CUIDADO, PESSOAL, LÁ VEM VINDO A VERANEIO

Se eles vêm, como ensino, é melhor sair da frente. Tanto faz, ninguém se importa se você é inocente. Com uma arma na mão boto fogo no país. Não vai ter problema, eu sei, vou estar do lado da lei.

O parágrafo acima é uma parte da música “Veraneio vascaína”, da lendária banda brasiliense Aborto Elétrico. O medo que a veraneio vascaína causava quando os policiais chegavam à Colina rendeu letra de música e história para contar. Os jovens de Brasília representaram em música o que ocorre até hoje em grande parte das cidades do país: uma polícia dúbia, dividida entre a parte visível (a que a sociedade enxerga nas ruas como forma de segurança) e uma parte mais secreta (a ronda noturna que bate, espanca, reprime,oprime e chacina jovens pobres no país todos os dias).

A imagem de opressão das instituições policiais foi sendo construída durante o tempo, e a repressão sempre foi a maneira mais fácil encontrada pelo poder de censurar e manter os cidadãos na linha programada por quem está por cima. No Rio Grande do Sul, um dos casos mais emblemáticos de abuso policial e serventia da instituição aos interesses do poder foi registrado quando a presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul – Sindicato dos Trabalhadores em Educação (CPERS) foi presa durante uma manifestação em frente a casa da Governadora Yeda Crusius, a qual enfrentou durante seus quatro anos de governo os manifestante sempre com a presença da polícia.

A violência policial perpassa momentos de tensão e de morte desde que existe polícia no Brasil. Na ditadura militar esse órgão serviu como o principal repressor social, exercendo sobre os jovens e adultos inconformados com o regime a imagem que atualmente o famoso Caveirão exerce sobre o cidadão do Rio.

A desqualificação de grande parte dos profissionais policiais reflete o tom e a força que a sociedade despreparada, injusta e caótica tenta impor aos seres nos quais ela mesma infiltrou a brutalidade, a privação e a frustração.

A polícia passa a ser uma parte íntima do conservadorismo mais arcaico evidenciado no pensamento dos cidadãos individualistas enclausurados em seus apartamentos. O homem afastado da pluralidade de pessoas que convivem atualmente deposita na polícia seus convencionalismos e suas vontades mais violentas de “justiça”. Entretanto, a burguesia quer justiça bem longe de sua calçada, e aí, senhor cidadão, é tudo no escuro, onde a luz não mostra o pontapé e a brutalidade da ponta do cassetete no estômago.

A polícia se tornou em parte um desdobramento da própria sociedade positivista, constituída apenas sobre a observação dos fatos, do “bem” e do “mal”. Um marginal é apenas um marginal, um manifestante é apenas um manifestante. A sociedade não quer saber que seres são esses, mas apenas o papel que exercem no momento que a polícia deve atacar. Apoiando-se ao racionalismo, a polícia é a instituição que desempenha a função única de opressão, aproveitando-se dos degenerados e dos casos midiatizados pelos canais de televisão em tempo real para criar a idéia de fortalecimento da ordem, do lado do “bem”. Isto é, entender os meandros da sociedade desigual não é função da polícia e nem disciplina de formação dos mesmos.

Com raras e dignas exceções, a imagem do policial chegando ao local onde há muitos jovens ou a alguma manifestação causa calafrio e receio na maioria dos presentes. Os cães e os cassetetes raramente tranqüilizam quem está por perto manifestando-se de forma política e/ou cultural. Como dito, com raras exceções a polícia não demonstra seu lado preconceituoso e estúpido, utilizando-se de seus cassetetes de forma errônea, maquinal e preconceituosa.

Quanto ao preconceito, o termo inicialmente remete aos “atraques” policiais a grupos socialmente oprimidos. Mas o preconceito engloba também os ataques policiais a grupos dos quais a polícia desconhece as intenções ou as premissas de trabalho, como os casos ocorridos ultimamente na capital gaúcha contra grupos artísticos de teatro de rua.

Em Porto Alegre, durante a maior Feira do Livro aberta das Américas, a atriz e escritora Telma Scherer passou por uma situação inusitada ocorrida durante o evento cultural de proporções gigantescas. Enquanto fazia uma performance, na noite de sexta-feira, 12 de novembro, a atriz foi cercada por dez policiais que a levaram inicialmente para fora da Praça, afastados da iluminação do evento. Quando questionados pela própria escritora, os policiais responderam que era necessário Telma fazer uma identificação.

“Depois me pegaram pelo braço e me puseram dentro de uma viatura com quatro policiais. Perguntei o que estava acontecendo e me disseram que eu estava sendo levada para fazer exames médicos. Eu chorava copiosamente pensando que, diante do público da Feira, eu era tratada como uma doente mental, bandida, criminosa, perturbadora da paz. E sem entender o que estava acontecendo, o que fiz de culpável”, escreveu Telma em seu blogue.

A atriz havia sido contratada para realizar performances de poesia pelos próprios promotores do evento nos anos de 2007, 2008 e 2009. Em seu blogue Telma afirmou que em 2010 não enviou propostas de atividade simplesmente porque no ano de 2009 havia cansado demais. Ademais, os problemas que a atriz sofreu estão ligados a uma série de manifestações contrárias a mercantilização da feira. Uma das explicações para o ocorrido foi que a atriz “estava chamando mais atenção do que as bancas de vendas”. Na ocorrência, o vice-presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Osvaldo Santucci, negou que a Câmara teria acionado a polícia, mas afirmou que algumas pessoas teriam reclamado do acúmulo de expectadores no entorno da performance da atriz.

