SIM, SOMOS SERES ESTRANHOS!

Nenung em um final de tarde

Se você cantou logo que viu as letras acima, ou pelo menos assoviou “Seres Estranhos” ou lembrou o soar da voz da Paula Toller na segunda letra, vale a pena conhecer um pouco mais quem as compôs. Caso as letras não te remetam a nada, conheça Nenung, um compositor gaúcho que escreve sobre o mundo.

Nenung é um homem que aparenta tranquilidade. Numa tarde não muito quente de janeiro passado, o vocalista da banda Os The Darma Lóvers recebeu a revista o Viés em seu apartamento no bairro também calmo Bom Fim, em Porto Alegre, para uma conversa. Sem perguntas preparadas, Nenung foi contando um pouco da sua vida, sua ligação com o budismo, as histórias mais interessantes de fazer parte da banda e, principalmente, compor.

revista o Viés – Vamos começar falando da tua vida, de onde tu és, da tua infância…

Nenung – Bom, eu sou daqui de perto, de Novo Hamburgo (grande Porto Alegre). Daí eu vivi ali até meus vinte e poucos. Antes disso, eu comecei a fazer música com alguns amigos do colégio e a gente fez uma banda com o que a gente achava que era punk, mas era mais rock n’ roll (risos). A banda se chamava Barata Oriental…

revista o Viés – Ah, sim. Como foi na época?

Nenung – Funcionou bem por bastante tempo, mas a gente era bastante “descabeçado” naquela época, assim, sem qualquer traço de planejamento.

revista o Viés – Chegava a ser uma brincadeira?

Nenung – Na verdade a intenção era que fosse uma coisa duradoura, só que a gente não tinha qualquer noção de como fazer isso durar. Então ao longo do tempo chegaram as bandas de cover , eu odiava, e aí nossa banda foi se dissolvendo ao longo do tempo e eu também cansei da coisa do rock n’ roll. A gente deixa de ser adolescente um dia, né? Deixa o discurso, a vibe, de expectativa das pessoas nos shows, aquilo tudo que o jovem tem bastante. Daí eu larguei tudo. A partir desse tempo eu passei a viver com a Irínia (vocalista dos Os The Darma Lovers).

revista o Viés – Tu a conheceu como?

Nenung – Ela era produtora. Ela foi produtora da “Barata” por um tempo. E daí, a partir dali a gente passou a viver juntos.  Então já descobrimos o Rinpoche, que foi nosso professor a partir de 1996.

revista o Viés – Em Três Coroas?

Nenung – A gente viu ele…em Três Coroas? Não, Novo Hamburgo. Passamos a praticar com um professor de Porto Alegre e daqui a gente foi participar em Três Coroas mesmo. A partir de 97, 98, por aí.

revista o Viés – Tu tinhas que idade nessa época?

Nenung – Ah, eu já tinha meus trinta, por aí. Daí…A partir daí…Eu fiquei um tempo praticando e me voltou a idéia de voltar a compor outras coisas mas dentro de outras possibilidades.

revista o Viés – Mas nesse tempo tu ficaste sem escrever?

Nenung – Não, eu escrevia bastante. Eu nunca fazia, não compunha nada, por que eu sempre era acompanhado de uns caras, eu era preguiçoso pra caramba, claro, e achava “ah! Sempre terei minha banda, o resto é o resto, só vou ter que escrever e pular e me atirar no chão” (ironizando). Aí chegou um tempo ali que eu escrevia, escrevia e os cadernos aumentavam sem qualquer vazão. Aí eu comecei a ficar bastante angustiado. Naquela época o Wander (Wildner) vivia ali do lado da casa que a gente ensaiava e ele emprestou, ele tinha cópias do Iggy Pop, de um disco que eu gostava bastante, ele tinha as cifras, daí eu descobri que o disco todo se tocava com 4 notas e adorei aquela idéia e passei a compor a partir daquilo, então fiz as primeiras composições, inventava umas coisas ali, brincando assim com o violão. Aí compus as primeiras minhas músicas.

revista o Viés – E já lembrava o estilo atual da Darma?

Nenung – É, é. Já compus “Peixes”, “Seres Estranhos”, essas coisas que depois viraram outras coisas. E, partindo dali, o Wander fez uma pressão para que a gente abrisse o show dele, por que a gente era uma dupla ainda.

revista o Viés – Em que ano isso?

Nenung – 99.

revista o Vies – Quase com a estréia já do Darma em 2001?

Nenung – Aham. E daí a partir dali foi. A gente largou músicas pela rádio aqui, passou a rodar, rodar, rodar, começaram a nos convidar para fazer shows. A  gente fazia discos pintados a giz de cera, naquela época não existia internet,  a gente fazia fanzines também a giz de cera e mandava pelo correio, eram cento e cinquenta cartas por dia, era uma coisa inacreditável assim.

revista o Viés – Ainda eram apenas vocês dois?

Nenung – É, a dupla. A gente convidava um cara aqui e outro que a gente conhecia. Daí o Frank Jorge (Grafofféria Xilarmônica, Tentente Cascavel e Caubóis Espirituais) começou a tocar com a gente em 2000.

“Eu to com o nariz um pouco fechado por que fiz uma cirurgia na semana passada de desvio de septo”.

Já fiz essa cirurgia. Depois tu vais ver, parece que abriram um rio de ar na tua cabeça.

(risos) Sei, sei, eu ainda estou no rebote.

