SER FORA DO EIXO – PARTE I

Na última quarta-feira, chovia em Santa Maria.

Ao contrário do que parecia ser o temor no debate de algumas horas antes, o público encheu o Theatro Treze de Maio para assistir ao show da banda Rinoceronte, uma das melhores e mais promissoras da cidade. Entre as pessoas amontoadas no hall, à espera do início da apresentação, uma pergunta parecia ecoar entre todos os grupos de conversa:

-Trouxe tua câmera?

O horário chega e enfim todos sobem, acomodando-se na plateia praticamente lotada. Durante as doze faixas autorais tocadas por Paulo Noronha (vocal e guitarra), Vinícius Brum (baixo) e Alemão (bateria), provavelmente ninguém se lembrou da chuva que caía lá fora..

O público, tão sério no início da apresentação, foi se soltando aos poucos. Quando o show é interrompido para a exibição do primeiro vídeo-clipe da banda, “Anda no Ar”, algo inesperado acontece. A tela desce e as imagens são projetadas, porém não há nada de som. Nova tentativa, e nada.

Alguém diz: “É clipe é só pra ver, mesmo, gente!”

Risos.

O som da música começa a tocar baixinho e, antes que o público comece a aplaudir, nota-se que está saindo de um celular na própria platéia. Novamente todos riem.

“A banda pode tocar lá de trás enquanto a gente vê o clipe!”

Aquele minuto de espera, até o operador descobrir que o computador estava sem volume, foi o ingrediente que faltava para a descontração do público. O clipe é apresentado e, quando a banda volta, como o próprio vocalista fala, o gelo parece ter sido quebrado.

As cabeças e os pés seguem o ritmo da música, uma menina de uns quatro anos, no colo da mãe, bate palmas. O ambiente sério do Theatro não está mais tão sério assim. Então, antes de começar a tocar “Chaves e Segredos”, uma das quatro faixas do EP que recebe o nome da banda, Paulo pede para que aqueles que tivessem trazido suas câmeras as usassem para gravar a performance. Na escuridão da plateia, surgem as luzes das câmeras e os flashes não acabam nem com o fim da música.

Assim que acaba o show e o público, feliz, retira-se, uma equipe espera no hall para baixar para quatro computadores todas as gravações do público que servirão para fazer um único vídeo. Uma filmagem colaborativa.

“Colaboração” talvez seja a palavra-chave para o crescimento da Rinoceronte, que tem visto suas metas se realizarem, uma a uma. Além do show no Treze, há tanto tempo desejado, a banda tem um álbum previsto para ser lançado no segundo semestre deste ano e acabou de voltar de uma turnê pelo país, fazendo 15 shows, incluindo um na Virada Cultural de São Paulo, e em festivais em Brasília e em Goiânia.

Essa turnê foi realizada com o apoio da Agência Fora do Eixo, uma rede de coletivos (associações de casas de shows, artistas, produtores culturais, entre outros) que tem mudado o sistema de circulação de bandas independentes no país.

Com o objetivo de descentralizar as atividades dos circuitos culturais consagrados, que não conseguiam abarcar um número suficiente de bandas, privilegiando a poucos, o Fora do Eixo surgiu há 5 anos como uma associação de apenas quatro coletivos (no Sul, Centro-Oeste e Norte do país), e cresceu de forma exponencial, contando hoje com mais de 50. Seu braço em Santa Maria é o Macondo Coletivo, ponto de referência do FDE na região Sul do país.

Levar música boa para todos aqueles que gostam de ouvi-la, seja no Rio Grande do Sul, no Acre ou em São Paulo é o objetivo declarado por Atílio Alencar, um dos fundadores do coletivo.  “A riqueza cultural cotidiana, a arte, ela tem que vazar, ela tem que ser cada vez mais acessada, mais acessível, mais democrática e essa é a nossa política. E para isso a gente acredita que tem que trabalhar em parceria com todo e qualquer agente que tenha uma perspectiva parecida.”

Fundado com o objetivo de ser um ponto de convergência para as atividades até então isoladas da cena alternativa da cidade, o Macondo Lugar serviu para aproximar pessoas interessadas em cultura, o que acabou culminando na criação do coletivo.

Assim como Fora do Eixo, hoje o Macondo Coletivo não se resume apenas à área da música independente (ou inter-dependente, como Atílio prefere chamar), e estende seus trabalhos para as Artes Cênicas e as Artes Visuais. Além do espaço da casa de shows, o coletivo realiza trabalhos no Espaço Cultural Victorio Faccin, o TUI, onde alguns integrantes do grupo chegaram até a morar.

Quando possível, os eventos são levados para outros lugares mais acessíveis ao grande público, como o próprio Treze de Maio e para isso obviamente é necessário muito mais dinheiro. O Macondo Coletivo negocia abertamente com o poder público, conseguindo financiamentos através das Leis de Incentivo a Cultura, como foi o caso do show da Rinoceronte, financiada pela LIC através do projeto Treze: O Palco da Cultura.

“Acho que não tem que ter receio ou pudor de lidar com a administração pública. Tem verbas lá que estão ali para circular e bancar uma série de eventos. Se tu está propondo alguma coisa que tu acha que é significativa pra cidade em termos de cultura, temos que tentar, sim, acessar esses canais.”, diz Atílio, que garante que nunca tiveram problemas com interferencia dos financiadores, tanto públicos como privados, e que todas as decisões são tomadas pelo grupo, sem influências externas.

O Macondo Coletivo trabalha diretamente com três bandas santa-marienses, A Rinoceronte, a Ventores e a Chumbus, além da porto-alegrense Bandinha Di Dá Dó, recomendando-as para outros coletivos, quando essas decidem sair em turnê. Além da qualidade do trabalho, para entrar no coletivo, as bandas tem que trabalhar junto e envolver-se em todas as etapas da produção, o que vai contra a velha ideia de que o artista só precisa contribuir com a sua música.

O trabalho dos coletivos, que junto às novas mídias, tem mudado o cenário da música independente do país, cresce cada vez mais e a banda Rinoceronte e o Macondo Coletivo são ótimos exemplos de como é seu funcionamento, ou de como deveria ser.

Afinal, música boa em todos os lugares é o que todos queremos.

Entrevista com Atílio Alencar na íntegra

Leia a Parte II dessa matéria

SER FORA DO EIXO – PARTE I, pelo viés de Felipe Severo

felipesevero@revistaovies.com

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