Na Estação dos Ventos, a situação é a mesma há anos

Aqui deveria haver, se as promessas de obras do PAC tivessem sido cumpridas, uma creche que atenderia as crianças da região. Foto: Gregório Mascarenhas

A última vez que a Revista o Viés visitou a Estação dos Ventos, ocupação urbana no bairro Presidente João Goulart, foi em fevereiro de 2013. Naquele momento, averiguávamos sobre os problemas gerados pela paralisação das obras do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC) de drenagem e instalação de um sistema para o saneamento básico.
As construções, interrompidas algumas semanas antes das eleições municipais de 2012, quando Cezar Schirmer foi reeleito, tornavam a vida na comunidade mais difícil do que antes, quando havia soluções provisórias – como valões – instaladas pelos próprios moradores.  As estruturas de canalização de água e esgoto, além dos bueiros, canos de concreto e meios-fios começaram a ruir. Ainda em janeiro de 2013, o então superintendente de monitoramento e controle de obras do PAC Francisco Severo disse à Revista o Viés que as obras estavam atrasadas, mas não paradas: “Estamos resolvendo ali um impasse na questão do tratamento do esgoto. Como a empresa [a construtora Cotrel] já tinha avançado no seu cronograma, se deu ao luxo de parar. Isso não significa que a obra esteja parada e que não deva retornar no início de fevereiro à atividade plena”.
Até hoje todas as obras estão paradas. No dia 22 de outubro, todavia, houve uma reunião entre a Cotrel, a Prefeitura Municipal, a Associação Comunitária da Estação dos Ventos, a Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) e o Núcleo de Ineração Jurídica Comunitária (NIJUC) da Universidade Federal de Santa Maria, que presta assistência legal à comunidade. O NIJUC denunciou recentemente o abandono das obras ao Ministério Público Federal, que passou a mediar extrajudicialmente o caso. A municipalidade se comprometeu em enviar até o final do mês de outubro à Caixa Econômica Federal, que gerencia os recursos que vieram pelo PAC, as alterações nos projetos iniciais, cujas obras já estão bastante danificadas. Garantiu também que irá realizar obras de manutenção nas vias de acesso à Estação dos Ventos.
 
O buraco da foto é chamado ironicamente pelos moradores de “Magali”, em referência à secretária de Habitação e Regularização Fundiária, Magali Marques da Rocha. Algumas semanas atrás, em um dia de chuva que alagou a via, um carro da Prefeitura Municipal que transportava a secretária acabou se acidentando: por não ver o obstáculo, o motorista caiu com uma das rodas dentro da tubulação. Foto: Gregório Mascarenhas

A história da Estação dos Ventos: ocupação, esperança e abandono
Tito, líder comunitário da Estação dos Ventos,  conta que a ocupação da Estação dos Ventos, localizada entre as regiões central e Zona Leste, ao pé dos morros que limitam Santa Maria ao norte, se deu em julho de 2001.  Os moradores, que então ocupavam uma área localizada na Vila Santos, foram retirados por um processo de reintegração de posse. Dirigiram-se, então, à área ocupada atualmente, que na época era um terreno baldio de banhado e capinzal. Tudo se deu durante uma madrugada de vento e chuva, e a solução encontrada foi passar a noite em um galpão vizinho à vila e que hoje já está em ruínas. Inicialmente, eram 286 famílias, que foram diminuindo por conta da total falta de condições de residência. Os moradores contam que não conheciam o local, ainda que quatro ocupações urbanas já tivessem passado por ali, todas despejadas. A partir daí, começavam a surgir as barracas de lona. Por um ano e mais um dia as famílias ficaram acampadas. Só então, com novas garantias jurídicas, que as casas mais estruturadas começaram a ser construídas na Estação dos Ventos.
Após esse período de tensão pelo perigo do despejo, mais famílias começaram novamente a ocupar terrenos na comunidade. Houve cadastramento e demarcação de lotes. Não havia, entretanto, água encanada, luz ou esgoto. Boa parte da área, inclusive, era alagada. Embora houvesse uma relativa sensação de segurança quanto a processos de reintegração de posse, o pior aconteceu cerca de dois meses depois do início da construção das casas: em uma manhã, os moradores foram acordados pelo deslocamento massivo de veículos do Exército. Os líderes comunitários foram então em busca de qualquer indício que provasse a legitimidade da ocupação, até mesmo com comprovantes de frequência das crianças da comunidade em escolas próximas. Moradores contam que o juiz que comandava o processo pedia que o dono do terreno garantisse transporte para outra área na qual houvesse vagas na educação pública para todas as crianças, sem exceção. Caso não fosse possível, estaria invalidado o processo judicial de reintegração. O dono da área desistiu, então, da negociação. Estava desfeita a reintegração de posse. Houve somente ameaças de outro processo jurídico posterior.
O caminhão que recolhe o lixo não pode andar em toda a comunidade, pois as ruas, em teoria, não existem. Os moradores acabam juntando os dejetos em alguns poucos locais onde há recolhimento. Foto: Gregório Mascarenhas.

