Terceirização: uma “nova” estratégia de precarização do trabalho

foto: Liana Coll

“Quando um industrial ou um comerciante vende a mercadoria produzida ou comprada por ele e obtém o lucro habitual, dá-se por satisfeito e não lhe interessa de maneira alguma o que possa ocorrer depois com essa mercadoria e seu comprador.” Engels, F. Em o Papel do Trabalho na Transformação do macaco em homem.

Com considerável repercussão no debate político atual, o tema das terceirizações foi elevado à condição de assunto da moda. Provoca intensa resistência em vários setores do movimento sindical e é objeto de desejo de setores empresariais. Entretanto o famigerado PL 4330, pouco ou nada tem de efetiva novidade para o contexto das relações de trabalho no Brasil. Sua incidência diz respeito às disputas travadas no mundo do trabalho e apenas atualiza o que já há pelo menos dois séculos costumamos chamar de luta de classes.
A terceirização deve ser tomada pelo que de fato é: uma prática que aprofunda e amplia a extração de mais-valia ou – falando de maneira menos rigorosa conceitualmente – do lucro gerado pela exploração do trabalho alheio; ou seja, aquele valor produzido por cada trabalhador e trabalhadora, que extrapola o custo da sua força de trabalho (salário) e fica retido por algum indivíduo ou grupo que detém a propriedade – ou a posse – dos meios de produção.
De maneira geral, terceirização é o envolvimento de ‘terceiros’ (‘terceiros’ aqui no sentido de ‘outros’) no processo produtivo de determinada empresa. Resumidamente é ter quem execute tarefas e realize trabalho necessário para o funcionamento de um empreendimento sem ter que contratar diretamente a mão-de-obra. A grosso modo, tal prática pode ser vista em tempos distantes, como na Antiguidade – dita – Clássica ou mesmo durante o escravismo colonial nas Américas. Embora o estatuto de trabalho escravo fosse diferente em cada um desses períodos, em ambas as épocas existiam proprietários de escravizados que disponibilizavam, por alguma contrapartida econômica, o trabalho dos “seus” escravos para outros senhores ou casas. Eram os chamados escravos de ganho: ocupavam-se de atividades domésticas diversas, trabalhavam no comércio e em outras atividades urbanas ou, ainda, complementavam a força de trabalho necessária na fazenda ou no engenho no qual o número de escravos estivesse aquém dos fazeres que sustentavam a casa grande; sendo que ao fim do turno ou período contratado, o escravo – que era um ‘terceiro’ no lugar em que empenhava sua energia vital convertida em força de trabalho – retornava à senzala do proprietário ‘prestador’, que cumpria, há tempos, função social análoga a que hoje realizam as empresas prestadoras de serviços terceirizados.
Antes que se crie alguma confusão com o que está dito acima, entendam que não é possível, de maneira alguma comparar nem os trabalhadores e trabalhadoras e nem a relação de trabalho existente hoje com nenhum dos modos escravistas de produção que já existiram. A analogia possível entre quem oferecia os préstimos dos seus escravos a outros senhores e quem hoje faz a intermediação para a contratação e subcontratação de mão-de-obra se dá apenas pela função que cumprem, cada um destes em seus respectivos sistemas. Ambos, cada um em seu tempo, facilitavam a vida de um patrão – ou de um senhor – que não precisava “comprar” outros escravos pois os dispunha de outra maneira, pelo tempo que lhe aprouvesse, ou – para tentar explicar nos termos atuais – a terceirização facilita e desonera para as empresas tomadoras de serviços realizados por trabalhadores que não são seus empregados e com os quais tem pouca ou nenhuma obrigação. Paremos por aqui esta comparação entre as duas modalidades de “intermediação” de mão-de-obra. Mesmo sabendo do risco de gerar polêmicas por alguma leitura apressada ou desonesta do que está dito, fiz uso de tal comparação tentando mostrar que a concepção intrínseca à noção da terceirização não é nova na história da usurpação da força de trabalho por indivíduos ou classes que detêm o poder de fazê-la.
Neste sentido, a terceirização é uma estratégia empresarial que avança sobre os direitos da classe trabalhadora para aprofundar a exploração. Retomando a ideia de luta de classes, a terceirização é uma expressão dentro da disputa efetiva por riqueza (dinheiro) produzida socialmente. Insere-se na tensão entre, de um lado a massa salarial (entendida aqui como o “custo” pago pelo empregador com salários, encargos e direitos) e, de outra parte, as taxas de lucro (entendido aqui como a riqueza produzida pelo trabalho humano que é retida/apropriada/expropiada em benefícios de outrem). Percebem? De um lado está a porção da riqueza produzida que fica com a classe trabalhadora e, na outra ponta, a bem aquinhoada fatia arrecadada por empresários, investidores, empreendedores e algumas outras espécies de picaretas. Ampliar um destes lados significa necessariamente atingir o outro e por isso, não é surpresa que a terceirização – que reduz ‘custos’ com encargos previdenciários e trabalhistas, rebaixa salários, retira direitos – venha sendo reconhecida com imprescindível para que as empresas retomem seus lucros no Brasil, superando inclusive a chorumela constante e irritante contra a carga tributária brasileira. Importante não esquecer de anotar que quem considera imprescindível a terceirização são as federações, confederações e outros “clubes” empresariais e industriais.
Entendido por qual lado correm os que defendem a terceirização e, hoje, no Brasil, o PL 4330, precisamos apontar que as práticas de terceirização ou subcontratação ganham impulso na segunda metade do século XX, mais precisamente a partir da década de 1970 quando o fim da chamada Era de Ouro do Capitalismo fazia ruir o Estado de Bem-Estar Social nos moldes keynesianos e ganhavam força as vozes do neoliberalismo.

