O QUE SE PASSA ENTRE A GENTE

No Largo da Estação Férrea da Gare, em Santa Maria, aconteceu durante uma semana o Festival Macondo Circus. Arte, música, integração – pessoas. Principalmente pessoas. De todos os lados, de vários lugares, de Santa Maria. Público, músicos, artistas, amigos. Homens, mulheres, crianças.

Entre todas as intervenções artísticas que passaram pelo evento neste ano, uma permaneceu por lá durante três dias. Um mural de renda, ostentando papeizinhos de tamanhos e cores diversas, costurado com uma frase: o que se passa entre a gente… E algumas pessoas, mesmo as que não escreveram nada, contaram um pouco de suas vidas.

1. Me formei em psicologia pela UFSM. Depois fiz mestrado em educação na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) onde eu trabalhei muito com literatura. No mestrado eu conheci muitos amigos que trabalhavam com artes, da psicologia e das artes, e nós tínhamos ideias de fazer algo como um centro onde você aprendia aquilo que você queria. Foi uma ideia que a gente teve no mestrado mas acabou nunca realizando.  2. Eu acho que foi um processo interessante por que inicialmente eu já tinha projeto de partir da minha cidade no interior direto para a capital. Acabei vindo para Santa Maria e acho que foi mais interessante ter vindo para cá por que é uma espécie de degrau para um futuro. Santa Maria é uma cidade maior do que Rosário do Sul mas ainda é uma cidade universitária, então a gente se identifica muito com a cidade por ter muito jovem, né? 3. Acho que posso começar a minha história dizendo que eu amo Psicologia desde que eu nasci, não sei por que eu comecei a fazer Ciências Sociais – me formando no final do ano, a muito custo. No meio de tudo isso, entrei para o Jornalismo, me apaixonei pelo Jornalismo Impresso, desde sempre por gostar de escrever. Hoje eu trabalho na rádio, faço TV e faço assessoria. 4. Eu gosto muito de música, gosto muito de arte, e eu acho que eles tem uma proposta muito interessante de cultura para Santa Maria que é alternativa, eu acho. 5. Eu trabalho em dois serviços, de segurança e vendedor lá no Patronato Agroshopping. Sou de Santa Maria, moro aqui no Bairro do Rosário, tenho meu filho comigo, sou divorciado. Minha vida é ótima, a cidade é ótima e daqui eu não saio. Moro com meu filho e ele tem doze anos. 6. Curto muito o rock e por isso que estou aqui. Acho bem legal a idéia do rock alternativo e independente, eu adoro pesquisar sobre música. Estou aqui curtindo meus amigos, dando essa entrevista para vocês meio sem saber o que falar e meio bêbado. 7. Pretendo seguir com a vida ligada a alguma coisa de audiovisual, eu sou daqui de Santa Maria mesmo e estou aqui no Circus para trazer a minha filha para curtir um show de rock. 8. Eu tento pensar que minha vida é hoje. Hoje eu estou aqui com meus amigos para beber e ouvir música. Amanhã eu vou pensar sobre o que eu tenho durante a semana para fazer, mas eu só penso e não faço. Todo dia eu penso na vida mas não faço quase nada para a vida, eu penso que deveria fazer minha obrigações mas acabo fazendo só aquilo que eu gosto muito e isso é um grande problema para mim. 9. A vida tá boa. Uma correria de final de semestre, tem estágio também, então tá um pouco corrido. Eu faço estágio na Agência da Faculdade mesmo (UNIFRA). Conheci ela (apontando para a garota de cabelos pretos ao lado) em maio do ano passado. Éramos melhores amigos antes, então descobrimos que era outra coisa e começamos a namorar mesmo, no dia dos namorados, 12 de junho. É que era a minha última cartada: dar um presente de dia dos namorados e ver se eu conseguia alguma coisa (risos). O presente era um relógio em forma de disco de vinil. 10. Por que tu tá aqui? Eu vim aqui pra tomar uma cerveja, ver um show… Eu gosto muito desse lugar aqui, da Gare, eu venho aqui sem ter evento nenhum. Eu gosto desse lugar, gosto de vir. Passo muito tempo sozinho por essas bandas.  E eu acho bacana estar acontecendo hoje, como já aconteceu outras vezes no passado, esse tipo de reunião. Acho uma coisa bacana. 11. Certamente que na minha idade, tenho 61 anos, eu gosto de muita coisa, teatro, meu tipo de música também não é o rock, mas o Macondo Circus, ao meu ver, está se tornando algo de novíssimo em Santa Maria como manifestação cultural, com o teatro, as artes plásticas, as artes visuais, o cinema, o inusitado, como o projeto dos argentinos, o Proyecto Gomez, com essa mistura de dança com pesquisa em música, é muita coisa nova.

