Depois do Castor, o Jogo do Bicho nunca mais foi o mesmo

Bicho

“Castor de Andrade, sim, o melhor amigo do Bangu, sendo assim, o maior amigo dos associados, convidados e comunidade em geral. Comunidade esta a qual ele pertence e por isso aspira o melhor para ela. ‘Bangu de Castor’, banguense nato, completo, totalizado em seu espírito solidário, preocupado com as vitórias, com as glórias, as necessidades, os prazeres e as dificuldades do Bangu A.C e de Bangu-cidade.

Sendo ele dirigente do clube, advogado, esportista e filho do inesquecível ‘Sr. Zizinho’, ele faz e dá de tudo para o seu clube. O nosso Bangu possui e sente-se honrado com um componente de vital importância, um extremo colaborador, um amigo de infância de vários membros da presidência, como por exemplo, do Sr. Antenor Vicente Corrêa Filho, que sempre afirma: ‘Castor é o Bangu e é Bangu’.

Trabalha semeando a paz e colhe um clima de amizade, de colaboração e agradecimentos. Agradecimentos estes, que são estendidos ao seu pai ‘Zizinho’, que nos deu um criador de idéias, de esforços e capacidades”.*

Castor Gonçalves de Andrade e Silva, morto em abril de 1997, colheu seguidores como poucos messias conseguem trazer para próximo de si, físico e mentalmente. A diferença de Castor de Andrade para outros grandes, como Jesus Cristo, Maomé, Gandhi e Madre Teresa de Calcutá, é, quem sabe, um pouco macarrônica e curiosa. Andrade ratificava a glória dos grandes, culminando toda sua existência para a virtude de muitos. Só do bairro-cidade, o qual vestiu como protetor de todos, herdou mais de um milhão de seguidores. Isso em épocas sem twitter, mas com discurso, aperto de mão e benfeitorias. Presença.

Pelas vias por onde passava, sem gastar os chinelos de couro ou os pés descalços, tendência na moda messiânica, era ovacionado, mimoseado e conclamado a Salvador. No sul recebeu um jogo de facas de um simpatizante. No nordeste, um rapaz veio lhe apresentar para abençoar o filho de três anos, batizado com seu nome. Podia usar um de seus 10 chapéus italianos da marca Borsalino e sobre o corpo uma capa de gabardine que mesmo assim, durante os jogos do Bangu, Andrade arrastava afluências. Habitualmente comparecia ao bairro e ao estádio do Bangu A.C., o qual dirigiu por anos, mesmo quando na súmula da diretoria o cargo de administrador contivesse outro nome que não o seu.

Durante o governo militar vários dos presidentes generais lhe concederam relevância, sendo tamanha sua importância para o país e para o Rio de Janeiro. O secretário de Segurança do Rio naquela época, Waldir Alves Muniz, recebeu instruções para “evitar problemas com Castor de Andrade”. Figueiredo, o último dos militares, era seu conhecido.

Tamanha foi a importância de Castor de Andrade que até hoje ele é lembrado. A tiroteios e atentados. Seu filho foi morto a tiros provindos de uma pistola cromada enquanto seu Jeep Cherokee parava no sinal. Junto a Paulo de Andrade estava o motorista, também segurança do pai e do filho, Haroldo Alves Bernardo, executado igualmente. Ninguém explica, até hoje, como sabiam, mas o povo no entorno logo gritou que haviam matado o filho de Castor. Paulo era herdeiro do pai, que lhe deixou o Jogo do Bicho, um dos ramos originários de capital da família, para cuidar. Do outro lado da herança estava Fernando Ignácio, o genro, que herdara os caça-níqueis e o videopôquer.

A herança da família Andrade provinha de muitos anos atrás. Criado em 1892 pelo Barão de Drummond, o Jogo do Bicho foi noticiado, na época, pelos jornais cariocas, como um advento histórico. No dia 4 de julho de 1892 uma enorme festança inauguraria o Zoológico particular do Barão. A idéia inicial era promover o sorteio a fim de aumentar a freqüência de visitantes no local. O complexo de lazer abrangia jardins, restaurantes, hotel e passeios para pessoas de alta distinção da sociedade imperial. Deu certo. Era o início do Jogo do Bicho, que anos depois já seria comerciado por Seu Zizinho, pai de Castor, oferecendo ao filho uma boa juventude como aluno do Colégio Pedro II, mesmo que este pouco freqüentasse as aulas para nadar na praia do Flamengo.

Quando herdou do pai as bancas de jogo, Castor já tinha em mãos uma boa quantia e um espaço ilustre dentro do chamado “círculo de banqueiros”, que foram surgindo.  Antes da formação da cúpula de banqueiros, nos anos 80, os pontos de jogo variavam de titular dependendo do domínio de fogo do candidato. Funcionava na base do “apagar”. Foi assim em 1967 com Artur Ribeiro, o Tutuca, dono da banca no subúrbio carioca de Bento Ribeiro. Foi assassinado com cinco tiros perto de sua casa. Os pontos de Tutuca passaram então para o espólio de Castor de Andrade. A polícia nunca encontrou o culpado. Já em 1976, o presidente da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro e bicheiro Euclides Pannar, o China Cabeça Branca, foi “apagado” a caminho de casa, no Maracanã, zona norte do Rio. A ligação dos bicheiros com as escolas de samba é afinada. No carnaval de 1998, público e foliões fizeram um minuto de silêncio no sambódromo em homenagem a Castor, morto em 1997.