Pelo mundo todo a palavra de ordem – da nova ordem neoliberal – foi flexibilização do trabalho. Flexibilizar o trabalho era permitir que o capital flexibilizasse suas formas de exploração, retirando garantias, fragilizando os vínculos empregatícios e precarizando as relações e condições de trabalho. Cortes de direitos e retirada de garantias foram constantes na agenda neoliberal de lá pra cá. Os tempos médios de emprego e desemprego tiveram alterações no mundo todo: reduz-se o primeiro e amplia-se drasticamente o segundo.

Trabalho precário também não é nenhuma novidade na história. Até a crise de 29 e a grande depressão dos anos 30, raras categorias em poucos lugares do mundo sabiam, de fato, o que era garantia previdenciária ou direito trabalhista. Pensões, planos de saúde ou de previdência não faziam parte do vocabulário nem da vida da maioria de trabalhadoras e trabalhadores do mundo. Os fundamentos do capitalismo industrial e sua ‘evolução’ à fase atual foram marcadas por uma trajetória que, segundo Karl Polanyi, em seu livro A grande transformação, reuniu um duplo sentido, um movimento duplo. Primeiro, pelo ascenso dos valores e consolidação do liberalismo econômico, com o lassez-faire garantindo o estabelecimento dos mercados flexíveis e livres. No segundo momento, na esteira da resistência aos efeitos devastadores da crise capitalista iniciada em outubro de 1929, em Wall Street, e baseada em estratégias de recuperação econômica articuladas com a garantia da estabilidade do sistema, tivemos a segunda grande transformação. Desta vez, no sentido de controlar a voracidade e poder destrutivo dos mercados desregulados e aqui ganharam força a regulamentação e garantia de direitos trabalhistas.
Essa onda que, logicamente, não foi simétrica nem uniforme pelo mundo; atravessa pelo menos quatro décadas de prosperidade até quebrar nos rochedos da crise do petróleo na década de 70 (1974-75 e depois 1978, principalmente). Aqui, como sempre nas estratégias do capital, a conta foi entregue nas mãos da classe trabalhadora. Mas enfim, por pura falta de tempo e espaço, não vou aqui caracterizar detalhadamente o período que ficou conhecido como de “pleno emprego” nos centros capitalistas mundiais e que, mesmo em países de capitalismo atrasado e dependente, como o nosso, também representou avanços trabalhistas. A CLT, por exemplo, é da década de 40, na esteira das respostas aos traumáticos anos 30.
Nos interessa aqui indicar que ao fim dos anos 70 e de lá pra cá, as políticas de ajuste do capital, a serviço da desregulamentação do mundo do trabalho, jogaram a conta, mais uma vez, pra cima de nós. Pelo mundo todo a palavra de ordem – da nova ordem neoliberal – foi flexibilização do trabalho. Flexibilizar o trabalho era permitir que o capital flexibilizasse suas formas de exploração, retirando garantias, fragilizando os vínculos empregatícios e precarizando as relações e condições de trabalho. Cortes de direitos e retirada de garantias foram constantes na agenda neoliberal de lá pra cá. Os tempos médios de emprego e desemprego tiveram alterações no mundo todo: reduz-se o primeiro e amplia-se drasticamente o segundo.
Além de medidas políticas e de mudança nas legislações, também vivemos, na reorganização do mundo do trabalho, novas formas e métodos de produzir. A introdução do taylorismo como ideologia e meta das empresas incentivou novas e “moderninhas” relações de trabalho. A distribuição espacial das tarefas e a flexibilização do tempo e das jornadas de trabalho. Entre elas a terceirização, em duas modalidades: a interna e a externa.
Por terceirização externa, entende-se a prática de empresas deslocarem momentos ou procedimentos diversos do seu processo produtivo para outros setores, em outros lugares. Expediente muito comum na indústria automotiva que estabelece, a partir de seus centros gerenciais onde é mais conveniente realizar cada etapa da cadeia produtiva. Desde então proliferaram as maquilladoras e outras formas de diluição e barateamento da produção. A terceirização interna é a modalidade pela qual a empresa principal (empresa sede) recebe em seu interior, trabalhadores vinculados a outra empresa, para realizarem alguma parte do processo produtivo ou atuarem em ações consideradas necessárias para o bom andamento das atividades principais – aquele velho debate entre atividades-fins e atividades-meios que todo mundo deve estar ouvindo falar nesses tempos de 4330.
Em nosso país, ‘oficialmente’ teremos a abertura para essa agenda dita modernizante a partir do governo Collor, no alvorecer dos anos 90. No entanto a aplicação do projeto de flex-precarização do trabalho seguiu firme nos governos FHC, Lula e Dilma. Sem que estes últimos tenham representado significativa resistência à genuflexão de seus antecessores.