1. Terminei o mestrado e acabei indo embora de Porto Alegre. Fiquei quatro meses na França, sendo que no momento em que fui embora já ia perdendo as minhas casas. Eu já não morava na casa dos meus pais, por exemplo. Mas na França foi muito legal para mim. Lá eu estudei Filosofia, mesmo não estando inscrita, estudei Gilles Deleuze, que hoje é um filósofo que eu estudo muito, e nesse sentido foi muito bom porque eu pude conectar com umas ideias que eu já tinha no Brasil. Quando voltei estava sem casa de novo e fui morar com a minha irmã, novamente em Santa Maria, uma cidade que eu adoro e que foi ótima para mim na época da faculdade. No primeiro dia em que saí aqui de novo, fui ao Macondo, encontrei o Elias Maroso e ele acabou me falando da Sala Dobradiça, organizada por ele e pela Alessandra, e de que eles estavam a fim de chamar mais pessoas para o trabalho. Eles me chamaram por causa da minha intervenção, que até está ali na exposição, e que foi feita de forma literária. E ele sugeriu que fizéssemos coisas com literatura e tal. Então comecei a fazer parte da Sala Dobradiça e, de certa forma, na própria Sala Dobradiça no Macondo você fica sabendo de todo o Coletivo. Não tem como fazer parte sem conhecer o trabalho de todo o Coletivo. Quando eu comecei a participar eu percebi um espaço legal para construir aquelas ideias que eu tive com outras pessoas, que é a ideia mesmo de criar espaços onde a gente pudesse desenvolver e produzir o que a gente achava interessante. Fiquei na Sala Dobradiça já nem tão ligada a literatura, mais nas Artes Visuais e tal, como organização. Uma coordenação geral trabalhando com o pessoal mais próximo, sem uma posição específica. Mas eu via nesse lugar um espaço legal para conviver e criar coisas junto. Só que ao mesmo tempo – por exemplo, na França eu tive a ideia de fazer doutorado –  eu fiz a seleção para a Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ). Fiz a seleção para doutorado numa área da Psicologia que eu acho muito legal. E aí o meu projeto, que foi muito influenciado por eu ter participado do Coletivo, partiu da minha percepção de que as pessoas se reúnem para produzir arte, produzir uma peça, uma intervenção juntos – mas o que existia de muito criativo no Coletivo era a ideia de como viver e fazer juntos. E aí foi a questão que surgiu. Uma conversa entre o Coletivo e o meu doutorado, que aliás acabou de começar. Eu estou no primeiro semestre, morando em Niterói faz três meses apenas e eu fui pra lá já pensando em voltar pro Macondo Circus. Pensando que eu queria estar aqui nesse momento, pensando que eu não queria me desligar – e ao mesmo tempo tinha relação com a minha pesquisa. Então eu pensei “ah, eu vou pro Macondo Circus”. Eu lembro que eu ajudei a pensar no Cartografias da Cultura Aberta, que foi um seminário que rolou aqui no início da semana. Uns dias antes de vir pra cá, pensei que a minha pesquisa tem uma ideia de intervenção. Como uma pesquisa nunca é neutra, sempre que você está fazendo uma pesquisa também está intervindo de alguma maneira. Então eu pensei em intervir de uma maneira bem direta que foi criando o mural O QUE SE PASSA ENTRE A GENTE. É uma questão muito ligada ao meu doutorado. É o que não está formalizado, mas que existe entre a gente e que constitui os nossos grupos. É a primeira vez que eu faço a intervenção, e a minha ideia é participar outras vezes mas sempre com uma pergunta central. O que se passa entre a gente é uma questão que cabe bastante ao Macondo. O que as pessoas que estão aqui trocam e passam entre elas, da música, da cerveja ao teatro, da dança, de ficar aqui o dia todo. Fiquei muito feliz de ver as pessoas participando, e as primeiras foram as crianças. A intervenção fica de ontem até amanhã. Depois eu vou recolher, guardar e ver o que eu posso construir. Quando você faz uma pesquisa para as pessoas, você tem que apresentar para elas. Eu não conheço todos os que participaram da minha intervenção, mas eu preciso dar uma continuidade. Por estar em um lugar que não é a academia é importante dar uma continuidade para o trabalho. Por ser um mural, a resposta é imediata. As pessoas poderiam filmar e me mandar qualquer coisa, mas depois fica mais complicado. O mural aproveita o espaço. De vez em quando eu vou e dou uma olhadinha. Mas fico na dúvida se olho tudo agora ou depois. Volto para o Rio no domingo.

