pautas feministas. É um filme feminista porque traz mulheres fazendo aquilo que somente homens, por muito tempo, fizeram em filmes de ação. E não podemos ignorar o poder de vermos mulheres fazendo o que homens sempre fizeram com a mesma destreza, naturalidade – pois, afinal, por que não poderíamos?!

É, no fim, o exemplo que vai me impulsionar a fazer algo, a dar sequência. Na segunda vez que assisti a Mad MaxA Estrada da Fúria lembrei de um vídeo com o astrofísico Neil Tyson (que apresenta uma série da qual sou bastante fã – Cosmos – A Spacetime Odyssey).
Neil é astrofísico há muitos anos. Ocupa um espaço que é tradicionalmente ocupado por homens – mas não por homens negros. Seus pais, ainda na década de 60, eram militantes do movimento negro nos Estados Unidos – seguiam as vertentes quentes da ciência, como a sociologia. Já Neil é apaixonado por física desde a infância – seu rumo foi pela ciência fria. Durante boa parte da vida foi questionado sobre os motivos pelos quais teria seguido o caminho diferente dos pais – “por que não seguir pautando as questões elementares ao movimento negro de dentro da sociologia, ou de qualquer ramo que estudasse a sociedade?”. Por muitos anos, Neil criticou-se internamente, achando que não estava lutando na mesma trincheira dos pais e dos demais militantes da causa negra. Porém, quando se viu na televisão pela primeira vez, percebeu que um negro, também pela primeira vez em que ele se lembrava, desempenhava uma função até então reconhecida apenas entre homens brancos. Achou, enfim, o seu espaço de militância. Percebeu que ocupar espaços tradicionalmente atribuídos às maiorias sociais é tão importante quanto construir novos espaços – sem preconceito.
Na ocasião do vídeo que eu citei acima, Neil respondeu a algumas perguntas para uma plateia de cientistas e jornalistas. Entre essas perguntas, foi questionado sobre a presença de mulheres na ciência – questão a qual ele respondeu com um irônico “Eu nunca fui uma mulher. Mas tenho sido negro a vida toda”. Neil fala, então, de oportunidades iguais: precisamos de espaços distribuídos igualmente, de oportunidades que partam do mesmo espaço, pois é isso que é fundamental para falarmos de equidade.

Acima, o vídeo com Neil.
Mad Max – A Estrada da Fúria tem muitos outros elementos dos quais poderia falar por horas: tem uma fotografia excelente, um ritmo (fruto da direção de George Miller) frenético – o que é muito bom em filmes desse gênero – e um roteiro que, apesar de um pouco previsível, é muito interessante porque situa o mundo de Mad Max num espaço apocalíptico tão, mas tão possível, que já enxergarmos nesse mundo de “fogo e sangue” (como o próprio Mad Max avalia) uma semelhança gritante com o “nosso” mundo aqui. Quis abordar neste texto apenas a questão de gênero, mas, para falar de outras críticas interessantíssimas que estão presentes no roteiro, indico o texto As seis críticas sociais pesadas que você não conseguiu enxergar em Mad Max – A Estrada da Fúria.
Ainda assim, depois de tudo, penso que o universo do cinema – um espaço que me interessa muito – ainda tem milhas a percorrer. Mad Max – A Estrada da Fúria, por exemplo, não traz nenhuma mulher negra em um papel importante e determinante na história. Mas Furiosa (a apaixonante personagem de Charlize Theron) já é um exemplo de uma protagonista determinante para a história, plena de subjetividade ao ponto de não poder ser enquadrada como mera coadjuvante – ela é central para o enredo. O tempo todo o filme traz referencias à necessidade de uma revolução feminista para mudar o curso podre que o mundo tem tomado. Considerar mulheres como objetos, explorar seus direitos de reprodução, seus corpos, sua produção, é algo que já acontece e que, no mundo de Mad Max, tornou a sociedade um lugar inabitável. A solução está na retomada das rédeas das próprias vidas por parte das mulheres no filme. Quando lemos escritos nas paredes  do mundo de Mad Max o questionamento Quem destruiu o mundo?, percebemos que, tanto no filme quanto em nossa sociedade, as mulheres são as vítimas desse mundo e, ao mesmo tempo, as protagonistas do nascimento de um novo,  livre de opressão.
Mad Max – A Estrada da Fúria é um filme para mulheres, sim – pois, afinal, todo e qualquer filme é um filme também para mulheres.
PS: Só um último elemento muito interessante do filme – em coletiva de imprensa, o ator que interpreta Mad Max, Tom Hardy, foi questionado por um jornalista sobre a participação massiva de mulheres no núcleo central da história. “Este filme não deveria ser para homens?”. Hardy se saiu muito bem na resposta, mas o melhor mesmo é a cara incrédula que o ator faz ao perceber que, ainda, estamos vivendo uma época de distinção entre homens e mulheres. Assista ao vídeo aqui. 
“Mad Max – A Estrada da Fúria” é um filme para mulheres, sim, pelo viés de Nathália Costa (Panka)

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