No caso do Brasil, a classe empresarial defendia (e defende) que o alto nível de regulamentação por parte do Estado “sufoca” a iniciativa privada gerando o “descarte” da mão-de-obra que seria muito cara. Do outro lado da mesa, trabalhadores e entidades sindicais afirmavam e afirmam que é importante a proteção ao trabalho e que o caminho deva ser garantir maior formalização garantindo segurança e estabilidade com contratos por tempo indeterminado e mais acesso a direitos previdenciários. Coloca-se aqui a bipartição do mercado de trabalho brasileiro entre a informalidade e a formalidade. De um lado, a posição empresarial é a defesa de que a informalidade do cada-um-por-si, bem à moda do lassez-faire é o melhor caminho. Do outro lado, a defesa é pela ampliação da regulação e formalização das relações de trabalho, criando estabilidade e segurança para quem vive do seu trabalho.
Desde os anos 90 algumas ações vem sendo tomadas no sentido de colocar em curso uma contrarreforma trabalhista; uma avalanche de ataques aos direitos historicamente alcançados a custa de muita luta
Algumas medidas emblemáticas que assumem duplo alcance no contexto destas disputas foram a PLR (Participação nos Lucros e Resultados), os bancos de horas e as terceirizações. Recobrem-se de sentido econômico ao representarem pressão para o rebaixamento da massa salarial e, por outro lado, operam com sentido político pois alteram e ferem a organização sindical e de classe.
Resumidamente, a PLR representou uma quebra na política salarial de governos e patrões. A partir de 1994, para desatrelar-se de qualquer indexação dos salários, o governo passa a estimular a livre negociação, não por razões democráticas ou classistas, mas econômicas. A livre negociação concebida pelo governo, tinha um teto para que não representasse aumento real de salário, sob pretexto de combater aumento de preços. No entanto, mesmo proposta pelo polo patronal e com apoio do governo de FHC I, o sindicalismo brasileiro embarcou nessa jogada e o que se viu foi que a PLR consolidou-se em fábricas e empresas nas quais a PLR afastou-se das negociações coletivas (de salário) e seus resultados não são incorporados ao salário fixo ou salário básico resultando em duplas perdas para trabalhadores: sobre a PLR não incidem taxas, impostos ou contribuições trabalhistas, sociais ou previdenciárias; tampouco ela somará no cálculo de aposentadorias futuras. Como já sabemos, nessa gangorra capital X trabalho, um lado perde e outro ganha. No caso, os patrões. E a medida de flexibilização acabou por virar regra, tendo inclusive mudado o parâmetro de muitas negociações que moveu-se do salário para os lucros e metas da empresa. Negociada junto com as campanhas salariais, a PLR tornou-se instrumento dos patrões para barganhar reajustes menores além de que vincula e exige certas posturas e parâmetros definidos ao gosto do patrão para que a categoria ou mesmo setores de uma mesma empresa sejam “merecedores” de participar nos lucros que eles mesmo geraram.
Já o expediente do Banco de Horas, surge no contexto de alta crise de desemprego, entre 1996 e 1999, quando os PDV’s (Planos de Demissão Voluntária) proliferavam tanto na iniciativa privada quanto no serviço público. Com a aplicação do banco de horas, o trabalhador pode ser dispensado quando não há necessidade ou capacidade da empresa produzir e chamado de volta, inclusive para jornadas diárias e semanais maiores para “suprir” e “devolver” as horas dispensadas. Esta medida coloca o tempo do trabalho, as jornadas e turnos ajustadas às necessidades da empresa. “(…) ele [o banco de horas torna o tempo de trabalho mais de acordo com a sazonalidade da produção (…) As implicações para a flexibilidade produtiva são evidentes assim como para uma gestão meramente disciplinar do trabalho: as horas não trabalhadas podem ser debitadas, por exemplo, de ausências referentes a atrasos e saídas antecipadas, de “pontes” em feriados ou idas a médicos e dentistas (…) podem surgir conflitos a respeito se um afastamento para ir ao médico ser ou não uma ausência injustificada. Pausas até então toleradas, tais como ir ao banheiro ou tomar um cafezinho, passam a ser computadas pela empresa como horas efetivamente não trabalhadas.” conforme análise feita por Leonardo Mello e Silva, no texto “Trabalho e regresso: entre desregulamentação e a re-regulamentação”, que integra o livro “Hegemonia às Avessas” (página 58 a 88 no pdf disponivel no link).