2. Tem momentos que parece que o coração vai sair pela boca de pensar em ir morar lá. É difícil eu imaginar como é morar na primeira capital do Brasil. Mas eu prefiro pensar que o Rio de Janeiro são várias cidades juntas. Se eu conseguir ir no mercado e na farmácia de uma dessas partes do todo, eu vou me virando. Com certeza é interessante por que eu sinto muito da alma do Brasil no Rio. Por exemplo, da última vez que eu fui para lá em setembro, sem saber eu acabei na frente da primeira casa da Carmem Miranda. É bem no centrão, tem muitos barezinhos e tal e lá está o Arco do…agora não lembro mais. Dizia em uma placa e alguém falou que ali foi a casa da Carmen Miranda. Tem um feeling que é bem interessante.

3. Amo música e acho que não consigo viver sem ela, especialmente rock e samba. Gosto muito de bossa nova,  me encanta muito embora eu adquira coisas novas. Amo cinema, do Tarantino ao Scorcese, adoro cinema brasileiro. Amo moda e é uma coisa que me interessa muito. Acho que não cuido o modo como eu me visto, mas para algumas pessoas eu posso parecer cuidar. Me interesso muito por isso, estudo pouco, mas gosto de parecer diferente. E acho que eu venho ao Festival Macondo Circus porque eu ainda tenho uma busca por culturas diferentes. Além da música, tem o teatro, que em mim é uma coisa muito latente – meio dormindo, mas latente. Então eu acho que eu vim aqui para unir um pouco de tudo, aumentar os olhares sobre Santa Maria e eu acho que a Gare é um lugar que representa muito o Macondo. É isso.

4. Eu sou de Santa Maria e estou no Macondo Circus por que eu acredito na proposta que eles fazem. Eu sou psicóloga e professora na UNIFRA e sou formada pela UNIJUI. Conheceu o namorado, que na ocasião estava sentado ao seu lado, pela internet.

5. Só saio de Santa Maria para viajar, essas coisas. Meu primeiro emprego foi de cobrador de ônibus, fui empacotador na Grazziotin, segurança na AESSUL e depois meu pai abriu uma firma de transporte escolar, onde foi que eu trabalhei mais anos, foram oito. Agora por último sou vendedor e segurança numa empresa terceirizada.

6. Acho que vou falar dos meus hobbies: eu sei desenhar, gosto de música e de tudo que gira em torno desse universo de cultura alternativa e procuro contribuir com esse tipo de trabalho. Eu sou de São Borja e existe uma grande diferença em relação a Santa Maria quanto à cultura. Digamos que em São Borja a cultura é mais tradicionalista, regional, gaudéria. E Santa Maria traz uma nova perspectiva para qualquer jovem com esse universo todo de rock e de tu poder criar uma identidade diferente da gaudéria de São Borja. Isso tudo muda também a forma de pensamento e isso proporcionou minha construção diferente de identidade. Estou me formando em Design uma pessoa totalmente diferente da de lá. Apesar de gostar muito da minha terra. Os amores não são todos correspondidos, mas eu tenho um amor muito bom e bem correspondido também. A vida é ótima.

7. Minha filha está aproveitando bastante, já fez oficina de escultura, dançou bastante no show da Bandinha Di Da Dó, que foi a banda preferida dela. Era isso. A Júlia tem 4 anos. Minha vida é boa. Eu só quero ir embora para explorar outros lugares, outras cidades.

