O MAU VIZINHO

Galeria Rio Branco (Foto: Lucas Figueiredo Baisch)
Galeria Rio Branco (Foto: Lucas Figueiredo Baisch)

14 andares, 56 apartamentos, enorme espaço para lojas e sobrelojas. Assim é um dos prédios que mais chama atenção no centro de Santa Maria, que se impõe mais ainda por estar situado numa área em que dominam pequenas construções, a Avenida Rio Branco. Quando começou a ser construído, era o sonho imobiliário de muitos da cidade. Localizado entre os números 455 e 479, a construção era o símbolo da modernização da avenida, uma chamada para o novo na região mais tradicional da cidade.

O Sr. Rocha, dono da Casa de Carnes localizada na esquina do outro lado da rua, lembra-se que quando abriu o estabelecimento no local, há mais de 42 anos, as construções do prédio tinham recém parado. Parado é a palavra, não concluído, visto que o prédio jamais ficaria pronto. Hoje, mais de 45 anos depois do início de sua construção, o Condomínio Galeria Rio Branco continua apenas uma carcaça que jamais abrigou ninguém legalmente. Um enorme esqueleto abandonado num dos pontos turísticos de Santa Maria, um símbolo de descaso e um grande problema para os moradores dos arredores.

“Lembro até hoje do dia em que o Bartholomeu Ceccim (proprietário do terreno e um dos condôminos) chegou aqui e disse: ‘Olha, Rocha, acho que nunca vou ver esse prédio pronto’.”

Os moradores da volta não sabem apontar com certeza o motivo do abandono das obras. Para alguns o prédio foi construído sobre um solo que jamais agüentaria uma construção desde porte, e isso só foi notado quando as construções estavam prestes a ser concluídas. Para outros, o problema foi de dívidas dos proprietários e brigas na justiça. O fato é que do sonho de avanço dos donos do imóvel, o Galeria Rio Branco tornou-se o pesadelo de seus vizinhos.

À direita do prédio, subindo uma escada estreita, encontra-se a Whiskeria Rio Branco. Odete, a proprietária do estabelecimento, aluga há 21 anos o apartamento ao lado do gigante de cimento.

“Quando chove, parece que tá caindo uma cachoeira em cima da minha casa! Tá tudo mofado, olha só”, diz ela, abrindo a porta de um dos quartos pintados de rosa forte. Realmente todo o canto da parede que encontra o teto está coberto por uma camada escura. “As nossas roupas… A gente coloca elas no guarda-roupa e ficam com um cheiro horrível de mofo”. Uma das moças sentadas no sofá balança a cabeça, concordando. “Isso sem contar a rataiama! É cada rato do tamanho de um gato que vem dali! Barata de montão! Morcego de montão! É um horror! Às vezes é um gritedo nessa casa, todas as meninas gritando porque tem algum morcego aqui dentro”.

Porém ela admite que os problemas já foram bem maiores, na época em que a entrada do prédio era aberta e a galeria ficava acessível a quem quisesse e tivesse coragem de entrar. “Antes tinha a esculhambação da gurizada que invadia. Eu dava comida pra eles e tudo, mas eles me roubavam de montão. Agora está mais controlado porque colocaram essa porta, mas antes eles invadiam, entravam mesmo. Estavam levando ferro e tijolo…”. Odete ainda viria a descobrir que as pessoas que moravam nos andares acima da galeria lhe roubavam luz elétrica e linha telefônica. Segundo outros relatos de moradores da região, os moradores fixos dos andares superiores tinham até televisão.

Amélia, a irmã de Odete, trabalha e mora do outro lado da rua, no Brick e Antiquário da esquina. Já chegou a morar exatamente em frente ao Galeria Rio Branco, porém mudou-se para o apartamento logo acima do trabalho em abril de 1995. “Minha irmã mora logo ali, meu trabalho é aqui, o mercado que eu frequento é aqui perto. Não posso me mudar pra longe”. Amélia também lembra-se de histórias da época em que a galeria era aberta. “Eu tinha medo de passar ali na frente até de dia. Tinha que passar de cabeça baixa. Por duas vezes entraram no meu antigo prédio, mas sempre dava a sorte de eu estar chegando ou algum vizinho meu estar chegando”. Amélia conta que houve uma época em que criavam porcos e galinhas dentro da galeria e que em uma das lojas chegou a funcionar uma lancheria. “Se era legal ou não, eu não sei. Só sei que nunca comi ali”.

No 8º andar do prédio José Dangui Pacheco, na rua Francisco Mariano da Rocha, no mesmo quarteirão do Galeria Rio Branco, moram Zulma e Ary, que é o síndico do prédio. Zulma mora há mais tempo no local, visto que antes de se casar com Ary, morava com os pais, no 2º andar. Ela lembra-se da época em que na galeria funcionava uma boate: “Lembro que um dia eu escutei um pá, pá, pá. Tiros, sabe? Fui olhar. Tinham matado um homem”. Fernanda, que trabalha há muitos anos na sede da CUT, localizada ao lado da saída do Galeria Rio Branco, pela rua Francisco Mariano da Rocha, também lembra das festas. “Tinha sempre música. Tem um lugar ali atrás que se a gente subisse dava para olhar pra dentro. Sempre tinha festa”.