foto: Liana Coll

A proposta aqui foi apenas indicar como exemplos e, quem sabe, provocar para mais alguma leitura ou debate sobre as medidas de desregulamentação e contrarreforma que atingem o mundo do trabalho nas últimas décadas, antes de debruçar um pouco mais de atenção aos significados da terceirização.
A terceirização, como já vimos grosso modo, existiu antes mesmo do capitalismo, insere-se no rol de ataques cada vez mais sofisticados que são desferidos contra a classe trabalhadora. Prática já bastante empregada por empresas públicas e privadas, a terceirização cuja regulação está proposta pelo PL 4330 apenas ganha novos ares em tempos de ajuste fiscal. Existente no Brasil, com regulação dada pela Súmula 331 do STF e parcamente regrada por parte dos legisladores, ela ganha novo destaque na cena em um momento em que Dilma e o PT dão sequência aos golpes que o sistema capitalista a reorganização produtiva definiram para os trabalhadores e trabalhadoras. Volta à discussão no Congresso ao lado das MPs 664 e 665 e dos seguidos contingenciamento de recursos e cortes de verbas realizados por Dilma e Levy. Não é golpe da direita (que adoraria, sim, dar golpes maiores no Estado e no povo brasileiros, mas não cogita seriamente nenhuma ruptura com a ordem institucional atual que tanto bem atende seus interesses). Tampouco isso é obra do congresso mais conservador já eleito no pais desde 1964 ou fruto de uma onda fascistizante em curso no Brasil. A retomada desse debate, então, não é acidental e nem mesmo isolada. Vivemos épocas de ajuste fiscal e arrocho para quem vive do seu trabalho. Mesmo que no caso do PL 4330, a proposição seja de origem legislativa, com a autoria do goiano Sandro Mabel que carrega na sua trajetória política filiações ao PMDB e ao PL, integrando as bases de (in)sustentação do governo federal, o que se vê é a expressão da continuidade das ações de governo, na gestão do Estado, implementando e incrementando o receituário neoliberal para o mundo do trabalho.
O conteúdo expresso pelo PL das Terceirizações contraria uma expectativa histórica de progressão dos direitos sociais e ataca vorazmente a noção de justiça e igualdade teoricamente perseguidas pelo Estado, governo e sociedade. Justificada por seus defensores como marco necessário para avanços na modernização do mercado e da economia brasileiros, de fato, as terceirizações representam interesses arcaicos que buscam ampliar o fosso entre capital e trabalho. A própria ideia corrente anos atrás de permitir a terceirização de atividades acessórias ou complementares – as ditas atividades-meio – de uma empresa ou empreendimento, como forma de dinamizar o processo produtivo e ampliar a especialização, eficiência e expertise própria de cada estabelecimento. Como se isso fosse verdade, qual a razão justificaria que entregar as atividades-fim aos processos de terceirização – e quarteirização e além – não representa, então, rebaixamento de qualidade, eficiência e produtividade? O que se coloca visivelmente é a sanha privatista avançando por novos espaços, devastando tudo que pode por onde passa.
Da mesma forma o mito de que a terceirização é geradora ou garantidora de empregos é insustentável e inaceitável! Um “emprego”, seja ele qual for, é gerado pela necessidade evidenciada na execução de atividades produtivas. É no andamento de um determinado empreendimento econômico que surgirá a necessidade da execução de tarefas e estas se configurarão em empregos e postos de trabalho. Como exemplo, tomemos uma universidade em que, como podemos ver muito nitidamente na nossa UFSM ou em qualquer IFES no Brasil, se tem substituído quase a plenitude de algumas funções por força de trabalho terceirizada: a necessidade de manter os prédios organizados, limpos, abertos e