8. Fazer só o que gosta não dá dinheiro, não te oferece nada para comer. Se eu só fizer o que gosto durante a vida toda eu não vou saber terminar a faculdade. Começando pelo início: o que é a vida? A vida é tu fazer muita coisa que tu gosta, e meu objetivo é morrer fazendo a essência daquilo que eu gosto. Então eu acho que eu vou morrer dormindo e ouvindo música, conversando com meus amigos em casa sem fazer nada. Esse é o final, mas entre isso eu tenho que ter um emprego, um dinheiro, uma faculdade. Eu penso muito nisso. Quando eu saí do segundo grau, que é a maior obrigação de vida que nós temos, eu pensei que deveria fazer uma faculdade, ainda mais aqui em Santa Maria, cidade onde eu nasci. Eu nasci no Bairro Nossa Senhora de Lourdes, vivo lá até hoje, há quase trinta anos e gosto muito do bairro. As pessoas lá ainda se conhecem e se dão oi na rua. É tudo perto, gosto muito. É isso, eu tenho que fazer na vida aquilo que eu gosto. Quando eu fui fazer Economia, eu acabava fazendo só aquilo que eu gostava, que era estar com meus amigos, então não deu certo. Eu saí do curso por que na verdade eu gostava de conversar com as pessoas, conhecer histórias, e o que é isso? Isso é jornalismo. É escrever, é conhecer histórias. Eu pensava em ser jornalista antes da faculdade de Economia, mas eu achava que não daria conta de ser uma boa jornalista, como até hoje eu penso, às vezes. Então eu saí de economia e a família toda em alvoroço dizendo “meu deus, tu vai abandonar o curso”, “não vai conseguir fazer mais nada na vida”, “não vai ganhar dinheiro”, “vai ser uma desocupada”. Acabei tendo que lutar contra todos que diziam isso. Tive que fazer intermináveis vestibulares. Uns seis ou sete. E a cada ano eu pensava: “que lixo que eu sou. Não consigo nem fazer cem questões na prova”. Eu sempre fazia pensando que era o último, mas a família começou a apoiar muito para que eu fizesse aquilo que realmente eu gosto. Fui, fui e quando eu passei senti uma libertação. Hoje eu sou muito mais feliz do que eu era até 2007, me acalmei um monte. Quando veio a outra faculdade, vieram novas coisas que eu não gostava. Eu não gosto de telejornalismo, eu não gosto de aula às oito e meia da manhã, tenho muita dificuldade para acordar cedo e durmo tarde. Não sou organizada e isso atrapalha um monte. Tenho que lidar com isso ainda para poder me formar e continuar fazendo o que eu penso. Eu penso hoje como  que eu vou fazer um TCC ano que vem desorganizada do jeito que eu sou. É capaz de eu entregar minutos antes do término. Será que vão me dar coisas que eu não vou conseguir fazer? Eu tento pensar adiante mas eu não consigo. Eu penso “cara, o que eu vou fazer depois de me formar?”. Vou me jogar no mundo? Não sei. Eu penso que no trabalho tem coisas para entregar daqui vinte e quatro horas, não seria melhor eu pensar nas coisas da faculdade do que o que vem depois? Tem gente que já está lá na frente. Eu devo pensar nisso depois de me formar ou pensar agora? Por que se eu pensar só depois eu posso ficar para trás. Meu maior medo na vida é permanecer em Santa Maria, eu posso me sentir uma derrotada. Faço jornalismo por que eu quero o mundo, quero sair, conhecer outras pessoas, outras histórias, outras vidas. Mas eu tenho um grande sonho se permanecer em Santa Maria que é revolucionar o Jornal A Razão. Eu quero muito ser editora do jornal e mudar aquilo tudo. É o jornal mais antigo e o mais criticado da cidade. Se eu conseguisse seria meu auge ficando na cidade. Eu quero tentar as coisas, nem que dê tudo errado e eu volte. Posso dizer “eu tentei, fui e voltei”. Eu poderia viver melhor com a minha família. Família é aquela coisa, né? Quando tu nasce, tu ama a tua família, mas nem te perguntam se tu ama, mas tu ama, ama e detesta. Se tu visse uma pessoa na rua igual ao teu pai talvez tu nem amasse, mas como é teu pai, quando tu senta para conversar com ele, encontra histórias muito legais. Eu já fui muito mais de casa, agora sou mais da rua e isso pode ser uma amostra de que estou construindo minha vida própria. Isso em casa é um processo doloroso, eles não entendem que eu estou na rua com outras pessoas, outras vidas, que eu quero sair. Acaba então que eu tenho que recortar aqui e ali para eles entenderem. É difícil, mas eu tento explicar que não é por que eu estou na rua que eu não gosto de vocês. É um processo que todo mundo vai passar.Vamos lá escutar a banda? Algum amor incompreendido? Todos. Eu me apaixono todos os minutos, todas as horas e todos os momentos, mas todos são platônicos. Todos? Alguns. O problema do amor é que ele retira muita coisa de ti. Se eu tivesse um amor agora, talvez eu não estivesse aqui contigo ou não conseguiria beber sozinha com meus amigos. Teria que ser uma pessoa muito legal para conviver comigo e isso eu ainda não encontrei. Se vocês encontrarem, me avisem.