Nenung – Mas é isso, nunca surgiu a idéia de se fazer uma banda. As músicas vieram. Eu e a Irínia vivíamos juntos e ela não sabia que cantava. Daí, na primeira vez que eu mostrei “Peixes” para ela, a gente começou a cantar juntos e notamos que as vozes eram iguais no timbre.

revista o Viés – Isso foi em casa, que vocês cantaram pela primeira vez?

Nenung – Na rua mesmo, tocando violão, tipo: “ah, olha a música que eu fiz”. Ela veio cantar junto e a gente se olhou e disse: “ué, o que que é isso?”. A gente tinha uma batida, uma vibe igual, assim. Então nós conversamos com o Rinpoche para pôr o darma dentro das canções, nós éramos mais ao estilo budista.

revista o Viés – De onde vem a tua escolha de religião?

Nenung – Desde criança. De ler, de cartazes, literatura japonesa, arte japonesa, haikai, depois poesia, daí me veio a coisa do desenho budista. Tinham os primeiros desenhos no Brasil publicados com mais seriedade.Foi-se então o tempo até eu conhecer o Rinpoche, que daí realmente foi o cara que bateu tudo, por que ele era a mistura de um mestre zem com um xamã, por que ele tinha aquela coisa dos índios tibetanos que são muito parecidos com os nossos.

revista o Viés – O Rinpoche está vivo?

Nenung – Ele morreu em 2002. Aqui no Rio Grande do Sul. Em Três Coroas. A gente fundou o Centro Budista em 1995, com a esposa dele, daí a gente o conheceu em 1996, e começamos a viver lá com mais frequência em 1998. Acabei indo viver lá, fazer retiros, por que eu gostava dessa coisa da prática mais formal.

revista o Viés – Para viver lá, como funciona?

Nenung – Na época era pela tua disposição de fazer trabalho voluntário pelo local, para manter, para tudo, por que ali tudo é voluntário, desde cortar a grama até os computadores, cozinhar, seja o que for. Nesse tempo, tinha bastante trabalho por que o templo estava sendo construído, não existia aquela estrutura ainda, saiu a partir do zero, só tinha a “pontizinha” inicial.

Daí apareceu a banda, a gente gravou esse disco. Começou a viajar um pouco além do que a gente esperava. Em 2002 gravamos o segundo disco, com o 4nazzo na produção. Daí o guitarrista, que tocava conosco na época do lançamento desse segundo disco, caiu fora. Era um cara um pouco instável, ele decidiu as vésperas de nós fazermos um show no Theatro São Pedro (fundado em 1858 no centro da capital gaúcha). Ele decidiu que não ia tocar…

revista o Viés – No grande show aquele no São Pedro?

Nenung – Aham, no grande show. Daí a gente convidou o 4nazzo, por que ele tinha produzido o disco, ele já conhecia as músicas e é um puta guitarrista.

revista o Viés – Então foi tudo de última hora?

Nenung – É. Ele tinha saído do DeFalla, e naquela época, ele disse “vambora”. Adorou a idéia. Só que aí, na véspera de lançar o disco, o Rinpoche me convidou para fazer um retiro. Aí quando a gente fez o show de lançamento do “Básico”, eu entrei, no dia seguinte, em um retiro de quase dois anos.

revista o Viés – Foi aqui em Porto Alegre?

Nenung – O show? O retiro? Em Três Coroas. Numa área isolada lá em Três Coroas.

revista o Viés – O retiro funcionou por dois anos sem tu saires?

Nenung – É.

revista o Viés – Como funciona?

Nenung – Era uma área isolada onde já havia seis pessoas fazendo retiro de três anos, que é o retiro tradicional. Aí o Rinpoche me chamou para eu integrar esse grupo, a partir de um certo ponto. Foi isso. Despedi-me de todos, raspar a cabeça (Nenung ri) e tchau. Cortar os contatos externos. Havia duas pessoas que circulavam para levar comida, fazer intermediações. Era só isso. Aí a banda parou por aí.  Sem saber quando ia voltar, de que jeito ia voltar e se iria voltar.

revista o Viés – Tu manteves contato com alguém da banda?

Nenung – Eu escrevia cartas, eventualmente. Mas era outra vida, né? Foi um mergulho radical na minha história. E daí, dentro desse período, o Rinpoche partiu. Morreu ali.

revista o Viés – Como tu te viu nessa situação?

Nenung – Ah, foi uma coisa. Eu tinha a alegria de saber que ele tinha me jogado ali dentro antes dele partir, por que depois dele partir não haveria outra oportunidade de fazer aquilo que era algo que realmente eu precisava fazer e ele percebeu isso, eu acho. E por outro lado, quando um professor desses, com muita força, parte, eles dizem que é o período de maior conexão com as qualidades da mente dele, por que ele fica livre do corpo, e a mente dele ainda tem a qualidade da clareza e tem a liberdade de permanecer no entorno e ainda e compartilhar de certa forma a sabedoria e poder dele.  Então foi uma grande viagem interna, foi um presente sem igual.

revista o Viés – E quem continuou o trabalho de manter o local?

Nenung – Quem partiu a nos conduzir foi a esposa dele que era preparada há bastante tempo.

revista o Viés – Só para acrescentar, eles são de onde?

Nenung – Ela é dos Estados Unidos e ele era tibetano. E o filho dele que também é tibetano é um Rinpoche, que é um título, uma qualidade de realização. Ele ajuda até hoje a manter as atividades, porém não reside aqui.

Clique aqui e acompanhe a segunda parte da conversa.

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