E O POVO FOI À PRAÇA

"Piso é lei, faça valer". Créditos: SIMPROSM

Na tarde cinzenta de 16 de setembro, pregando já os ares da primavera vindoura, entre sol, chuva e abafamento, passos rápidos davam sequencia ao habitual de uma praça como qualquer outra. Contudo, 20 fotografias penduradas em dois leves fios no entorno do coreto começaram a fazer os passos tornarem-se contestação, questionamento e leitura. No coreto, jovens e adultos espalhavam panfletos enquanto dois cartazes presos às paredes contavam um pouco mais daquela história – infeliz e vergonhosa – a qual o poder público santa-mariense havia imposto a dezoito famílias da cidade. Estranho para o cotidiano verde da praça, mas já permanente para muitos na consciência da sociedade: os moradores da Vila Brenner (leia mais sobre o assunto clicando aqui) continuam morando nas casas-contêiner, abaixo de chuva, frio intenso ou calor insuportável. Já também enraizado no passar dos dias de Santa Maria nos últimos anos, a praça tornara-se, mais uma vez, ponto de encontro de pessoas protestando por direitos burlados pelo poder central.

Para ver a exposição de fotos feita pelo redator Rafael Balbueno, quando visitou o loteamento Brenner, clique aqui. 

Caixas de som, camisetas verdes, camisetas amarelas e fotografias. Estas últimas mostravam para quem quisesse ver, a situação indigna de moradia. As camisetas coloridas, no mesmo local, já faziam parte de outros protestos, tão relevantes quanto.

Além dos moradores da Vila Brenner, representados também por Dionatan da Silva e Cristiane Cardoso, os quais já estiveram nas páginas da revista o Viés buscando visibilidade para sua causa, encontravam-se também naquele espaço professores das escolas municipais da cidade e trabalhadores dos Correios que aderiram à nova greve da classe. A pauta dos professores era fazer a população, e principalmente o prefeito Cezar Schirmer, agora realocada ao novo prédio suntuoso da prefeitura, no entorno da praça, perceberem o descaso pelo qual estão passando os profissionais da educação local.

Foto: Tiago Miotto

“É NA LUTA QUE SE APRENDE, SE ENSINA E SE EDUCA”, estava escrito em uma das faixas.

Em 2008 o Governo Federal criou a Lei 11.738, a qual estabeleceu um piso mínimo nacional para os trabalhadores da educação. O Supremo Tribunal Federal  (STF), em assembléia, deliberou, por 8 votos a 1, que o piso nacional de salário dos professores para 2011 seria de R$1.187,97. O prefeito Cezar Schirmer, antes de assumir a prefeitura de Santa Maria, era deputado federal e também um dos principais apoiadores da lei, como lembrou a professora Lourdes Passos, em seu pronunciamento na praça: “Os políticos, quando vamos questionar alguma coisa, sempre dizem que estão ‘baseados nas leis de direitos e deveres’. Mas quando são eles que têm algum dever com a população, pulam fora do discurso. Nosso prefeito Cezar Schirmer, lembrando a todos aqui presentes, era um dos parlamentares que mais mostrava sua luta ‘dita ferrenha’ pela aprovação do piso nacional do salário dos professores. Mas agora que está na condição de prefeito, esqueceu de tudo o que prometeu no passado recente. Como assim? Cadê os direitos e deveres que todos temos que seguir? Agora eles sumiram, Sr. prefeito?”.

De acordo com as normas constituídas, nenhum professor da rede pública deverá ganhar menos que o piso nacional quando a carga horária for de até 40 horas semanais. O valor do piso foi orçado devido o reajuste do custo-aluno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação do ano de 2011. Mas em Santa Maria os professores não foram contemplados com este direito legal que a classe nacional cobrou. O tribunal avaliou que o valor do piso nacional equivale ao vencimento básico de um professor com 40 horas. Vencimento básico é aquele que não avalia qualquer benefício ou bonificação.

Os professores locais lutam pelo reajuste legal desde fevereiro. As reivindicações haviam sido apresentadas à prefeitura em reunião no dia 28 daquele mês. Houve também um encontro com a secretária de Município de Finanças, Ana Beatriz Maia Rodrigues de Barros, e com o secretário de Município da Educação, João Luiz Roth. As pautas da classe, entretanto, continuam inertes dentro do espaço de debate do poder público.