funcionando é que gerou os postos e empregos necessários para serviço de limpeza e manutenção ou portaria que só depois de algum tempo, por força de opções ‘gerenciais’ foram ocupadas por prestadoras de serviço que subcontratam força de trabalho para executar tais tarefas. O que a terceirização gerou e gera é emprego precarizado e, no caso das prestadoras de serviço ao setor público, ainda ao custo de abundantes, e nem sempre justas e transparentes, inversões de recursos públicos em direção e benefício de empresas privadas – o que é legal, mas nem sempre é impessoal, eficiente e probo como se espera que seja a Administração Pública.
Basicamente o que o PL 4330 realiza é o desmonte de controles mínimos que hoje existem sobre a terceirização. Alvo de grande e acertada polêmica, a expansão da permissão para terceirizar atividades-fim não é o único e talvez nem o principal dano que vem no cerne deste projeto. O ataque na relação capital X trabalho alcança uma magnitude tal que, na verdade ele acaba com essa relação e estabelece, de fato, relações capital X capital, visto que os termos em que se desenham as relações de trabalho e as próprias (im)possibilidades de organização dos trabalhadores apontam para que, na vigência do que está miseravelmente proposto, tudo se defina no diálogo e negociação entre empresas. As tomadoras e as prestadoras de serviço poderão, em seus contratos, versar sobre “atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade da contratante”, conforme o quarto artigo do PL.
Outra grande maldade do pacote é a garantia que, de maneira alguma haverá nenhum tipo de vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das prestadoras de serviço, além de expurgar qualquer modalidade de responsabilidade solidária entre tomadores e prestadores na gestão dos contratos, manutenção dos pagamentos e direitos da força de trabalho, deixando cada vez mais frágeis as condições de trabalho nestes contratos.
Prática já comum nos moldes em curso, a permissão para sucessivas contratações de um mesmo trabalhador por diferentes empresas prestadoras, mesmo que executando seus préstimos em uma mesma tomadora de serviços , continuamente, é possível e legalizado no PL. Na vida real, sabemos de muitos casos em que trabalhadores de terceirizadas passam alguns anos no mesmo local de trabalho (que não é a sede de quem lhe paga, pois é empregado de outro) sem receber na integralidade alguns direitos rescisórios ou mesmo 13º e férias, visto que, de tempos em tempos uma empresa fecha e cede lugar a outra para realizar a mesma função. Curiosamente a nova ‘razão social’ com nova inscrição de CNPJ pratica a “bondade” de abrigar e recontratar os trabalhadores que perderam seus empregos com a extinção do vínculo anterior. No plano ideal de alguns liberais, temos aí exemplo magnífico da livre iniciativa regulando e modulando as relações econômicas. Mas sabemos bem, nós que não vivemos nas quimeras dos liberais e entregamos nossa força de trabalho costumeiramente em algum lugar, que a relação nada tem de livre e que a negociação entre trabalhador e empresa esconde – ou escancara – uma relação assimétrica na qual, via de regra, para garantir a continuidade do emprego com novo contrato, ‘sugere-se’ que o trabalhador deva abrir mão do que teria por direito a receber do vínculo anterior.
