Vaga na UFSM, pensamento na aldeia

Luis Salvador, liderança da terra indígena de Rio dos Índios, reivindica que os direitos já conquistados na Constituição de 88 não podem ser vistos como “favores” oferecidos pelas instituições. foto: Marina Martinuzzi

Uma das casas erguidas na aldeia indígena kaingang Ketyjug Tegtu, situada próxima à rodoviária de Santa Maria, abriga a escola da comunidade. Nesse pequeno espaço, caciques kaingang de diferentes regiões do estado, juntamente com estudantes indigenas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) reuniam-se ao cair da noite de uma quarta-feira para conversar sobre as necessidades dos indígenas que frequentam a UFSM e organizar suas reivindicações para uma reunião com o reitor no dia seguinte.
A universidade, para grande parte dos milhares de estudantes que ingressam em um curso do ensino superior a cada ano, é um ambiente novo e contraditório. Por um lado, um leque de oportunidades e possibilidades se abre; por outro, uma série de novas obrigações e necessidades surge e é preciso lidar com elas.
Se para os jovens que são acostumados à vida da cidade e já tiveram algum dia contato com a burocracia civil (fazer documentos, cumprir prazos, preencher formulários, lidar com instituições), os trâmites para regularizar sua situação estudantil parecem confusos e às vezes até assustadores, para estudantes que vêm de aldeias isoladas onde vivenciam uma cultura própria, cair em um mundo completamente novo e ter que descobrir como resolver tudo por conta própria pode ser um pesadelo e até um impedimento para os estudos.
Atualmente, 31 estudantes indígenas das etnias kaingang, guarani e terena estão regularmente matriculados na UFSM, enquanto há a previsão de chegada de mais sete alunos no segundo semestre de 2015. Ao saírem de suas aldeias, os estudantes, que almejam retornar com conhecimento técnico que auxilie no cotidiano de suas próprias comunidades, enfrentam dificuldades constantes. Além da adaptação a um ambiente novo – universitário e urbano – os estudantes enfrentam restrições de moradia, dificuldade no acesso às bolsas permanência e a constante discriminação sofrida dentro e fora das salas de aula.
Em reunião no dia 26 de março, caciques kaingang participaram de reunião inédita para discutir situação de estudantes indígenas na UFSM. foto: Marina Martinuzzi

Os indígenas na UFSM
Desde 2007, a UFSM conta com um Programa de Ações Afirmativas de Inclusão Racial e Social, instituído pela resolução nº 011. O programa garante a destinação obrigatória de vagas para afro-brasileiros, alunos oriundos das escolas públicas, pessoas com necessidades especiais e indígenas.
Em 2011, quando apenas quatro estudantes indígenas haviam conseguido ingressar na UFSM, foi criada a Comissão de Implementação e Acompanhamento do Programa Permanente de Formação de Acadêmicos Indígenas, conhecida como CIAPFAI. Determinada pela resolução de quatro anos atrás, a comissão foi resultado, em grande parte, da articulação dos próprios povos indígenas e da atuação incansável de Augusto Ope da Silva, liderança kaingang histórica que faleceu no ano passado.
A CIAPFAI – composta por estudantes indígenas, órgãos da UFSM, entidades indigenistas como o GAPIN, o COMIN e o CIMI e por representantes dos povos indígenas – passou a realizar a divulgação do vestibular junto às aldeias, atuar junto aos órgãos da UFSM e intermediar a oferta de vagas no vestibular – de acordo com a disponibilidade dos cursos e as necessidades dos povos indígenas. As cinco vagas inicialmente ofertadas aos candidatos indígenas passaram agora para 20, distribuídas entre diferentes áreas. Mais vagas seguem em negociação.
O diálogo com os departamentos para a abertura de novas vagas vai ao encontro do que os indígenas apontam como prioriário para suas comunidades. Atualmente, vinte cursos oferecem vagas específicas para os indígenas. Como os próprios estudantes explicam, a preferência é por cursos das áreas da educação e da saúde, que são as necessidades mais urgentes das aldeias.
As visitas realizadas anualmente pela CIAPFAI às aldeias articulam conversas com os jovens que estão saindo do ensino médio e se interessam pelo processo seletivo. A Comissão Permanente do Vestibular da UFSM (Coperves) se responsabiliza por elaborar um Guia sintetizado dos cursos ofertados aos estudantes indígenas, o qual aborda as áreas de atuação e habilidades que cada curso desenvolve, elucidando possíveis dúvidas que venham surgir sobre a graduação a ser escolhida.
No último ano, foram 136 indígenas inscritos no vestibular. Dentro das 20 vagas ofertadas, uma lista de suplentes é criada caso haja alguma desistência e, se algum curso não tiver sua vaga ocupada, procura-se o remanejo dessa com os demais cursos ofertados para a comunidade indígena.
Reunião entre lideranças e estudantes indígenas, Coperves, Progad, grupos e entidades indigenistas e CIAPFAI antecedeu o encontro com o reitor. Foto: Marina Martinuzzi.