O desafio posterior era a compra da área pelo poder público e a regularização fundiária. A Estação dos Ventos foi dada como prioridade devido a uma ampla votação nos pleitos do Orçamento Participativo Estadual. Foi uma grande campanha pela votação não somente na própria comunidade, mas também em outras áreas carentes de Santa Maria. Contudo, a vitória não teve resultados práticos. Já em 2007, houve um decreto do então presidente Luís Inácio Lula da Silva afirmando que todas as áreas devolutas da União deveriam ser destinadas à moradia popular. Mas não se sabia quem era, de fato, o proprietário da área. A luta seria, então, pela compra do território pelo Governo Federal. Houve sucesso. Posteriormente, as terras passaram ainda para o governo do estado e, em outro momento, para a Prefeitura Municipal. No documento de transferência entre as esferas governamentais, há inclusive um parágrafo no qual se diz que a área deve ser destinada exclusivamente para loteamento de interesse social, sob pena de as terras voltarem a ser propriedade da União.
Ainda antes do decreto de 2007, o PAC já havia sido criado. O então prefeito Valdeci Oliveira chegou a encaminhar alguns projetos benéficos à Estação dos Ventos. Yeda Crusius, governadora do estado naquele momento, entretanto, encaminhou ao governo federal um projeto de uma hidrelétrica no rio Vacacaí-Mirim, que passa próximo da comunidade. O projeto elétrico foi, posteriormente, abandonado, mas as condições de vida no local não melhorariam tão cedo. Valdeci Oliveira novamente fez um projeto para as regiões da Estação dos Ventos e Km3. A verba chegou em 2008, ainda no último mandato de Valdeci, e as licitações foram concluídas em 2009, já sob o governo de Cezar Schirmer. As obras começaram em 2012, ano eleitoral, e duraram apenas nove meses.
Desde então, nada mais foi feito ou explicado. Os valores aprovados naquela época não seriam mais suficientes, hoje, para a realização dos projetos. “Hoje, ao invés das casas previstas inicialmente, a Prefeitura só teria condições de construir banheiros”, afirma Tito, explicando que a defasagem dos preços e a degradação das obras abandonadas pode acabar tornando o recurso federal para o projeto insuficiente.
Não há sequer zoneamento urbano na Estação dos Ventos, e essa carência gera uma série de problemas aos moradores. Desde a impossibilidade de provar um endereço permanente até instalar rede elétrica regularizada. Somente uma das ruas da comunidade, a Luiz Castagna, é reconhecida nos mapas. Como a única rua mapeada é a principal, apenas os seus moradores têm acesso à energia elétrica. Na prática, os outros moradores que queiram ter acesso à energia regularizada pela AES Sul precisam prover, por conta própria e com altos custos, os fios de luz e os postes necessários para levar a rede até sua casa.

