Declarações de ruralistas “não prestam” para o conflito em Vicente Dutra

Na manhã do dia 12 de fevereiro de 2014 começou a circular um vídeo com declarações de dois deputados da Bancada Ruralista no Congresso Nacional. No vídeo, os deputados Luís Carlos Heinze (PP/RS) e Alceu Moreira (PMDB/RS) incitam a violência e destilam ódio contra grupos politicamente minoritários. Os deputados, que teoricamente fazem parte da “base aliada”, não poupam o governo de críticas. É Heinze quem diz, sobre o ministro Gilberto Carvalho e sua pasta, a Secretaria-Geral da Presidência: “É ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas. Tudo o que não presta ali está aninhado”.

Já Alceu Moreira incita a violência por parte dos ruralistas. Diz para uma plateia em polvorosa: “Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”. Declaração que abre margem para diversas interpretações: estaria o deputado estimulando a criação de milícias armadas dos agricultores? Quando diz “expulsem do jeito que for necessário” no que estará pensando o deputado? Em outro momento, Moreira volta à carga: “A própria baderna, a desordem, a guerra é melhor do que a injustiça”, demonstrando seu conhecimento em matéria de justiça.

Luís Carlos Heinze complementa o pensamento do aliado ruralista se baseando nas experiências de dois estados brasileiros líderes em violência contra povos indígenas: “O que estão fazendo os produtores do Pará? No Pará, eles contrataram segurança privada. Ninguém invade no Pará, porque a brigada militar não lhes dá guarida lá e eles têm de fazer a defesa das suas propriedades”, diz o parlamentar. “Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como o Pará está fazendo. Façam a defesa como o Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade. Foram corridos da propriedade. Isso aconteceu lá”. No ano passado, os latifundiários do Mato Grosso do Sul organizaram o chamado “leilão da resistência”, que arrecadou mais de um milhão de reais entre leilão e doações à parte, para a contratação de segurança particular para as propriedades rurais.

As declarações dos deputados, resumidas no vídeo acima foram feitas em evento organizado pelo também deputado Vilson Covatti (PP/RS) no município de Vicente Dutra, epicentro do conflito entre produtores rurais e indígenas.

QUEM NÃO PRESTA?

Desde o ano passado, a revista o Viés vem cobrindo o conflito deflagrado no norte do estado do Rio Grande do Sul. Na mesma cidade em que as gravações dos deputados foram feitas, uma comunidade indígena resiste em um pequeno pedaço de terra. Não são, contrariando as absurdas declarações, exploradores da terra alheia. Pelo contrário, como já mostrado pela revista no vídeo abaixo, a situação em Vicente Dutra é exatamente a oposta.

A luta das cerca de 50 famílias, que vivem hoje num território de dois hectares conhecido como Rio dos Índios, é por sobrevivência. Assim como acontece em outras cidades da região norte do estado do RS e em outras partes do país, as terras dos Kaingang de Vicente Dutra estão num processo demorado de demarcação, uma espera de mais de dez anos. A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) já abriu o processo de demarcação, considerando aquela área território tradicional. Mas, entre a abertura do processo de demarcação e sua efetiva conclusão, os indígenas aguardam os diversos trâmites burocráticos em situação de calamidade. Enquanto isso, quem lhes expropriou permanece explorando as terras tradicionais.

Essa injustiça ignorada pelos deputados ruralistas teve início décadas atrás. Diferente do que deixam entender Heinze e Moreira, a disputa pelas terras em Vicente Dutra privilegia os produtores rurais e o ex-prefeito da cidade, Osmar José da Silva. Enquanto exercia seu mandato, em 1981, da Silva expropriou parte considerável do que já eram terras ocupadas por indígenas. No lugar foi criado o empreendimento turístico “Águas do Prado”. O empreendimento é um balneário, que explora as águas termais da cidade. O detalhe nefasto: “Águas do Prado” pertencia, na época da expropriação, ao próprio prefeito Osmar José da Silva.

KAINGANGS DE VICENTE DUTRA: AINDA ESPERANDO POR JUSTIÇA

Os últimos capítulos da disputa no norte do estado aconteceram no ano passado. Em novembro de 2013, o conflito acabou com feridos quando indígenas tomaram o “Águas do Prado” à força. Foi em meio a esse conflito já insuflado, que o evento com as presenças de Heinze e Moreira aconteceu na cidade.

Diferente do que fazem parecer, os kaingang de Vicente Dutra já reiteraram que desejam ver os produtores rurais da região indenizados pelas áreas que de fato são tradicionalmente indígenas. As declarações dos deputados ruralistas só demonstram o desconhecimento, ou a má-fé, destes com os processos demarcatórios na região e com a realidade dos produtores rurais no entorno. Incentivando o conflito, fazem parecer que os indígenas e os pequenos agricultores estariam em lados opostos no conflito agrário brasileiro. O que, diga-se, vem bem a calhar para o latifundiário deputado Heinze, que, segundo o próprio declarou nas últimas eleições, é proprietário, junto com sua família, de 1368 hectares de terra, ou 684 vezes o território atualmente ocupado por mais de duzentos indígenas em Vicente Dutra (Alceu Moreira não declarou suas terras para a Justiça Eleitoral).

Para piorar a situação, depois do conflito deflagrado na região e do incentivo de Heinze e Moreira, o lobby ruralista tem tornado a situação ainda pior na cidade. Os indígenas de Vicente Dutra não têm sido recebidos no comércio da cidade, pois simplesmente os comerciantes se negam a vender seus produtos, mesmo que adquiridos com dinheiro vivo. A situação em Vicente Dutra já não é nada fácil. O incentivo à violência e as demonstrações preconceituosas já conhecidas, mas agora públicas, só contribuem para levar mais instabilidade à região.

(com informações de Mobilização Indígena Nacional/Articulação dos Povos Indígenas do Brasil/Instituto Socioambiental)

Declarações de ruralistas “não prestam” para o conflito em Vicente Dutra, pelo viés de João Victor Moura

joaovictormoura@revistaovies.com

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