Tire a sua fobia do meu caminho

Créditos: Maiara Marinho.

– Aí foi quando ele colocou a camiseta com o nome do curso de Agronomia no meu rosto e perguntou “não sabe ler neguinha?”.
– Um dia, ele veio me perguntar se eu era da Bahia e eu disse que não, que eu era cearense, e ele disse: “ah, cearense e baiano são tudo a mesma merda”. Eu saí e ele disse que eu não era pra ficar “irritadinha”, dizendo: “não fica irritadinha, minha linda”.
– Em uma aula de jusnaturalismo, o professor explicava como funcionava a lei do mais forte e exemplificava que grupos menos inteligentes e fracos tendiam a ser eliminados de certos espaços, como a faculdade, por exemplo. Alguns alunos tomaram esse conceito para fazer chacota e o alvo acabou sendo eu e minha outra colega, também negra.
As falas acima foram relatadas por estudantes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Andy Marques, Lane Alves e Rui Duarte, respectivamente, mencionaram atos de opressão que sofreram dentro da universidade. Além desses casos, há outros tantos. No último final de semana (23), em uma festa do curso de Engenharia, uma estudante foi estuprada e outra foi filmada por estar de vestido e sem calcinha. O vídeo foi parar na internet e a menina excluiu suas contas nas redes sociais.
No dia 13 de maio deste ano a estudante do curso de Artes Visuais, Andy Marques, sofreu racismo de um estudante de Agronomia em uma confraternização feita pela turma do 9° semestre em frente à Casa do Estudante (CEU). Além disso, estudantes atacaram residentes da casa com ofensas homofóbicas e os chamam de “vagabundos” e “sustentados pelo governo”. Às 6 horas da manhã, a turma de Agronomia, que comemora todos os anos a chegada da formatura em frente à CEU (local da parada do ônibus para o campus da agronomia, no Capão do Leão), começou a gritar no horário em que os residentes dormiam. Notificados sobre isso, os estudantes de Agronomia disseram que era hora de levantar para trabalhar e que só sairiam dali se a polícia mandasse.
Após isso, começou uma confusão em frente à Casa. “A gente tentou um novo diálogo, não rolou. Então a gente jogou balde d’água e um cara veio para cima de mim me peitando. Aí eu falei: ‘então vem, pode bater, mas bate’! Foi quando ele colocou a camiseta com o nome do curso de Agronomia no meu rosto e perguntou: ‘não sabe ler, neguinha?’. Eu me defendi, dei dois socos nele, tanto que minha mão ficou machucada. Quando comecei a chamá-lo de racista, ele pegou o fardo de cerveja dele e foi embora”, relata Andy. A estudante entrou com um processo, que está em andamento, contra o rapaz que a oprimiu e também contra a universidade.
Estudantes protestam contra o racismo e o machismo na Universidade Federal de Pelotas. Créditos: Maiara Marinho.

Em um momento político em que conservadorismo e ódio estão mais evidentes, opressores sentem-se encorajados para violentarem. O ódio sempre existiu. No entanto, a conjuntura política de crescimento da direita no Brasil, que nunca teve um governo preocupado com o combate às opressões e à violência policial, aponta para um estado de crise política. Como consequência, cresce também o fascismo – uma voz quieta que aguça seus argumentos quando a direita ganha força no Congresso.
Para o fascismo, não há classe social, gênero ou cor. A superficialidade de seus argumentos em um país com uma população que tem aversão à política ganha seguidores facilmente. O monopólio da comunicação influencia para que esse discurso, ao ser repetido incansavelmente, se mantenha na sociedade e seja reproduzido. A falta do contraponto, de outro argumento, de questionamentos compartilhados em meios de comunicação de massa, acarreta que discursos fascistas sejam aceitos de maneira banal, natural. Democratizar a comunicação é uma estratégia importante para que a esquerda possa dialogar com a população e desconstruir o supérfluo que tem convencido desde que o jornalismo atua no Brasil.
“Não sabe ler, neguinha?” foi o que Andy Marques escutou de um estudante do curso de Agronomia. Créditos: Maiara Marinho.

 
A sociedade reproduz e pratica a opressão – o ato de calar, violentar e ofender pessoas por sua cor, classe social, gênero e/ou identidade de gênero. Sendo assim, ela estará presentes em diversos espaços, inclusive em instituições federais de ensino. No entanto, o mínimo que se espera é que a universidade ofereça espaços de diálogo e reflexão em combate a esses atos dentro dela. Na UFPel não há, ao menos, uma ouvidoria sobre casos de opressão.
A estudante de Ciências Sociais, Lane Alves, relatou a agressão verbal e psicológica que sofreu de um professor do curso de Agronomia, onde ela estudava até pedir reopção. Ao perceber que nem a coordenação do Curso nem a Diretoria fariam algo com o professor xenófobo e machista, a estudante saiu do curso. “Inclusive, em uma das vezes que fui conversar com eles, soltaram a frase ‘não pode processar o professor, vai sujar o nome da universidade’. Quando eu vi que não tinha apoio da faculdade, e que muitos alunos, infelizmente, eram coniventes ou tinham medo de se posicionar por ser um professor querido entre os estudantes de Agronomia, me vi largando o curso”, relata Lane, que entrou com um processo em andamento contra o professor.
A elite se incomoda quando pobres ocupam o mesmo espaço que o seu, pois ocupar lugares diferentes é o que faz cada classe “saber o seu lugar”. Esse argumento rancoroso defendido por uma parte da elite conservadora acontece na prática. O espaço da universidade ainda não foi ocupado por pessoas pobres, negras e trans em um número significativo. “Quando eu era estudante de Direito, ainda no meu primeiro ano, antes da política de cotas e do ENEM, senti um estranhamento logo que entrei na faculdade. Todos os alunos já se conheciam, haviam sido colegas nas escolas particulares da cidade e se reuniram em grupinhos de acordo com a instituição em que estudaram. Eu era um dos poucos de fora e de escola pública”. Rui saiu do curso de Direito depois de muitos outros casos de exclusão que sofreu.
Campanha contra a opressão na UFPel. Créditos: Maiara Marinho.

Enquanto a sociedade não avança em combate à desigualdade social e às opressões, políticas públicas são maneiras importantes de minimizar a violência, a exclusão e o ódio. No entanto, é preciso, paralelamente à realização dessas políticas, investir financeiramente na educação e inserir discussões sociológicas, antropológicas e políticas dentro das escolas – além de oferecer melhores condições de trabalho, questão ligada intimamente com a condição de diferenciação e dominação de classe.
No ano passado foi instalada uma CPI na USP para denunciar casos de estupro, ameaças de morte e sequestros no curso de Medicina. Também não é à toa que os cursos mais elitizados sejam os que reproduzam práticas como essa. As crises políticas no Brasil não são somente crises de corrupção de políticos. O que o Brasil vive é um sentimento de descaso e desconfiança se tornando um sentimento de ódio, de resolução dos problemas sociais através da morte, de humilhação das mulheres, gays, trans, negros e negras. Os resquícios da ditadura por vezes se acentuam, e se a construção de um governo não for feita para combater o ódio, a direita continuará sendo maioria, e seguiremos sendo estupradas nas ruas, assassinados nas favelas, silenciados na universidade e atacados por sermos pobres. 
Tire a sua fobia do meu caminho, pelo viés de Maiara Marinho.

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