Serviços como coleta de lixo, transporte público e canalização de água também são impedidos ou dificultados pela falta de regularização fundiária. Uma das consequências mais claras é na saúde pública. O posto de saúde mais próximo à Estação dos Ventos fica na Vila Schirmer. Há, no bairro contíguo Km3, uma Unidade de Saúde em um espaço cedido por uma igreja. Os moradores lutam para que se inclua no projeto a construção de um posto de saúde para todas as regiões próximas à ocupação. A comunidade pede também à Secretaria Municipal de Saúde a vinda de um agente de saúde, que não pode ir à Estação dos Ventos justamente porque a vila não está mapeada.
O reconhecimento da área pelo poder público, como sempre, é dúbia: embora os serviços e direitos básicos de seus moradores sejam prejudicados, a polícia circula rotineiramente pela área, e abordou nossa reportagem na tarde em que estivemos na Estação dos Ventos. Advertidos de que era “perigoso” andarmos com câmeras e equipamentos a tiracolo naquela comunidade, fomos deixados pelos policiais quando informamos que estávamos acompanhados da liderança comunitária. Moradores que presenciaram a cena reagiram com indignação.
Dona Neca, moradora da Estação dos Ventos desde o começo a ocupação, está sem luz em casa há mais de dois meses. A ausência de regularização dos terrenos impede inclusive que a companhia de eletricidade instale a rede regular. A casa fica no escuro e a moradora, que fabrica pães, fica impedida de trabalhar. Foto: Gregório Mascarenhas.

A Estação dos Ventos é uma das poucas comunidades na cidade que ainda não recebe a visita de profissionais da saúde. À ausência de ações do poder público, contrapõe-se soluções e articulações buscadas pela Associação de moradores da comunidade, como no caso da parceria realizada com o projeto TOCCA – Terapia Ocupacional, Corpo, Cultura e as Artes, realizado pelo curso de Terapia Ocupacional da UFSM. Desde 2012, o projeto atua na comunidade em parceria com a Associação e, neste ano, estudantes do curso passaram a estagiar na comunidade, realizando grupos de convivência, oficinas culturais (contação de histórias, expressão corporal, jogos teatrais), e acompanhamentos individuais e familiares com atenção especial a crianças e idosos.
Andrea Amparo, integrante do projeto, destaca as dificuldades de acesso à comunidade e de continuidade dos serviços de saúde e de assistência social. “O acesso é muito difícil às pessoas com deficiência, e o encaminhamento para serviços de reabilitação, para a escola municipal ou estadual fica, muitas vezes, impedido pela dificuldade no transporte. As vias de acesso sem calçamento são um problema ainda maior em uma comunidade com uma presença grande de idosos, e ainda, a ausência do saneamento básico, que gera uma série de problemas de saúde e agrava as condições de saúde dos moradores que observamos de perto, especialmente, nos bebês e nas crianças”.
A falta da creche municipal – cujo projeto surgiu em 2010, mas que desde então é uma incógnita – também é um grave problema para a comunidade, pois impede as responsáveis pelas crianças – normalmente mães e avós – de trabalharem e obterem uma fonte de renda formal.
Apesar de todos os problemas de infraestrutura na comunidade, o risco de reintegração de posse é, atualmente, muito pequeno. Hoje, contabilizam-se 396 famílias na Estação dos Ventos, que segundo a Associação Comunitária somam um total de cerca de duas mil pessoas – uma comunidade inteira que ainda luta para ser inserida no mapa da cidade e dos direitos.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
  
 
Leia também a reportagem de abril de 2013 sobre a situação na Estação dos Ventos.
 
Na Estação dos Ventos, a situação é a mesma há anos, pelo viés de Gregório Mascarenhas e Tiago Miotto.
 

3 comentários em “Na Estação dos Ventos, a situação é a mesma há anos

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