O MST, STÉDILE E AS REFORMAS NECESSÁRIAS

Na mesma sexta-feira na qual o presidente da República Luís Inácio Lula da Silva visitava a cidade de Santa Maria, o economista e ativista social João Pedro Stédile fazia o mesmo percurso, de uma maneira mais singela, porém, sem menor importância. O economista se encontrou com candidatos para as próximas eleições e também falou com grupos e movimentos sociais de Santa Maria, como o representante local do Movimento Nacional de Luta pela Moradia e universitários membros da direção do DCE da UFSM.

Entretanto, mesmo que o debate com os representantes desses movimentos fosse importante, Stédile foi um dos convidados a falar ao público de aproximadas cento e cinqüenta pessoas que lá se encontravam. Fez um discurso com veemência, marcado por chamadas históricas sobre a reforma agrária que nunca aconteceu em nosso país e a força dos movimentos sociais que são a base para o crescimento do pensamento político, a única forma de dar à classe trabalhadora o direito de governar.

João Pedro Stédile é filho de pequenos agricultores gaúchos e cedo se firmou a favor do pensamento marxista. É graduado como economista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México. Foi membro durante anos da Direção Nacional do Movimento dos Sem Terra no Brasil e atualmente segue entre as maiores referências intelectuais de uma das maiores organizações sociais da América Latina.

Stédile falou sobre os principais candidatos à presidência, dando ênfase no porquê José Serra seria a pior alternativa. O ativista discorreu afirmando que o tempo que os movimentos sociais e a classe trabalhadora levaram para conseguir ter um presidente com o mínimo de importância social não poderia ser perdido em apenas uma eleição, trazendo de volta aos palácios governantes neoliberais despreocupados com qualquer plataforma social em contraposição à econômica. Em entrevista à revista o Viés, disse que o governo Lula tentava resolver ainda que parcialmente os problemas dos movimentos sociais, enquanto o neoliberalismo joga tudo para o mercado.

“O governo Lula foi um governo de composição de classes. Dentro dele havia interesse da burguesia, da classe média e havia interesse da classe trabalhadora. O governo representou muitas mudanças em relação ao neoliberalismo. Ele dialogava com movimentos sociais, enquanto o neoliberalismo reprimia”.

Justamente devido à composição plural do governo de Lula, que reuniu forças políticas antagônicas, Stédile ressalta que durante o período não foram realizadas as mudanças estruturais necessárias no país. “O governo Lula não foi um governo da classe trabalhadora. Ele não fez mudanças radicais que melhorassem de maneira permanente os problemas das classes trabalhadoras e dos movimentos sociais. Foi um governo que conseguiu dar certa barrada no neoliberalismo, mas que não conseguiu em uma aliança com a força popular para fazer um projeto político que representasse alteração iníqua na sociedade brasileira”.

Na sua relação com os candidatos presidenciáveis, o MST é cauteloso. Não busca o diálogo com nenhuma das candidaturas antes da consumação das eleições, até porque o seu objetivo não está na aliança política, mas na luta por plataformas de mudança social. Sobre o corrente plebiscito pelo limite da terra, pode parecer contraditório, mas o MST se absteve de participar ativamente. Apesar de apoiar a iniciativa, o Movimento acredita que o debate pode acabar desfocado devido ao período eleitoral, e tem agendas mais urgentes, como a redução da jornada de trabalho para 40 horas.

Se a candidata governista for eleita, João Pedro acredita que o ambiente político será mais favorável tanto para o governo como para os movimentos sociais. Entre os vários motivos apontados, estariam uma correlação de forças mais favorável à classe trabalhadora, com o Congresso e os governos estaduais na sua maioria, mais progressista.

Segundo Stédile, a sociedade brasileira está amortizada por duas condicionantes: o monopólio da mídia e o refluxo do movimento de massas. A primeira condicionante, segundo ele, é explicada por termos no Brasil três grupos que controlam tudo. “Por isso que as manchetes dos jornais televisivos são todas iguais: eles se combinam mesmo”. E a outra condicionante é que estamos no refluxo do movimento de massas: é como se a classe ficasse em silencio, esperando uma oportunidade melhor. É como, numa partida de futebol, quando a torcida percebe que o time está perdendo, ela fica em silêncio.

