“UMA SEMENTE FOI LANÇADA”

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No dia 21 de maio, as ruas do centro de São Paulo foram o cenário de uma guerra. Uma luta em que apenas um dos “lados” tinha armas enquanto o outro fugia. Um enfrentamento onde um dos “lados” era a policia, teoricamente – e apenas teoricamente – o braço do estado referente à segurança pública, à proteção dos cidadãos. A tropa de choque foi posta em ação contra um grupo de pessoas que não aceitara a decisão judicial que proibia a Marcha da Maconha. A marcha não apenas foi dispersa, como também os manifestantes foram atacados e colocados em uma situação de enfrentamento físico violento, que não estava nos planos de ninguém. Mas isso não é novidade e é justamente a reincidência da violência policial que apresenta um ponto em comum entre a Marcha da Maconha e outras manifestações que apresentam clamores pontuais de alguma questão da vida em sociedade. Ou melhor: a proposta de uma nova vida em sociedade. Para citar um exemplo também em São Paulo, no dia 17 de março em manifestação contra o aumento da tarifa do transporte público, houve, mais uma vez, excessos da polícia.  As detenções, como sempre, surgiram naturalmente.

Ao notar que o problema comum da maioria das passeatas que vinham sendo realizadas era a repressão policial, a organização da Marcha da Maconha criou uma nova marcha, intitulada Marcha da Liberdade, realizada no dia 28 de maio. Notando que os organizadores do evento eram os mesmos da Marcha da Maconha, a Justiça de São Paulo proibiu também a segunda manifestação, argumentando que ela seria uma apologia ao uso de drogas. Mesmo proibida, a Marcha realizou-se sem maiores conflitos e reuniu mais de 2 mil pessoas, que partiram do largo do MASP e atravessaram a Avenida Paulista.

A ambiguidade da lei que permitiu à Justiça de SP proibir as duas marchas – que via a Marcha da Maconha como apologia ao uso de drogas, e não como liberdade de expressão – foi desfeita pela votação no Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 15 de junho. Os ministros por unanimidade consideraram que levantar o debate sobre a legalização das drogas através de passeatas é legal, sim, e, mais que isso, uma demonstração da participação popular na construção da cidadania.

Porém a ideia de uma passeata que pedisse por Liberdade em todos os niveis já havia estendeu-se e, no último sábado (18 de junho), a Marcha da Liberdade foi realizada em mais de 40 cidades pelo Brasil. Santa Maria – que também tem um histórico de abuso de autoridade em manifestações populares, como, por exemplo, no caso do spray de pimenta que seguranças da Prefeitura jogaram nos estudantes que protestavam contra o aumento da passagem (para ler mais leia “Negociando o Direito de ir e vir“), em 2010 – também realizou a sua Marcha da Liberdade.

Marcha da Liberdade em Santa Maria

Na concha acústica do Parque Itaimbé, provavelmente o mais famoso reduto ambiental de Santa Maria, a proposta era de criar um ambiente diferenciado daquele do cotidiano. Eram 14h de um sábado ensolarado que contrariava os avisos de chuva. Aos poucos as pessoas chegavam e se somavam e o movimento tímido e desacreditado começava a ganhar corpo. Depois de muitas tentativas uma vizinha caridosa ofereceu uma tomada para que fosse puxada a energia necessária para a pequena caixa de som, suficiente para alguns pronunciamentos e, nos intervalos, uma música ambiente. Provavelmente um reggae. Algumas pessoas mateavam. Outras pintavam suas faixas e cartazes. Alguns tambores improvisados em tonéis e galões de óleo davam a cadência que depois de alguns minutos familiarizava-se com o ambiente. Fazia parte dele.  Nesse momento, por mais obvio que parecesse, a determinação era de que, de preferência, não se usasse maconha ali. Cientes das responsabilidades legais de consumo, a marcha não trazia esse propósito. Estava ali para pautar o debate. Para que as pessoas parassem para pensar e não para fumar, mesmo que um não signifique o impedimento do outro.