Contudo, os minutos de silêncio pregados em vários momentos pela morte do patrono maior de Bangu não duraram muito tempo. O estopim de balas e até de granadas ecoou por todo Rio de Janeiro e outras cidades do país, como Salvador na luta abrasiva pelo reinado deixado pelo maior. Quando o gato some, os ratos tomam conta. Depois da morte do chefe, os crimes foram se sucedendo de forma tão cinematográfica que até hoje, quase quatorze anos depois da morte de Castor, a polícia ainda tem dúvidas quanto aos mandantes dos crimes.

O mais poderoso banqueiro da Bahia, homem de confiança de Castor de Andrade, Almir da Silva Filho, o Almirzinho, ficou desfigurado depois de uma rajada de metralhadora com incontáveis perfurações na cabeça e no tórax enquanto estacionava seu carro em frente ao seu escritório em outubro de 1998. Os quatro atiradores fogem correndo pelas ruas vazias da capital baiana em dia de comércio fechado. Almirizinho era o símbolo da conquista carioca dos pontos de jogo da Bahia. Antes de a cúpula fluminense criar uma parceria para conquistar o comércio de outros estados, cada cidade tinha seus próprios chefões. Raimundo Magalhães Brito, o Doca, foi o primeiro de vários banqueiros baianos a serem eliminados com a administração carioca das bancas soteropolitanas.

Mas o primeiro da lista a ser eliminado depois do infarto de Castor de Andrade foi Tião Tripa, um ex-policial que se tornara seu chefe de segurança. O matador invadiu o escritório atirando e fuzilou Sebastião José da Silva, alcunha de nascença de Tripa, em sua própria escrivaninha.

A crise de liderança estava instaurada. Ao contrário dos anos 80, quando os banqueiros realizavam reuniões para deliberações do colegiado, o prélio pelo comando trouxe uma nova lei ao mundo do Jogo do Bicho carioca: agora é cada um por si. A calmaria aparente desde a prisão dos bicheiros em 1993, condenados pela juíza Denise Frossard, membro do Partido Popular Socialista (PPS) e fundadora da ONG Transparência Brasil, terminara.

Enquanto os grandões estavam enclausurados, aconteceu a ascensão do chamado “segundo escalão”. Na madrugada de 12 de novembro de 1996, logo que a maioria dos chefões conseguiu a liberdade, o ex-policial civil José Augusto Rêllo de Souza foi metralhado com 17 tiros dentro de um táxi que nunca foi periciado. Rêllo tinha ampliado seu poder durante os três anos de prisão da cúpula. Junto a Rêllo, no “segundo escalão”, estava o economista Márcio Molinaro, o único homicídio desvendado pela polícia. Molinaro havia herdado metade dos pontos de jogo que pertenciam ao bicheiro Raul Capitão, do primeiro escalão. A mandante do crime seria Kátia de Melo, filha de Raul, que não teria se conformado com a divisão da herança com o sócio do pai.

Em 1998 a Polícia Militar do Rio invadiu imóveis no bairro de Bangu pertencentes à família Andrade. Lá estavam 20 pistolas, nove revólveres, 3.882 cartuchos para armas de fogo e uma caneta com dispositivo de disparo calibre 38. Contudo, junto às anotações de Castor, estava uma extensa lista de militares, políticos, policiais e pessoas ligadas ao governo.

Quando vivo, Castor era acompanhado por uma rede peculiar para um cidadão tido como contraventor pela justiça. Em um jogo do Bangu realizado no Maracanã o banqueiro estava acompanhado de apenas dois seguranças, ao contrário dos vinte e três freqüentes. Eram eles Irandir Paiva e Carlos Lacerda, delegados de polícia do Rio Grande do Sul, os quais haviam efetivado a segurança de Castor durante o jogo contra o Brasil de Pelotas, no Estádio Olímpico, do Grêmio Futebol Porto-Alegrense. O jogo contra o xavante não ocorreu em Pelotas. Enquanto Castor tecia com a CBF para a partida ser disputada na capital gaúcha ele recebera a informação de que a Confederação havia decidido que os jogos daquela etapa do campeonato deveriam ocorrer nos melhores estádios de cada estado. Estava fora de cogitação a formosa Pelotas.

Bicheiro, contraventor, mafioso, dono de indústrias, comprador de juízes, rei da propina. Apoiador de greve metalúrgica mesmo sendo dono de uma empresa que fornecia panelas e fogões de campanha para o Exército e para a Marinha. Subornador, marginal, intelectual, amigo dos pobres, controlador de milhares de “pontos”, carismático, amado, odiado, matador, homem de palavra, protetor dos pobres, personagem nacional, principal presidente de honra e financiador do Bangu Atlético Clube, patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel, organizador de desfiles, criador da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, patrão do ex-boxeador campeão brasileiro Válter Silva (o “Anjo Negro, como o chamava), controvertido, envolvente, neto da bicheira Iaiá, sofisticado, invejado. Amigo de ministros e autoridades da época, homem do povo. Brasileiro.

*Texto retirado da página na web do time de Bangu.

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DEPOIS DO CASTOR, O JOGO DO BICHO NÃO FOI MAIS O MESMO, pelo viés de Bibiano Girard

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