9. Ela: a gente sempre se amou muito, mas depois virou paixão. E tu sabia disso antes? Não! Antes não. Ele: eu também não, mas desconfiava de mim mesmo. Ela: mas nunca tínhamos ficado antes. Ele: mas ela já estava querendo também. Ela me convidou no dia dos namorados para posar na casa dela. E aí eu pensei “tá né, vou ficar”. Ela: é, se ele não entendesse o recado… Ele: no primeiro dia a gente já estava namorando. É que eu sabia que a gente se amava. Ela: eu agora estou estudando pra Concurso. E a área? Qualquer uma que vier. Inclusive eu tô de aniversário hoje, fazendo 27 anos. Tô me sentindo velha e tô topando qualquer coisa que vier. Sem muitos planos, só vou fazendo. Eu sou assim. Ele: temos família aqui em Santa Maria, moramos os dois aqui, com nossas famílias. Mas em breve vamos morar juntos. Ela: e eu que vou sustentar né? Eu já sou formada, ele ainda tá na faculdade e é mais novo do que eu… Ele: que eu quero mais do que isso? Vai ter roupa lavada… Mas pensando bem, acho que o serviço da casa eu que vou acabar fazendo mesmo. Ela vai me sustentar e eu limpo a casa. Ele: cara, acho que eu não tenho um sooonho assim, sabe. Eu acho que eu tenho várias direções que eu posso tomar e que eu ainda não decidi ao certo. Eu tô aqui no Circus para conhecer bandas que eu ainda não conheça e que me interessem pelo som, além de eu ser frequentador do Macondo e vir aqui pra prestigiar o evento. Som que eu curto? Foo Fighters e Radiohead.