Marcha da Liberdade passando pela praça Saldanha Marinho (Foto: Tiago Miotto)

O microfone estava aberto para toda e qualquer manifestação. Alguns grupos se posicionaram e arrancaram aplausos da arquibancada, agora mais movimentada. Em um caso, o grito de “Liberdade de expressão” foi puxado por aquele que estava ao microfone. A plateia aderiu e o coro deve ter sido ouvido muito além pelo parque. Movimento do Hip Hop, a luta LGBT, partidos políticos, coletivos culturais, as falas foram por onde elas próprias determinaram, sem amarras, limite de tempo, era apenas querer, pegar o microfone e falar. Foi o momento da marcha onde mais estiveram presentes outras causas que não apenas a legalização da maconha, mas que, da mesma forma, vem suas liberdades cerceadas por preconceitos, conservadorismos e afins. Porém, e é lei, sempre há um porém, a liberdade, a linha em comum que amarrava a luta de cada um dos presentes, teve um pequeno momento de “pré-tensão”. Uma moça, de aparência civil, distante da grande maioria dos manifestantes, fotografava, até que alguém comentou que se tratava de uma policial. A preocupação entre o grupo de pessoas mais próximas foi aliviada assim que, acompanhada de um homem, a suposta policial foi embora. A dúvida, é claro, permaneceu. O objetivo das fotos, até agora, não foi justificado. Além disso nada fugiu a ordem e ao planejado. O clima era absolutamente pacifico e tranquilo, e não era de se esperar diferente. Alguns policiais a cavalo passaram em um momento, talvez dois. Mas mais pareciam a típica ronda do Parque Itaimbé do que propriamente repressão. A paz estava garantida, na teoria, por um documento extraído de uma conversa com representantes do poder público que garantiam a legitimidade da Marcha da Liberdade de Santa Maria, que agora, quase 16h, preparava-se para partir.

A Marcha da Liberdade subiu a rua Venâncio Aires em direção à Praça Saldanha Marinho, onde há pouco havia sido realizado um show de uma banda gospel. Entre os gritos de ordem estavam “Seu Schirmer, sem-vergonha, a passagem está mais cara que a Maconha”,  “Hey, Polícia, maconha é uma delícia”, “Machista e estuprador não merece o nosso amor”, puxado pelo Movimento Feminista da UFSM e aquele que pareceu o hino que unia todos ali, a música “Sociedade Alternativa”, de Raul Seixas e Paulo Coelho.

A Marcha atravessou o calçadão, criando diferentes reações. Enquanto alguns apoiavam e até se uniam à Marcha, pelo menos por algumas quadras, outros torciam o nariz e utilizavam o termo “bando de maconheiros” de maneira pejorativa. Não que alguém que estivesse na Marcha, que trazia como principal pauta a legalização do uso de maconha, fosse ficar ofendido. Independente das manifestações de apoio ou repúdio, a Marcha seguiu de maneira pacífica, como foi proposta, passando pela rua 24 horas e descendo o túnel Evandro Behr, ocupando apenas uma faixa. Foi nesse momento que grande parte dos manifestantes notou o tamanho que a Marcha tinha tomado, pois aqueles que saiam na esquina com a rua Venâncio Aires, se olhassem para trás, conseguiriam enxergar o final da Marcha, ainda descendo o túnel.

Manifestação passando o túnel Evandro Behr (Foto: Tiago Miotto)

A passeata seguiu a Rio Branco abaixo, fazendo uma parada na esquina com a rua das Andradas, onde começou-se a cantar “Quem não pula quer censura”. Engraçado foi que até os cachorros de rua que acompanhavam os manifestantes começaram a pular. A partir desse ponto, uma viatura da Brigada Militar começou a acompanhar a Marcha. Quando a manifestação chegou à Gare da Estação Férrea, o carro estacionou e os policiais ficaram ainda um tempo observando.

Na Gare, mais uma vez foi disponibilizado o microfone para quem quisesse se manifestar. Só depois que todos começaram a cantar “Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia” e Felipe Cavalcanti, membro do Coletivo Verde de Santa Maria, falou que “Nós não precisamos ser vigiados”, que os policiais retiraram-se, talvez por perceberem que nem mesmo ali os manifestantes fariam uso de drogas ilícitas.