Para uma parcela da população brasileira, que tem a grande mídia como principal fonte de informação e construção de opinião, o nome de João Pedro Stédile – assim como o dos movimentos sociais ligados à Via Campesina – normalmente soa como uma ameaça nacional. A simplificação apressada acaba por generalizar o posicionamento de oposição ao latifúndio dito produtivo e às empresas que usufruem de benefícios legais e ilegais no campo para capitanear lucros em vastas extensões de terras.

“A grande mídia é a zeladora da ideologia. Ela não democratiza a informação, ela deturpa.”

O membro da Coordenação Nacional do MST destaca ainda o papel que a grande mídia, e em especial a mídia televisiva, exerce, atuando como um “partido ideológico da burguesia”. Entretanto, mesmo com a televisão exercendo grande influência sobre boa parte da população, Stédile se mostra otimista afirmando que a opinião não é mais formada majoritariamente pela televisão, mas sim pelo círculo de amizade e convivência de cada um.

Como os grandes monopólios midiáticos mantém certa força de difusão ideológica contrária a alguns movimentos sociais ocorrem generalizações e tratamentos superficiais acerca dos reais interesses do MST.  “Às vezes, quando a burguesia é tão estúpida, tão agressiva, como no caso da Veja e da RBS, nós nem mais perdemos tempo. Não queremos legitimar as mentiras que eles difundem. Em relação a esses a decisão é não responder mais, de maneira alguma. Porém, às vezes outros órgãos com certo prestígio repassam uma informação errada, aí nós temos o cuidado de esclarecer e responder. Sobretudo jornais, porque o jornal fica escrito, é mais fácil de rebater. Agora numa rádio, numa televisão, é mais difícil”.

João Pedro Stédile talvez seja a face mais pública da coordenação de um movimento que é constantemente reduzido a uma ameaça à segurança nacional e à propriedade privada. O ativista que não é bem-quisto nos meios tradicionais de comunicação acredita na democratização da internet não só como uma alternativa ao monopólio midiático, mas como uma medida necessária à popularização do acesso à informação. ”A internet é um ótimo instrumento de comunicação, mas ela é limitada. Primeiro, porque atinge somente os jovens, e segundo, porque sua amplificação depende da banda larga. Por isso, seria um grande avanço da sociedade brasileira conseguirmos levar banda larga gratuita pra todos os municípios. Aí sim, eu acho que nós derrotamos a televisão. Porque aí cria-se alternativas de acessar à televisão pela banda larga de uma maneira massiva, sendo gratuita”.

O caminho para uma maior consciência da classe trabalhadora, porém, não passa apenas pelo acesso a diferentes meios de informação. Para João Pedro, a questão da educação do jovem no campo merece prioridade, e a erradicação do analfabetismo no país deve ser tratada com urgência. “É inaceitável nós termos ainda 16 milhões de analfabetos adultos. Precisamos tomar uma atitude de coragem, fazer uma campanha, contratar todos esses jovens universitários que não sabem o que fazer, dar uma bolsa de estudos 500 reais e dizer: ‘você vai alfabetizar, na sua cidade, 50 analfabetos’. Só a cidade de Fortaleza, que é a quarta capital do país, tem 300 mil pessoas na favela que não conseguem tomar o ônibus. Nós temos que fazer um grande mutirão pra resolver o problema do analfabetismo”.

Uma das propostas do MST para o ensino superior é a continuidade do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Neste formato, por meio da alternância entre períodos de estudo e permanência no meio rural, o jovem não precisa deixar o campo, e ainda vai adquirindo ao longo do curso uma práxis apropriada para a sua realidade. “O que falta agora é massificar. Hoje, nós temos convênios com 42 universidades, o que é muito pouco. Nós já formamos 3 mil jovens do MST, e hoje estão matriculados cerca de 1700. Mas isso é muito pouco, nós temos cerca de 700 mil jovens em áreas de assentamentos, que logo terão idade de ir para a universidade”.