10. Eu tenho quarenta anos e estudo há, pelo menos, uns trinta. Como a maioria das pessoas aqui. Colégio é uma coisa que faz parte da vida de todo mundo e faz muito tempo que eu sou estudante. Eu trabalho com Artes Visuais, sou professor também. Professor de Artes Visuais em uma escola pública daqui. Aqui é pacífico, tu vê um conhecido, pessoas que tu não vê há muito tempo, tu encontra de novo artistas de fora… E ao mesmo tempo eu fico pensando nas possibilidades das pessoas que moram aqui de ir para outras cidades, outros lugares, sabe? Encontrar coisas desse tipo. Eu até estava olhando um vídeo ali sobre Santa Maria, que é um filme mudo, do início do século passado. E olhando aquela história eu fiquei impressionado. Imagens cotidianas. Pessoas saindo de uma igreja, sei lá, alguma coisa que elas estivessem fazendo… Mas ao mesmo tempo tu vê alguma coisa que te diz que é o lugar onde tu mora. Eu fiquei muito impressionado. E ao mesmo tempo comparei: a gente tá vivendo isso aqui agora, muita gente reunida, e quem sabe isso aqui não vai ser uma imagem futura para as pessoas que talvez se questionem: o que eles estavam fazendo? Quem eram aquelas pessoas? Olha o jeito deles… abre muitas possibilidades, e eu acho bacana. Morar em outro lugar? Eu penso em fazer muitas coisas. Mas não sei se exatamente morar em outro lugar… Mas eu penso em conhecer outros lugares. Tenho vontade de conhecer muitos outros lugares. Mas eu acho meio chato morar em Santa Maria, mas acredito que isso é uma condição à qualquer pessoa, em qualquer lugar. Eu gosto de desenhar. Basicamente é isso, é a minha forma de expressão. E música também. Eu faço som com uns amigos. Gostaria muito de estar tocando naquele palco ali (indicando o palco do festival com a cabeça), olha só que massa aquilo… Não rolou porque o evento tem um limite né, ele não conseguiria contemplar todas as pessoas que querem se expressar. Como qualquer evento ele tem os seus limites. Sentiu falta de bandas santamarienses? Honestamente, sim. Não por uma questão só de vaidade, mas eu acho que a minha banda teria todas as condições de estar tocando ali. Teria mesmo. Não vou fazer nem a defesa nem o ataque do Macondo Circus, mas se tu ver aquilo que essa gurizada passou para chegar até aqui… E chegou nesse ponto, em que a gente está vendo pessoas de fora. Eu não sei quantas bandas em Santa Maria trabalham autoralmente. A gente faz trabalho autoral porque não sabe fazer cover. E eu não sei por que essa gente não se reúne pra construir alguma coisa. Mas tem, por exemplo, o Nossas Expressões (evento cultural ligado à UFSM). Aí seria um contraponto. O Nossas Expressões é muito mais uma coisa caseira do que o Macondo. Ele já entrou em outro caminho, e eu não sei qual será o caminho daqui para frente. Já o Nossas Expressões ainda mantém. Já tem umas trinta edições, não sei. Vem gente de fora, mas ao mesmo tempo valoriza o pessoal daqui. Eu acho que para ter uma participação maior dos músicos aqui em Santa Maria seria necessário que os próprios músicos, as bandas, se juntassem e fizessem uma pressão, lutassem mais para aparecer. Seria interessante. Santa Maria tem uma história de rock e música na rua. Agora parece meio apagado. Sim, tá meio quieto mesmo. Meio sossegado o negócio. Eu desenho muito desde criança. Mas eu decidi e assumi “vou desenhar e vou pintar” a partir dos vinte anos. Eu não sabia muito bem o que fazer da vida, sabe?. Então pensei: eu vou fazer o que eu sei, e entrei para esse caminho. Eu não estou expondo nenhum trabalho aqui. Mas é um desenho moderno, tipo aquela transição entre a figura e a abstração. Vou me movimentando nesse caminho. E eu não quis trazer nada porque eu acho que o meu trabalho é mais… não sei.