Marcha da Liberdade em Santa Maria (Foto: Tiago Miotto)

A vontade de realizar uma Marcha da Liberdade em Santa Maria não partiu de um grupo apenas. “O pessoal do Coletivo Verde, juntamente com o DCE, estava pensando nessa questão de fazer uma Marcha aqui, e já tinham pessoas cobrando a gente ‘Não vai rolar uma Marcha em Santa Maria?’ e então a gente começou a se articular para que isso se realizasse. Depois o Marcelo [Cabala] entrou em contato com a gente, enquanto Macondo Coletivo, porque ele também queria entrar nessa organização. Então o DCE, o Macondo Coletivo e o Coletivo Verde tomaram a frente para divulgar”, diz Gabriela Quartiero, acadêmica de Psicologia e membro do Diretório Central dos Estudantes da UFSM.

As pessoas que compareceram à Marcha foram chamadas principalmente pela internet. “A gente optou por não usar uma mídia convencional e sim apenas o Twitter e o Facebook. Tomar as redes como divulgação“, diz Cabala. As certa de 300 pessoas presentes na Marcha em Santa Maria, número apenas um pouco menor que a realizada no mesmo dia na capital Porto Alegre, mostrou que a rede tem funcionado como modo de mobilização.

“O objetivo máximo da Marcha da Liberdade foi trazer as pessoas pra rua, fazer elas notarem que ao se mobilirazem, têm poder. A função do Estado não é falar pra gente o que a gente pode pensar ou curtir.”, diz Felipe Cavalcanti, acadêmico de Engenharia Florestal e um dos fundadores do Coletivo Verde de Santa Maria. O grupo, criado há poucas semanas, busca levantar pautas não só a respeito da legalização da maconha, mas também procura gerar debate sobre causas ambientais, como por exemplo o novo Código Florestal (para saber mais sobre o Novo Código Florestal leia “Desmatar is money“).

Senhora e criança observam a Marcha da Liberdade (foto: Felipe Severo)

A ideia é realizar novas marchas, pois “As reivindicações são tantas que fazer uma caminha de uma hora e pouquinho, não dá para reivindicar todas as lutas. A Marcha é o início da união das lutas e ir para as ruas.”. De fato, de todos os movimentos que não estavam na organização mas que marcaram presença – LGBT, Hip Hop, Movimento Feminista, Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Diretórios Acadêmicos, entre outros – poucos foram os que tiveram suas pautas debatidas ou seus gritos de ordem entonados. A luta pela liberdade unia a todos ali, mas muitas das reivindicações continuaram individuais. Mas o espaço para unificação de pautas foi aberto, talvez pela primeira vez na cidade. Como diz Marcelo Cabala, “a semente foi lançada”.

Assim como o ato mecânico, físico e corporal de andar, a Marcha da Liberdade precisa agora seguir em movimento. Precisa de pernas que seguirão a correr atrás dessa nova sociedade, livre dos conceitos já ultrapassados do certo e do errado, que sabemos até hoje não foram embasados em discussões, debates, posições e contraposições, convencimentos e argumentos. Até hoje muitas das diretrizes que vigoram nessa sociedade em ruínas vieram de interesses espúrios e não assumidos. De interesses de poderosos, donos da verdade até então. A renovação em seu conceito mais literal significa exatamente isso: repensar, criticar o que já foi feito, propor o novo. É cada vez mais latente o sentimento de insatisfação com o caminhar da humanidade. As mais diversas características da vida na terra estão postas em cheque porque cada vez mais temos visto que não está certo. O movimento conflitante vem quando percebemos que não fomos nós que escolhemos isso. O que rege a minha vida não foi escolhido e determinado por mim. Em visita a uma das várias manifestações organizadas pelos jovens espanhóis em Madri (para saber mais leia “Se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir”) o escritor uruguaio Eduardo Galeano disse: “Este mundo de merda está grávido de outro. E são os jovens que nos levam para frente.” 

VEJA MAIS FOTOS DA MARCHA DA LIBERDADE EM SANTA MARIA

UMA SEMENTE FOI LANÇADA, pelo viés de Felipe Severo e Rafael Balbueno

felipesevero@revistaovies.com

rafaelbalbueno@revistaovies.com

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