Quando Ary ficou viúvo e conheceu Zulma, ela o convenceu a mudar-se para o Dangui Pacheco. Ele transferiu-se para lá em setembro de 98, e utilizando a experiência que tinha do prédio anterior, tornou-se síndico, cargo que ocupa desde 99. Ele lembra-se que dois anos atrás estava no corredor fechando as janelas, pois estava caindo um temporal, quando um tijolo voou de um dos últimos andares do Galeria Rio Branco e quebrou a janela, quase acertando-o. De fato, mesmo visto do telhado do Dangui Pacheco, o prédio abandonado é muito maior. “Só fecharam a entrada da galeria depois que uma moça se atirou lá de cima. Ela caiu bem ali”, mostra ele, apontando para uma pilha de ferros sobre o cimento.

Hoje em dia, um dos problemas que Ary tem enfrentado no prédio é a infiltração que apareceu na garagem. Uma água escorre de pequenos buracos na parede e alaga duas das vagas. “Hoje tem pouco porque eu já varri essa água pro cano”. O síndico mandou fazer uma análise da água, e os resultados apontaram para a presença de cloro. “Isso é água da Corsan, e vem do prédio abandonado, dos canos velhos de lá! Dizem que os prédios da volta também já estão condenados, por causa dessa infiltração”.

Liene, de uma loja de refrigeração na Rio Branco, comenta sobre o que ouviu. “Eles passaram dias drenando a água do prédio abandonado. Dizem que era tanta água que formava uma piscina com metros de profundidade que ia dessa rua até a outra”.

Ida, que mora a um prédio de distância do condenado, confirma que havia muita água. “Passaram dias drenando, mas já voltou tudo de novo”. Ida é uma das moradoras mais envolvidas em abaixo-assinados e reclamações com os órgãos competentes. Já foi diversas vezes na prefeitura reclamar sobre a sujeira que o prédio traz para dentro de seu apartamento, onde aluga quartos para estudantes. “É poeira, pombo, morcego. Tudo!”. A última reclamação foi para o promotor, sobre o dia em que estava caminhando na calçada e um tijolo despencou de uma das sacadas do prédio abandonado e caiu a seus pés.

O marido de Carmen, vizinha de janela de Ida, também já procurou os órgãos públicos. Foi até a Câmara de Vereadores e pediu que eles visitassem sua casa e analisassem a situação, porém eles não compareceram. O maior problema para Carmen é a vista que tem da janela da sala onde atende como manicure e pedicure. Se não fosse a tela que colocou na porta, suas clientes veriam diretamente a janela do prédio ao lado, onde se encontram pedaços de roupa, calçados e restos de outros utensílios dos antigos moradores. “Pra te dizer a verdade, o prédio não interfere em nada na minha vida. Claro que tem o cheiro, um cheiro muito ruim, que exala em dia de mormaço… deve ser do xixi dos morcegos. Mas aí abro a casa e fica bem arejada. Eu tenho medo em dia de vento, chuva, temporal, Já aconteceu, por exemplo, de cair tijolos lá de cima, em dia de ventania. Um dia caiu aqui na entrada da minha casa, que deus o livre, poderia estar entrando eu, o meu filho. A queda é grande e tu sabe que a velocidade também, né!? Poderia acontecer uma fatalidade. Mas tirando isso, não interfere, não”.

Carmen sai para a sua área de serviço e grita para Ida que é para ela descer logo após a entrevista, pois vai fazer uns docinhos e quer a sua companhia para um chimarrão. E assim a vida continua para os vizinhos do Galeria Rio Branco, que continua ali, olhando a todos de cima, no alto de sua decadente imponência. 

[Originalmente publicado na revista Fora de Pauta, nº 11]

O MAU VIZINHO, pelo viés de Felipe Severo

felipesevero@revistaovies.com

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4 comentários em “O MAU VIZINHO

  1. Ah legal,
    achei que só eu tivesse curiosidade sobre a História desse prédio…heheh
    mas acho que mais dias, menos dias, ele vai ter que vir abaixo..só não sei quem vai ter coragem de começar a empreitada..até lá vai continuar fazendo parte da paisagem da Rio Branco.

  2. nossa, nao sabia da idade desse prédio. sempre tive curiosidade sobre e do porque estar abandonado.pensava q poderia virar uma ocupação, servindo de lar a uma galera mais carente se fosse financiada uma reforma, como aconteceu com o prédio do inss em porto alegre uns anos atras hehe excelente matéria e parabéns por abordarem assuntos ignorados. 🙂

  3. nossa, nao sabia da idade do prédio. sempre tive curiosidade sobre e do porque de nunca ter sido terminado.eu achava q poderia servir de moradia pra galera carente caso fosse possivel financiar uma reforma como aconteceu com um prédio do inss em porto alegre uns anos atras hehe parabéns pela matéria e por abordarem assuntos ignorados 🙂

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