11. Eu estou aqui por que tenho três filhos no Macondo Coletivo e nós estamos colaborando, inclusive, meu marido e eu. Na verdade, de quarta-feira a sexta-feira eu fui motorista dos artistas. Eu buscava e levava os argentinos, os hermanos, caixa de som para um lado e para o outro. E eu estou aqui por que na verdade eu gosto muito dessa diversidade. Isso tem um pouco a ver com o movimento de 68, da época que eu era jovem, quando a gente criava. O pessoal de hoje é muito comportado até, mas tudo isso lembra o que nós fazíamos lá atrás. O público de Santa Maria que não está ligado ao Macondo ainda tem um preconceito com o rock, com a Gare e com esse tipo de arte, mas é riquíssimo o que está acontecendo aqui. O pessoal mais conservador deveria vir aqui, as crianças brincam, as pessoas ajudam a cuidar uns dos filhos dos outros. Eu vejo uma riqueza de diversidade. Nos dias atuais, de tanta violência, esse pessoal aqui produz alegria, energia, eles produzem essa idéia de criar junto, de afetar e ser afetado, tendo o prazer de estar junto. Eu estou muito feliz de estar aqui e ter ajudado mesmo como motorista do Macondo Circus e isso me honra muito. Sou mãe da Silvana, da Lúcia, da Alice e do Pedro, que não está aqui. E 68? Nós acompanhamos aqueles anos turbulentos. O Irineu e eu pertencíamos aqui em Santa Maria ao Movimento Universitário de Santa Maria, que era um movimento da juventude. A gente fazia caminhada, por que era período de ditadura, então a gente tinha que achar alguns jeitos para fazer as coisas. A gente se escondia atrás da música, por exemplo, a gente inventava muito. Era uma música muito metafórica para a gente poder cantar. Eu me lembro, por exemplo, que para a gente cantar as música dos Geraldo Vandré, a gente se escondia no porão de uma casa onde hoje está localizado o restaurante Sharong. Embaixo tinha um porão, uma capelinha, onde a gente se reunia lá para cantar essas músicas. Nós éramos do movimento de resistência. Eu tenho a idade da Dilma. Nós só não fomos para a guerrilha, mas eu admiro a coragem de quem foi. Nós nos enfiávamos na Pastoral, que era uma instituição mais progressista, que era um guarda-chuva de possibilidades para a gente manter a resistência contra a ditadura. O importante, para mim, é que o movimento de 68 não se extinguiu. Esse ritmo de hoje do “faça você mesmo”, é a autonomia, dos movimentos contra a guerra, pela libertação da mulher, contra a submissão do trabalho subordinado, pela liberdade, pelo fazer-se livre. Eu acho que o emprego vai desaparecer, por que ninguém gosta de ser subordinado, ninguém gosta de ser esgotado pelo patrão. Há um forte movimento pela libertação do trabalho, de fazer as coisas com autonomia. Eu defendo e no movimento de 68 já se falava, eu tenho um amigo que diz que quando dez pessoas se reúnem apenas uma sobrevive, uma apenas se sustenta. E tem um pouco disso aqui no movimento, da união pela arte. Eu tenho convicção que 68 não se extinguiu. O 68 está vivo, nos autonomistas, nos movimentos contra a guerra, no Hip Hop, na música. A caminhada da sociedade se dá assim, calma e entre vai-e-vem, nunca há retrocessos. Então nós continuamos o 68. Foi um movimento rico, expressivo, que marcou a humanidade. Ele continua vivo, sim. Nós sonhávamos na época em derrotar o capitalismo. Achavamos que era possível e entendíamos que para derrotar o capitalismo tinha dois caminhos: ou derrubando a burguesia via armada de forma não eleitoral, insurrecional, e o outro lado era o de acumular pontos, de eleição em eleição para tomar o poder do Estado. Hoje a gente sabe que não se derrota o capitalismo via eleitoral e nem se derrota o capitalismo e se consegue colocar um “modelinho novo prontinho” que muitos socialistas pensam que conseguem implantar. Isso não existe! O que existe é uma diversidade de modos de vida que vão se construindo. O capitalismo é o modo de vida da maioria das pessoas e derrotar o capitalismo é derrotar o modo de vida das pessoas. Teria que de uma hora para outra mudar a mente das pessoas, por que o capitalismo está impregnado no nosso modo de vida. Então não é por decreto e tomada de poder que se consegue isso. Nós queríamos sim chegar ao poder e realmente chegamos. O pensamento de estatizarmos tudo e fazer um governo abaixo de decretos é impossível quando se está na presidência da republica. Houve gente que se decepcionou, foi para o PSOL e tal. Mas o PSOL tem um discurso muito atrasado, ao meu ver, pois é totalmente sectário e que nunca diz como conseguiria tudo o que promete. Eles mesmos percebem que o programa deles é inviável, por isso não se preocupam com o voto e as pessoas também não votam por que na realidade atual é inviável as promessas do PSOL. Eu acho que no capitalismo o Lula foi muito inteligente. Eu tenho muito para reclamar de coisas insuficientes, agora, o que que ele entendeu muito bem? De não mexer com os grandões que o atrapalhariam depois. O que o Lula fez, então, foi fazer todos os outros terem possibilidade também de ganhar alguma coisa. Tu ronda o capitalismo e retira dele mesmo a saída para os outros, criar acesso aos outros, possibilitar saídas para a educação. Ampliar é a palavra. Eu sou a favor de um projeto de renda mínima universal, ou seja, é impossível tu ficar produzindo para empregar, produzindo, produzindo e o planeta não agüenta. A gente precisa redistribuir o estoque de riqueza existente para que as pessoas possam sobreviver. As pessoas produzem arte, solidariedade, modos de vida, e com o tempo isso será expandido, e o Circus é o início aqui de tudo isso. É impossível pensar que desenvolvimento ilimitado vai gerar empregos para todo mundo, e que todo mundo terá o que precisa. Isso é inviável. Não significa também manter os índios na extrema miséria. Não, eles querem internet também, eles querem se comunicar. Eles nunca vão passar pelo processo industrial, de classe operária, isso é impossível. O Brasil vai ter que se tornar um pouco o Brasil, e o Brasil um pouco a Amazônia – que é aprender a viver de uma outra forma, quem sabe consumir menos, mas sem abrir mão do processo de comunicação. Mas temos que fazer mídia. Eu sou da geração que ainda tem muita dificuldade com a internet. Mas eu mesmo me arrisco, uso twitter, tenho um blog. Acho que é isso que precisamos fazer…A minha geração é a geração crítica e racional. Tudo tinha uma lógica. E era etapista. Primeiro você estudava, depois trabalhava, depois juntava dinheiro, depois ia ser feliz… Essa era a lógica racional e analítica. Gostava da música pela letra e tal. A geração de hoje não é assim, mas tem uma grande sabedoria que é a de não deixar para depois. É ter sentido aqui e agora, imediatamente. E produtivo. Assitindo televisão e sendo produtivo. Comprar virtualmente e dar opinião da compra. Consumidor e produtor. Na época que o Marx falava em mais-valia, a própria hoje se expandiu. O capital explora os afetos, os sentidos, a natureza e a comunicação. Mas ao mesmo tempo ele tá sempre correndo atrás porque quem produz a riqueza é a população. Antes ele dizia que a máquina que explorava o trabalhador. Hoje, a máquina é subordinada ao homem: o computador. Tem que ter uma cabeça que o opere o software, a sabedoria está na cabeça e não na máquina. Um computador não é nada sem a pessoa. Quanto mais gente entra em um software muito mais rico ele fica. E o capital está sempre capturando essa sabedoria. Na linguagem, na música, na favela – a própria é produtora rica de meios, de formas, de gestos, de linguagens. Hoje não é mais a matéria. É a subjetividade. Hoje o trabalho vivo ganhou diante do trabalho morto do qual Marx falava. Por isso que todos somos produtivos e temos direto a uma renda universal. Muita coisa daqui (Macondo Circus) vai virar moda, festa. As pessoas geram modos de vida aqui e depois geram mais coisas. Trocam, modificam informação correndo. É o capital que precisa de nós. Quando percebermos a autonomia que temos, a revolução estará acontecendo. Apesar de tudo eu sou extremamente otimista. Acho que cada vez mais a humanidade vai achar modos de resolver as questões.