O ano de 2010 parece ser mesmo uma boa amostra da repressão policial e do despreparo dos guardas municipais em relação a manifestações artísticas nas ruas da capital gaúcha. No dia 16 de outubro a Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta FavelA…, grupo de teatro formado por 10 porto-alegrenses, apresentava sua montagem de rua “Árvore em Fogo” na ilustre Esquina Democrática  de Porto Alegre quando alguns soldados da Brigada Militar tentaram interromper a apresentação. “A medida que o tempo passa, quando vamos analisar o fato, achamos cada vez mais absurdo. A Brigada Militar cometeu um ato inconstitucional nas abordagens feitas aos atores na Esquina Democrática. Em nenhum momento nos perguntaram se tínhamos autorização [de apresentação de rua]. Isso só foi perguntado já no posto policial. A ordem era de simplesmente parar. Dentro da delegacia ouvimos de um soldado que era preciso parar a peça pois algumas pessoas não estavam gostando”, disseram os integrantes do grupo.

A grande mídia trata, com exceções, os atos policiais repressivos (àqueles onde a sociedade civil sofre violência desproporcional ou desmerecida por atos insuficientes, ou nulos, de perigo aos demais) como segurança pública ou ato para manter a ordem e a segurança do local. Em Santa Maria, durante as manifestações contra o aumento da passagem, que o prefeito Cezar Schimer depois ratificou, a polícia esteve sempre presente com soldados nas ruas, a cavalo, com cães e armados. Entretanto, apenas um momento de tensão e covardia ocorreu quando um policial saltou sobre um dos estudantes que gritava palavras de ordem.

O despreparo dos profissionais em todo o Brasil é comprovado diariamente por ocorrências como abuso de poder, disparos contra civis, repressão de atos públicos legais e preconceito contra raças e pessoas de classes mais pobres. O caso recente mais lembrado de morte causada por arma de policiais durante protesto foi a de Elton Brum da Silva durante a ocupação da Fazenda Southall em São Gabriel, região da campanha. Os laudos da perícia comprovaram que o agricultor foi morto a queima roupa por tiro de espingarda.

A incoerência em relação a atos repressivos e de revista policial em grupos mostra outra deturpação da função policial e da justiça que deveria ser para todos. “Esse despreparo da policia existe, sim. Eles são treinados para enxergar artistas de rua como bandidos, agem inconstitucionalmente, não apresentam um argumento que tenha no mínimo bom censo”, dizem os integrantes do Levanta FavelA…

A Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta FavelA… articula também sobre a possibilidade dos policiais terem mandado parar o espetáculo sobre ordens maiores. “Desconfiamos que seja um ensaio para implantar aqui no Rio Grande do Sul o que já acontece em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia:  o Poder Público começar a cobrar taxas para que grupos de rua sejam autorizados a se apresentar em espaços públicos. Outra coisa de que desconfiamos é que seja o início de um “pacote” de “limpeza” urbana para a Copa do Mundo.

No Rio de Janeiro, por exemplo, já há uma lei que obriga qualquer grupo de espetáculos gratuitos de rua dar entrada a um pedido de “nada a opor”, na Secretaria de Ordem Pública, com 30 dias de antecedência, para que seja analisada a liberação ou não do espetáculo. Richard Riguetti, articulador da Rede Brasileira de Teatro de Rua disse que os grupos teatrais preferem aguardar a liberação a chegar à praça e a polícia não deixar acontecer o espetáculo. “É desagradável”.

A infiltração do Estado mínimo destrói as áreas sociais e culturais, mas ao mesmo tempo continua poderoso se a questão é controlar a liberdade individual e as possibilidades de manifestação pública. A polícia tem um poder de controle e de autonomia que nenhuma outra instituição da nação alcança. É uma força além-Estado e tem regras e normas próprias de conduta. Muitos policiais não têm necessidade de motivos para bater ou oprimir, apenas necessita de estímulos. As repressões físicas e morais permanecem como forma de tortura para alcançar seu objetivo único: a delação.

É estranho que a instituição de segurança da nação representa uma força que nos paralisa. As veraneios vascaínas ou as camionetas mais modernas passando vagarosamente em frente às manifestações ou locais de aglomeração de pessoas (em sua maioria locais frequentados por pessoas mais simples e/ou estudantes de instituições públicas) criam uma ambiguidade de sensações, mistério aparente e eficaz, para a polícia, de domínio. Essa ambiguidade construiu-se socialmente quando o transgressor e o opressor são o mesmo. De fato, a polícia tem poderes de construir verdades para poder manipular os fatos, como por exemplo, conseguir durante um “atraque” de tortura transformar o inocente em suspeito e o suspeito em delinquente e repassar essa concepção para a sociedade.

Muitas mortes ocorreram, muitos hematomas sofridos, braços quebrados, costelas arrebentadas e pimenta no rosto. Do pixador ao professor estadual, todos já sentiram o peso do cassetete e nada até hoje mudou. A polícia ainda enfrenta o povo com escudos, balas de borracha e munição letal. Muito há de se fazer para que polícia seja sinônimo apenas de segurança. Não basta aumentar os efetivos, números de viaturas e treinamentos traiçoeiros. O Brasil necessita de uma polícia que conheça os reais problemas de cada cidade e que os trate com o máximo de profissionalismo e não com o impulso bárbaro de fantasiar-se de justiceira a lamber os pés dos patrões da grana e do poder que, sabemos todos, também não estão nem aí para eles.

CUIDADO, PESSOAL, LÁ VEM VINDO A VERANEIO, pelo viés de Bibiano Girard

bibianogirard@revistaovies.com

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