Práticas e relações injustas e desiguais, em especial num país no qual a geração de empregos, cantada em verso e prosa pelos cronistas oficiais e ilustrada em belos e coloridos gráficos do Governo Federal, aponta que, dos pouco mais de 21 milhões de empregos gerados no Brasil, entre os anos 2000 e 2010 (a maior parte deles ao longo dos dois mandatos de Lula), quase 20 milhões foram empregos considerados precários, com salários de até 1,5 salários mínimos, e de alta rotatividade. O economista (e petista) Marcio Pochmann aponta para um saldo de quase 2 milhões de empregos precários (salários de até 1,5 SM) por ano no período; ao mesmo tempo, dos postos de trabalho na faixa superior aos 5 Salários Mínimos de rendimentos, houve um decréscimo de cerca de 400 mil postos por ano. Algum desavisado poderia acreditar que trata-se de mecanismo de combate às desigualdades, no entanto não se trata disso, visto. Os empregos criados em grande quantidade, são em grande medida de alta rotatividade. Por exemplo, nos dois setores em que mais se gerou empregos no Brasil, respectivamente o setor de Serviços e o setor de Comércio, tiveram taxas de rotatividade de 37,7% e 41,6%. Imagine um cenário em que boa parte da juventude começa a ser absorvida pelo mercado de trabalho, ganha pouco, trabalha muito mas “roda” de trabalho com certa facilidade. O que representam nesse caso fragilizar os vínculos de trabalho e endurecer critérios para acesso a alguns direitos e garantias já nem tão garantidas assim?
Se Lula, em 1989, afirmava que “sem que alguém perca é impossível alguém ganhar em política salarial” e arrematava apontando que “banqueiros, latifundiários e especuladores precisam diminuir suas gordas contas para pagar melhores salários”; é certo que o mesmo Lula sabe o real significado de afirmar, atualmente, com peito estufado de um orgulho que vem sabe-se lá de onde, que “nunca antes nesse país os bancos lucraram tanto quanto no meu governo”.
A habilidade do capital tirar proveito da regulação do trabalho e até mesmo de conquistas alcançadas por sindicatos pode ser ilustrada no prosaico e triste exemplo que vivenciamos na UFSM cotidianamente. No início de 2015, o sindicato que representa trabalhadores terceirizados, entre outras questões negociadas em dissídio coletivo da categoria, arrancou o pagamento da insalubridade de 40% para quem trabalhasse na limpeza de banheiros de uso público e/ou coletivo. Cada trabalhadora (na maioria dos casos são mulheres que executam estas tarefas revelando um corte de gênero na distribuição das ocupações e empregos) que executava a limpeza de cada prédio da UFSM faria jus ao valor pela realização do trabalho em condição que tipificaria, segundo o acordo, a insalubridade, pois cada prédio tem banheiros. O que fez a empresa prestadora de serviços (a “terceirizada”)? Proibiu que todas as trabalhadoras e os poucos trabalhadores da limpeza entrassem nos banheiros dos prédios em que trabalham. Isso para não ter que pagar o percentual a quem de direito deveria receber. Definiram então um grupo, bem menor, de pessoas para quem pagarão os 40% de insalubridade. Na lógica gerencial da empresa, zelou-se pelo lucro obtido com o pagamento de um montante menor de ‘insalubridades’. A vida de quem ganhará esses 40%, durante sua jornada de trabalho, se dá exclusivamente dentro dos banheiros; peregrinando prédio por prédio para limpar todos os banheiros sob olhares muitas vezes embaraçosos de seus colegas que trabalham com a limpeza de cada local (nem vou entrar aqui em nenhuma avaliação da qualidade do serviço prestado com esta modalidade de gerenciamento adotado).
É pelo quadro esboçado acima, que em todo o Brasil estamos em marcha e em luta contra as terceirizações e o ajuste fiscal de Dilma e Levy. Não vamos pagar essa conta! Não manteremos privilégios e lucros de alguns à custa do suor e do sangue da classe trabalhadora! Dia 29 de maio: às ruas! 
 
Terceirização: uma “nova” estratégia de precarização do trabalho, pelo viés do colunista Alcir Martins

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

xxn xnnx hindi bf xnxxx junge nackte frauen

Posts Relacionados

Comece a digitar sua pesquisa acima e pressione Enter para pesquisar. Pressione ESC para cancelar.