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A parceria entre Macondo e o coletivo de arte de rua Subsolo.art e o maior painel já liberado para grafite na cidade de Santa Maria

-O que vocês estão pensando?

A pergunta, vinda de dentro de uma viatura da polícia, não foi exatamente uma surpresa. Grafiteiros costumam ter de conviver com o estigma de fora-da-lei, mesmo quando estão mais do que dentro da legalidade. Os policiais ainda lançaram um olhar desconfiado à autorização cedida pela Prefeitura Municipal de Santa Maria para a pintura de um painel cobrindo toda uma das paredes do túnel da Gare. O documento, nas mãos de Brasiliano, grafiteiro e representante do Macondo Coletivo, autorizava a pintura daquele que é o maior espaço já liberado para os artistas de rua na cidade de Santa Maria.

Da proposta à realização do painel, a ideia é fruto da parceria do Macondo Coletivo com o Subsolo.art, site/coletivo voltado à cultura de rua de Santa Maria. O Subsolo.art realizou algumas atividades ao longo do Macondo Circus, e segundo Cauê, administrador do site, a ideia de realizar um painel dessa magnitude já vinha de tempos, mas foi graças ao evento que pôde finalmente se realizar. Além da pintura do painel, o Subsolo.art realizou também um debate, na segunda-feira, para discutir o papel da intervenção urbana na sociedade, e uma exposição de latas de tinta spray customizadas.

O tempo para organizar a intervenção no túnel foi relativamente pouco – uma semana, já que a proposta foi apresentada à Prefeitura no primeiro dia do Circus e a liberação só veio na sexta-feira – e os apoios para conseguir material e tinta foram escassos. Os materiais que os Coletivos conseguiram reunir acabaram logo, e os mais de 20 grafiteiros – dentre os quais, três garotas – logo passaram a utilizar seu próprio material, que virou um bem comum a todos que lá estavam, numa prática exemplar de socialização, que inclusive poderia ser tomada como um modelo de conduta para nossa sociedade individualista, à qual a intervenção urbana e seu questionamento da propriedade – de quem é a rua? – tem uma crítica inerente.

Não é a primeira vez que a arte de rua tem espaço no Macondo Circus. Na edição do ano passado, o evento contou com a presença do grafiteiro porto-alegrense Trampo, um dos artistas mais importantes no cenário do grafite nacional. Além da exposição de Trampo na Sala Dobradiça, onde fez uma mistura de diversas técnicas para criar um ambiente caótico como a urbe, ocorreu a disponibilização de tapumes para artistas locais. Durante um “rolê” na madrugada da cidade para executar alguns trabalhos, Trampo – cuja vinda, no início dos anos 2000, foi indispensável para impulsionar a arte de rua em Santa Maria – e alguns artistas daqui ainda pintaram a carroça de um catador, que solicitou a decoração de seu instrumento de trabalho quando viu a rapaziada portando latas, rolos e canetões (algumas fotos desta ação podem ser vistas no site da Subsolo.art).

Entre tintas, corantes, latas de spray, rolos e bandejas de mistura que se espalhavam pela calçada estreita e transitavam de uma ponta a outra conforme as atividades de cada grafiteiro, a parede interna do túnel foi tomando vida, à medida que o cinza inconstante do reboco era coberto de cores e formas. Cauê explica que, a princípio, só iria pintar quem tivesse participado da exposição das latas no primeiro dia. Mas como a intenção é agregar, todos os artistas que se propuseram a pintar tiveram o seu espaço, e cada um teve a liberdade de usá-lo como bem entendesse.

Apenas uma paredes foi pintada, não só porque era isso que a Prefeitura autorizava, mas também porque a outra parede é tomada de infiltrações, o que impede que a tinta se fixe. A parede que foi pintada também tinha várias infiltrações, o que influenciou no trabalho final. A escassez de tinta e as infiltrações, que a princípio eram obstáculos, resultaram numa solução criativa: as infiltrações foram contornadas pelos traços que representavam rachaduras na parede, as quais “abriam” no cinza insipiente buracos por onde era possível se ver o azul do céu e as obras sobrepostas a ele.

A intervenção referencia, de certa forma, a pintura realizada pelo inglês Banksy, ícone recente da arte de rua, no muro que isola de Israel os palestinos. A pintura de Banksy foi feita do lado palestino, onde o artista abriu rachaduras no muro e fez imagens de crianças, levadas por balões, subindo ao topo da divisória que cerceia a liberdade do povo palestino. Aqui, a rachadura pode ter sido uma conveniência ou uma referência, mas de certa forma também representa uma liberdade inédita ao grafite de Santa Maria.

São as rachaduras da parede, também, que fazem a ligação entre os vinte trabalhos – alguns ainda em execução – dispostos do início ao fim do túnel e dão coerência ao trabalho, apesar de toda a diversidade que se encontra de uma ponta a outra. Entre personagens, letras estilizadas e uma variedade de cores, algumas marcas características que são facilmente identificáveis em outros locais da cidade: a antiga FPK, o ser robótico de Brasiliano, os personas de Vico, do CO-RAP. Chama a atenção também o trabalho de Daniel (TOSE), que reuniu no seu espaço as tags (assinaturas) dos que ali estavam pintando e outras mais, gerando um espaço que une um pouco da sofisticação do grafite com a essência do pixo.

Ao longo dos dias de pintura, mais do que as insistentes rondas da polícia a baixa velocidade, foi agradável o interesse dos transeuntes no trabalho que estava sendo executado. Alguns perguntavam do que se tratava, outros paravam, e outros ainda passavam observando do início ao fim. O painel não deixa de ser um dos legados que o festival Macondo Circus de 2010 deixa para a população da cidade. Ao término de um festival que se propõe a ser O palco de todas as artes, permanecem as memórias, os registros e a experiência. Enquanto isso, o painel executado em uma via pública fica para todos e segue dialogando com quem passar por lá. Ou, nas palavras de Cauê: “Isso é importante porque sai fora daquilo que as pessoas vivem todos os dias, da sua rotina. [Ter espaço] não é só uma questão do grafite, mas principalmente de comunicação com as pessoas”.

VIDA AO TÚNEL, pelo viés de Tiago Miotto

tiagosmiotto@revistaovies.com

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