Assim, é indispensável que ocorra a universalização do acesso ao ensino superior no Brasil, que atualmente é restrito a apenas 10% da população. Stédile cita casos como a Bolívia, onde 62% dos jovens estão na universidade, e a Coreia do Sul, em que 97% dos jovens estão na universidade. “Então por que aqui é só dez? Nada explica. Não é por economia, não é por falta de riqueza, não é por falta de professor. Nós temos que criar um grande programa para universalizar a universidade brasileira”.

Com uma admirável capacidade de discorrer sobre a conjuntura política do país e o papel dos movimentos sociais no processo de transformação, João Pedro Stédile representa o rosto e a história de um movimento que, contra a vontade de alguns, angaria adeptos e simpatizantes por todo o país. Na sua fala severa, se percebe a voz da intelectualidade calejada que está na luta, e encontra na rigidez a forma de defender a ética social.

O MST, STÉDILE E AS REFORMAS NECESSÁRIAS, pelo viés de Bibiano Girard e Tiago Miotto

bibianogirard@revistaovies.com

tiagomiotto@revistaovies.com

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6 comentários em “O MST, STÉDILE E AS REFORMAS NECESSÁRIAS

  1. tiaguinho, é por essas e por outras que eu me questiono o por que me entoquei na campanha, no longínquo e retrogrado pampa gaúcho. talvez tu e o Bibiabo não tenham noção, mas o ranço existente com os movimentos sociais, especialmente o MST, é latente. O Brasil, boa parte da população ainda não observa com clareza a realidade dos fatos. É um paradoxo. Todas as pessoas não concordam com a fome, mas sabem que todos os dias morrem pessoas por inanição. É complicado bruxo. Mas é bom ver que existe um Viés universitário, que tá se formando, que tá evoluindo, que vai chegar lá, que vai ter vez. Somos uma geração. Ontem à noite com Che Guevara, e sei que pulsa em mim um sentimento ainda não completo. Um sentimento de guerrilha, que sei que um dia vai me levar pra um lugar diferente daqui e lá serei outra pessoa. Torço muito por ti meu velho, foi ótimo te ler. O texto tá inpecável. Qualquer dia me encontra por aí numa noite exdrúxula. Até lá, um abraço irmão e continue com essa maneira de encarar os fatos. Com certeza, é a mais justa. Salve.

  2. E olha que o MST ”nasceu” no RS…se tu fores ao Pará com uma camiseta do movimento não espere bom tratamento. É um trabalho de formiguinha..de militância de toda a vida e de todos nós.

  3. Textos assim são importantes para combater o preconceito, fruto de falta de informação ou de informação deturpada, que existe em relação ao MST. Já dei mais de uma vez parabéns ao Bibiano, ao Tiago e a Caren, mas gostaria de deixar o registro aqui outra vez.
    O Stédile tá com uma leitura muito boa da conjuntura política e social do país e do que está realmente em jogo nessas eleições. Diferente da imagem que alguns órgãos de imprensa passam dele, é um homem de muita inteligência e um grande líder…
    Belo trabalho, gurizada!

  4. Ae gurizada, Parebens pela trabalho! legal ver alunos do Jornalismo rompendo com a falsa idéia de neutralidade nos meios de comunicação. Somos todos sem-terra!

  5. Vale um registro posterior…
    Stédile foi um cabo eleitoral de peso da candidatura do hoje deputado federal eleito Dionilso Marcon, (que aparece em algumas imagens que ilustram essa página) e do deputado estadual eleito Edegar Pretto, dois do parlamentares mais ativos na luta pela reforma agrária e pelos pequenos produtores…
    Em algumas imagens também aparece o então candidato a deputado estadual Mauricio Piccin, hoje coordenador de juventude do governo Tarso Genro…

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