1. Talita Tibola é formada em Psicologia e atualmente faz doutorado. É a autora da intervenção que inspirou essa reportagem O QUE SE PASSA ENTRE… O QUE PASSA ENTRE A GENTE.

2. O meu nome completo é Sarah Oliveira Quines e a minha formação é quase bacharel em jornalismo.

3. Meu nome é Michelle Teixeira, tenho 22 anos.

4. Vânia de Oliveira é psicóloga.

5. Patrick de Barcellos é segurança, e no dia trabalhava no Macondo Circus.

6. Sou Maurício, estudante de design na Universidade Federal de Santa Maria, sou de São Borja.

7. Sou Carol Ferreira, tenho 25 anos e estou me formando em publicidade.

8. Quando eu vou me identificar eu não uso o Pinheiro, só o Falcão e quando eu me identifico, eu me identifico como estudante do sexto semestre de Jornalismo. Michelle Falcão.

9. Ele, Matheus, acadêmico de Publicidade e Propaganda. Ela, Camila, Relações Públicas.

10. Anônimo.

11. Tereza Dalmaso, professora, mestre em educação e militante.

O QUE SE PASSA ENTRE A GENTE, pelo viés de Bibiano Girard, Nathália Costa e muitos outros.

Colaborou Letícia Fontoura.

bibianogirard@revistaovies.com

nathaliacosta@revistaovies.com

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