SILHUETAS URBANAS

Muitos domingos de infância eram acompanhados por um passeio pela minha cidade natal, São Vicente do Sul. Depois do almoço, enquanto grande parte da cidade tirava sua sesta, minha mãe me levava num vagaroso passeio de carro. Nossa missão era olhar as casas, os jardins, as pessoas, as ruas. Assim, pela tela em que o vidro do carro se transformava, peregrinávamos pela arquitetura da cidade. Sem destino definido e sem pressa.

Enquanto passeávamos, acompanhávamos as mudanças: as novas casas, as novas ruas, os traços na alvenaria e na madeira que gritavam a época de sua construção e seu estilo respectivo. Mas, acima de tudo, andar pela cidade nos mostrava como as pessoas, com suas realidades e suas expectativas, mudavam ao construir suas casas, em terrenos antes baldios, com estilos tão bem distinguíveis.

Enxergar a cidade não é nada extraordinário. Moramos nela, conhecemos muitas de suas ruas, sabemos de cor os caminhos que nos valem e os lugares a que geralmente vamos. Difícil é sabermos contemplá-la da mesma maneira que fazemos com os lugares que visitamos em férias, por exemplo, como se fosse aquela a única vez em que pudéssemos vislumbrar tal paisagem. O turista parece bem mais atento ao olhar do que o habitante.

A grande diferença entre quem visita e quem mora é a relação entre o tempo e a intensidade do olhar. O turista se deslocou com propósito e com hora marcada: ele precisa aproveitar ao máximo, mesmo que isso só se traduza numa série de fotografias de viagem. O habitante tem uma vida já estabelecida: casa, trabalho, mercado, banco etc. Tudo está já disposto no seu mapa mental. Prova disso é pensarmos em quantas imagens fazemos do lugar em que passamos a maior parte do nosso tempo em comparação com as que fazemos dos lugares pelos quais só passamos. O que está ao alcance garantido do olhar escapa de nossos esforços de representação e de compreensão. A imobilidade aparente nos estanca um tanto da vibração e do calor humanos.

Quem não se anima com a iminência de uma nova paisagem? Somos curiosos e apreciamos novos contornos. Só que, na maior parte do tempo, as novas paisagens não se somam a paisagens antigas, já conhecidas, consumidas e processadas. Não prestamos atenção aos lugares ordinários – pelo menos não com a intenção da descoberta. Nossos sentidos se acostumam com a rotina geográfica e esta-cá acaba os anestesiando ao ponto de nos entediarmos com o lugar onde estamos.

De repente, o tédio não nos cega só para as paisagens de quadros mas também para as quebras urbanas. Como estamos sempre com pressa, sem tempo para errar os passos, não enxergamos mais esquinas, nem planos urbanísticos absurdos, nem obras inacabadas por desvio de recursos ou desinteresse de empreiteiras, nem nada. Se já não enxergamos mais o desenho da cidade, tampouco enxergamos as consequências humanas das formas urbanas. Os contornos se apagam e nossa vida se basta nas obrigações de chegar a tal lugar a tal hora. Os caminhos se esvaziam.

No entanto, num domingo, por exemplo, assim como nas férias ou em qualquer outro tempo de descanso, podemos procurar novos ares. Andamos, passeamos, flanamos. Fazemos city tours e passeios guiados. Sacamos fotografias. Registramos o fora do comum. Até que voltamos à segunda-feira de trabalho, à volta às aulas, a mais um ciclo de obviedades e, de novo, perdemo-nos da cidade em que vivemos. Entediados, estressados, cansados.

Como superar o olhar efêmero sobre a cidade? Viajar por ela. Aproveitar qualquer momento para tomar uma rua diferente, mudar o caminho, passar por aquela área que só conhecemos pelos letreiros dos ônibus. A viagem não precisa ser um momento estupidamente carnavalesco. Pode ser tão simplesmente abrir os sentidos às silhuetas urbanas tão frias e distantes dos ‘dias úteis’.









SILHUETAS URBANAS, pelo viés de Gianlluca Simi

gianllucasimi@revistaovies.com

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