Eles são do mundo

Foto: Rafael Happke

Ele guardava tudo aquilo para si mesmo. Era uma ideia um tanto inusitada, tinha de admitir. Fazia dias que pesquisava, planejava, calculava e analisava as possibilidades de realizar aquela grande jornada. Sempre quando ela chegava em casa, ele sentia vontade de contar tudo o que descobrira, mas esperou o momento certo. Um dia, quando não restavam mais dúvidas, ele perguntou a ela: “tem algo que eu gostaria muito de fazer antes da gente ter um filho. Vamos dar uma volta pelo mundo em bicicletas?”.
E foi assim que começou a aventura de André e Karla. Recém-casados e sem nada a perder, eles tinham sede de relações humanas. A frenética São Paulo não lhes dava isso por completo. Correria, rotina, um “bom dia” não retribuído. Coisas que marcam o ritmo de uma cidade com pressa. E eles, com certeza, tinham todo o tempo do mundo. Decidiram que juntariam dinheiro para viajar. Chegaram a trabalhar por dois anos para acumular economias. Um mochilão pela América Latina, quem sabe? Mas foi o livro do arquiteto Argus Caruso que deu o norte para a aventura. Ou melhor, o meio. Intitulada “Caminhos”, a obra é a respeito de uma viagem pelo mundo através de um dos transportes mais lentos: a bicicleta. André simplesmente achou aquilo fantástico. Entusiasmou-se sozinho, sem comentar nada com Karla antes que a ideia estivesse completamente amadurecida. E ela amadureceu. Foram semanas ensaiando a pergunta, e ela foi respondida com o mais belo e sonoro “sim”.
Foto: Arquivo Pessoal.

 
Nenhum dos dois era ciclista ou tinha alguma experiência em pedalo. Treinaram por algumas vezes dando voltas em parques, mas nem de longe se comparava a experiência de atravessar países ou até mesmo continentes pedalando. E não havia lugar melhor para começar a viagem do que um país que possui mais de vinte mil quilômetros de ciclovia: a Holanda. Em uma loja especializada em bicicletas e equipamentos para camping em Amsterdã, Karla e André compraram suas bikes, barraca e o que mais iriam precisar para caírem na estrada. E assim foram. Desbravaram países da Europa, África e Ásia. Da Tailândia, voaram para os Estados Unidos e desceram todo o continente americano pedalando. Vindos do Uruguai, pisaram no Brasil novamente após mais de três anos viajando pelo mundo. Rivera, Rosário do Sul e, uma parada em Santa Maria.
Karla e André são sinônimos do desapego, da aventura e do novo. São o mesmo que desenraizar, partir, mas ao mesmo tempo, parte deles ficar. Foram 40 países. E não pense que foi como ir de Paris a Londres ou de quaisquer outras capitais europeias, que você pega um trem/avião e num passe de mágica chega a seu destino. Ir de bicicleta é ir devagar. É dizer um não à velocidade. É encontrar detalhes. É conhecer os pequenos vilarejos. Sentir os aromas do caminho. Provar os sabores. Mas, principalmente, conhecer as pessoas. E essa foi a principal motivação de toda a viagem.
Eles se viravam como podiam: carregavam casa e suprimentos consigo, o que resultava em alguns quilos a mais nas bicicletas. Acampavam onde dava, ou eram recebidos em residências de acolhedoras famílias pelo mundo. E sim, foram tantas! Em cada casa uma cultura, uma história, um legado. Em um mundo onde tudo é tão plástico, tão artificial e as pessoas se escondem atrás de muros ou cercas de proteção, André e Karla adentraram muitas portas. Quebraram tantas barreiras. Foram acolhidos com afeto. Seja pelo casal de holandeses que os convidou para sua casa, seja pela criança chinesa que levou um cobertor à Karla quando percebeu que ela estava com frio. Eles deram e receberam. Conquistaram e foram conquistados. O ganho sempre foi mútuo.

Ser do mundo, só por um pouquinho. Deixá-lo tomar conta. Conhecer o que está ao nosso redor, e que fica aqui por tanto tempo, mas a gente não vê. Existe uma imensidão lá fora para ser descoberta.

O ser humano está sempre enraizado: precisa pertencer a algum lugar, ou pelo menos saber como vai ser o dia de amanhã. A maioria das pessoas sonha em casar e ter uma vida com estabilidade. Filhos. Uma casa. Emprego. Não que André e Karla não queiram isso. Mas eles se uniram e, antes de qualquer coisa, decidiram fazer o mais improvável e ao mesmo tempo mais incrível: ser do mundo. Ser do mundo, só por um pouquinho. Deixá-lo tomar conta. Conhecer o que está ao nosso redor, e que fica aqui por tanto tempo, mas a gente não vê. Existe uma imensidão lá fora para ser descoberta…  E talvez nossa passagem por tudo isso seja tão curta.
De volta ao Brasil, Karla e André irão rumo a São Paulo novamente, encerrando a viagem. E tudo o que viram, ouviram, provaram e sentiram será registrado em um livro. Cada história, cada paisagem, cada pessoa. Principalmente a dona Jeanette. Uma senhora francesa, de 1,30m de altura e 97 primaveras. Quando tiraram um retrato dela, ela sorriu e disse que quando partisse, poderia viajar com eles através da foto. Dias depois, Karla e André receberam a notícia de que dona Jeanette já estava com eles, desbravando o mundo. E estará sempre. Assim como todas as outras histórias de todos os lugares em que eles estiveram e deixaram sua marca.

Foto: Arquivo Pessoal.

 
Eles são do mundo, pelo viés de Vitória Faturi Londero*
*Vitória é acadêmica de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria.

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