O ESPETÁCULO COMEÇOU

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À direita, em pé, Luiza di Rossi. Foto: Bibiano Girard.

Às 17 horas do dia 6 de maio, surgia a silhueta de Luiza di Rossi contra a luz amarelada do camarim. Na cabeça, a preparação do penteado que dá vida a Leninha. Felipe Martinez, o diretor da peça daquela noite, dormia na arquibancada e Aline Ribeiro, a prostituta Célia, escrevia em um computador apoiado sobre os joelhos. O cenário era de um ambiente tranquilo, silencioso, quase celestial. Rafaela Costa e Deivid Gomes estavam na rua, Juliet Castaldello e Cauã Kubaski também. A primeira dupla estava a colar cartazes pelo Bairro do Rosário, esta confusão de ruelas e bifurcações na cidade de Santa Maria. Juliet e Cauã buscavam o material gráfico que estava pronto para ser vendido na banca. Adesivos, chaveiros, bótons, camisetas.

Deu fome na trupe. Desde o almoço, ninguém ali havia colocado algo na boca. Rafaela Costa retira do bolso o dinheiro, conta e entrega a Deivid. “Busquem alguma coisa, sei lá, sanduíche”. Em alguns minutos, entre vestir a meia-calça arrastão e pintar os cílios, um presunto acompanhado de queijo e margarina ia parar entre duas fatias de pão. “Cadê o pão? Não tem mais?”, perguntava algum desavisado. Havia mais uma sacola escondida entre mochilas, roupas, peruca, trapos, roupas, chinelos, sapatos e bugigangas.

Aline para em frente aos presentes, ainda apenas o elenco, e solta o cabelo preso. Um bufo escuro palpita sobre sua cabeça como uma peruca mal cuidada. “Para deixar assim, é só não lavar por um dia, um dia e pouco”.

E o cheiro?

“Cheira pra ver, não tem cheiro de nada”.

O odor era naturalmente agradável como xampu Seiva de frutas.

Em pé, Juliet arruma o cabelo de Luiza. Ao fundo, Aline quase pronta. Foto: Bibiano Girard

Tem cerveja aí? Vamos beber algumas enquanto o pessoal não começa a chegar. “Onde vamos armar a banca de vendas?”, questiona Rafaela, recém chegada. “Acho que ali, Rafa, do lado do bar, pra não atrapalhar o espaço aqui”.

O espaço no qual Rafaela, Aline, Felipe e Cauã estudavam para melhor atender o público esperado para a noite era o haal do Espaço Cultural Victório Faccin, popularmente conhecido por TUI por acolher e ter como gestores o pessoal do Teatro Universitário Independente de Santa Maria, atuantes desde 1961. A tarde ia andando devagar para alguns, rápida demais para outros. Luiza di Rossi permanecia por mais tempo no camarim enquanto Aline conversava na mesa sobre as mudanças no cenário.

O varal ao fundo aumentou. Tem mais roupas agora?

“Ah, sim”, responde Aline. “Sabe por quê? Quando nós estivemos lá em Curitiba, durante o FRINGE [Fringe, que, em inglês, significa “franja” ou “margem”, é inspirado no maior festival de artes do mundo, o Festival Internacional de Edimburgo, na Escócia. Lá, o Fringe surgiu espontaneamente em 1947, quando companhias escocesas e inglesas que não estavam na programação do evento resolveram virar a mesa e criar uma “fenda” pra eles. O Fringe deu certo e nós repetimos a receita aqui com a mesma função: ser um espaço democrático.*], um dos críticos e debatedores opinou que o varal tinha que ser adotado como uma finalidade explícita: ou era parte da história quando a personagem de Dilma retira a calcinha do varal para trocar em meio à cena ou o varal funcionava como parede, como fundo. Acabamos optando pela segunda ideia e agora os espectadores vão notar que aquele varal das primeiras apresentações, com um ou dois fios e poucas roupas penduradas virou um fundo, sem ser parte, ou seja, sem ser mexido durante a peça. A Dilma agora pega a calcinha do lado do balde”.

Rafaela Costa preparando o varal. Foto: Bibiano Girard

Luiza, vez por outra, surgia do alto dos degraus que dão acesso ao camarim com uma novidade no corpo. Ora o cabelo enrolado, ora a roupa da personagem já vestida. Aline conversava tranquila quando resolveu ir pintar o rosto com maquiagem. Pintar é eufemismo, pois Célia passa os aproximados 80 minutos de peça alcoolizada, vestindo trapinhos e com o rosto borrado pela maquiagem barata.

Nesta apresentação, em uma das cenas, quando Célia e Giro se enfrentam (veja a cena no vídeo abaixo) Aline Ribeiro teve o azar de ter a lente de contato do olho direito deslocada, tomando seu tempo na coxia antes de voltar ao palco.

Aline Ribeiro pintando Célia. Foto: Bibiano Girard

Das três, Luiza parece menos nervosa. Juliet deixa notar uma inquietação. É hora de colocar o vestido usado por Dilma com um rasgo entre as costas e a saliência dos glúteos. Cauã, que dá vida a Giro, é o último a se sentar em frente ao espelho para evocar, através da pintura do olho, seu personagem asqueroso que, por sua bela atuação e pela apropriada direção de Felipe Martinez, acaba cunhando empatia na plateia.  “Pois é, é estranho, né? Eu acho que as pessoas se identificam com o Giro porque ele ali é só mais um sofredor. Ele tem amargura, rancor e tristeza. E isso é demonstrado pelo personagem nas falas. Acho que é por isso que a plateia acaba, digamos, gostando um pouco do Giro”, diz Cauã ainda no hall de entrada.

Cauã Kubaski dando vida a Giro. Foto: Bibiano Girard

Faltava surgir Osvaldo, o segurança da casa, leão-de-chácara e antagonista, o qual, durante em cena, causa ascos no público. Mas Osvaldo não aparecia. O público começava a chegar. A porta do camarim fora fechada e a da sala de espetáculos também. Agora eram atores de um lado, público do outro. Aquela magia que o teatro causa, a emoção do espectador em apreciar uma história contada ao vivo, com mais vivacidade, e os atores, na angústia da coxia em pensar que, em pouco tempo, tudo ali vai mudar. O varal estava pronto. “Eu só quero é ser feliz” em alto e bom som começa a tocar na sala do espetáculo, ainda restrita aos atores e pessoal da técnica, os quais são integrantes e também atores do grupo “Teatro Por Que Não?”. Luiza di Rossi dança como em um baile dos morros cariocas, Juliet Castaldello gira pelo salão, Aline é só excitação com Célia quase incorporada. Surge Osvaldo, por detrás do palco, vestido a caráter, com sua camiseta branca e calça fosca. Os aparatos estão devidamente colocados no palco: cadeiras, banco, balde com água, abajur lilás.

Abrem-se as portas da sala. O público aos poucos vai entrando enquanto Célia tenta mais um cliente entre aqueles que esperavam o início da peça. Dilma senta-se, Leninha espera de costas, atrás do varal, para adentrar no mundo indigesto de Plínio Marcos, autor da história, através de Leninha. E assim, sem notar, está-se dentro daquele antro, de frente para a sujeira da crueldade da vida, assistindo ao incômodo que mora ao nosso lado. É hora de permanecer em silêncio.  O espetáculo começou.

O abajur Lilás no FETISM.

O ESPETÁCULO COMEÇOU, pelo viés de Bibiano Girard

bibianogirard@revistaovies.com

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