No outro lado do espaço de encontros da praça Saldanha Marinho, um agrupamento de trabalhadores dos Correios chegavam com faixas e cartazes para apresentar à população as reivindicações da classe e os problemas que os mais de 110 mil trabalhadores do país inteiro vêm sofrendo com o descaso político do governo Dilma Rousseff. Em entrevista, Julio Cruz, trabalhador da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) de Santa Maria, explicou que a greve era uma consequência das dificuldades que a má gestão pública vem apresentando aos trabalhadores. “A empresa nos ofereceu uma proposta de reposição da inflação em 6,87%, um abono de R$800 e um reajuste para janeiro de R$50 nos nossos salários. É vergonhoso esse dado, não é? R$50 reais, para quem há muito tempo luta por melhores condições de trabalho e de salário, chega ser piada”, afirma Julio. Os procedimentos demonstrados pelo governo foram considerados insuficiente pelos sindicalistas do comando nacional de negociação. “Vale lembrar, também, que a mídia está tentando derrubar nosso movimento. Estão dizendo por aí que nossa greve é fraca, que apenas 60% dos trabalhadores estariam engajados nesta luta. Mas a verdade é que, dos 35 sindicatos que nós temos espalhados pelo Brasil, apenas um, até agora, não aderiu à paralisação”, explica o representante do movimento.

Além de Santa Maria, outras 165 cidades do Rio Grande do Sul que pertencem ao Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos de Santa Maria e Região  (Sintect/SMA) devem aderir à greve. Em 2008, outra greve da categoria paralisou o sistema de entrega de correspondências totalmente.

A proposta apresentada por parte dos trabalhadores da ECT abrange reposição inflacionária de 7,16% – medida pelo Índice de Custo de Vida (ICV/Dieese) – mais 24,76% de reposição das perdas acumuladas. A Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (Fentect) publicou uma nota aos 35 sindicatos filiados pedindo que em assembleias a greve fosse aprovada. Em Santa Maria, há carteiros que continuam trabalhando, mesmo que o sindicato local tenha aprovado uma greve com tempo indeterminado. O piso salarial atual da categoria é de R$ 807. Os manifestantes gritam por R$1.635,00 e melhores condições de trabalho. “Há ainda o caso do concurso público realizado há dois anos e que até agora ninguém foi chamado. Estamos trabalhando ‘com a corda no pescoço’. Não dá mais, há um arrocho muito grande dentro de cada agência. Se o governo não reavaliar suas medidas, a situação pode ficar complicada”, diz uma das manifestantes.

Durante o mesmo dia, e no mesmo local, enquanto músicas do movimento dos professores tocavam incessantemente, silenciosamente moradores das casas-contêiner, estudantes da Universidade Federal de Santa Maria e integrantes do Coletivo Opção Socialista, continuavam a luta incessante pela dignidade de moradia das famílias do loteamento Brenner distribuindo folhetos e mostrando, através de dois cartazes, os gastos da prefeitura com obras “para gringo ver”, como explicitava um dos avisos. Enquanto dezoito famílias convivem há meses com moradias que deveriam ser provisórias (enquanto não se construíam casas de verdade para os moradores que perderam grande parte de seus bens em uma enchente) e que até hoje não viram surgir um canto de obras para melhorias na condição de vida, a prefeitura constrói pórtico e reforma praças. “Nós estamos vivendo dentro de caixas de lata por muito tempo sem saneamento e tudo o que é necessário. A prefeitura fez até uma proposta para que a gente tivesse luz nas ‘casas’, mas sabe qual foi? Quem quisesse iluminação poderia comprar um poste para a instalação da rede elétrica utilizando a própria renda. Agora são os moradores que têm que comprar os postes? É vergonhoso.”

Para uma senhora que a passos lentos aproximava-se da exposição de fotos, saber que ainda existem as tais casas-contêiner em Santa Maria é questão de Direitos Humanos. “Isso não pode e nem devia ter acontecido. Ninguém pode viver assim, é desumano”. A prefeitura, porém, continua com a indisposição de tratar sobre o assunto. Pouca coisa mudou desde a colocação das famílias dentro das caixas de lata. Enquanto isso, milhões são gastos na obra da revitalização da Avenida Rio Branco, ponto central e “cartão postal” da cidade cultura. “Não se pode chamar de casa aquilo que serve para transportar cargas. Nenhuma pessoa é carga. Temos direitos, somos pessoas iguais. Dá vergonha ver uma coisa dessas aqui em nossa cidade”, completa a senhora com semblante incomodado, assim como centenas dos que pararam para conhecer ou questionar de onde eram aquelas imagens. “São em Santa Maria”, disse um dos jovens morador dos contêineres. “Não pode, é verdade?”, questionou a transeunte.

E O POVO FOI À PRAÇA, pelo viés de Bibiano Girard.

bibianogirard@revistaovies.com

Um comentário sobre “E O POVO FOI À PRAÇA

  1. Que bom que “O Viés” dá vóz ao povo da cidade de Santa Maria! Obrigada por apresentarem nosso movimento pela implantação do Piso Nacional do Magistério, com dados complementares, de maneira ampla e isenta! Lourdes Passos

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