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Na tarde do dia 26 de março, a reunião com o reitor Paulo Burmann para discutir a situação dos estudantes indígenas contou com a presença inédita de caciques kaingang, representando as lideranças das comunidades indígenas do Rio Grande do Sul (RS). Em uma roda formada no segundo andar do prédio da Reitoria, estudantes, integrantes da CIAPFAI, entidades indigenistas, pró-reitores e caciques conversaram sobre a situação, e uma carta contendo as reivindicações dos povos e estudantes indígenas para a UFSM foi lida e entregue ao reitor Paulo Burmann.
Presenciar a roda de conversa, de certa forma, permitia vislumbrar um pouco da particularidade da situação e das reivindicações que se apresentavam: nos diálogos, as línguas portuguesa e kaingang se alternavam, explicitando as diferenças culturais existentes e o desafio que incluí-las de forma respeitosa e democrática representa para a UFSM.
Entre os tópicos elencados na carta reivindicatória indígena, estão a construção de uma Casa do Estudante específica, a criação de um Núcleo de Ações Afirmativas, a elaboração de um programa efetivo de matricula e reconhecimento dos estudantes como indígenas, a realização de processo seletivo diferenciado ou específico para os estudantes indígenas, a criação de um fórum de caciques e lideranças onde representantes de suas terras possam acompanhar e participar da construção e implementação das políticas de educação para os estudantes indígenas, a manutenção do PET indígena e seu desdobramento em mais grupos (PET Saúde Indígena, PET Educação Indígenas, PET Direito e Serviço Social Indígena) e, por fim, a criação de uma bolsa permanência própria da UFSM.
Em encontro com reitor, estudantes indígenas da UFSM reivindicam seus direitos. foto: Tiago Miotto

Dificuldades e falta de compreensão
Os jovens indígenas enfrentam ainda uma série de descasos institucionais. O despreparo ao receber pessoas que vivem e são de uma cultura distinta é percebido desde os primeiros dias em que os indígenas chegam ao campus UFSM de Santa Maria.
Diversos relatos expressavam o descontentamento dos jovens indígenas com uma série de problemas pontuais: a demora no cadastro do benefício socioeconômico que garante o acesso gratuito ao Restaurante Universitário (RU), causando enormes transtornos e constrangimentos para que os estudantes consigam se alimentar, a falta de quartos para abrigar todos os estudantes, além de pouquíssimo (ou nenhum) recurso para garantir os materiais necessários para o devido acompanhamento das aulas e disciplinas, especialmente em cursos mais caros como odontologia ou medicina.
A estudante Roseni Mariano, conhecida como Titi (que significa “neném” em guarani), conta que o ano de 2015 começou com sérias dificuldades para os estudantes indígenas da UFSM. Por um erro administrativo, o auxílio financeiro da Bolsa Permanência – um programa do Ministério da Educação (MEC) voltado a estudantes de baixa renda, indígenas e quilombolas – de janeiro não foi repassado aos estudantes já matriculados, que ficaram com pouca ou nenhuma renda.
Atualmente, seis apartamentos da Casa do Estudante (CEU) com seis vagas cada estão à disposição dos estudantes indígenas, que têm direito à moradia própria e separada dos demais estudantes, para que possam preservar sua cultura e sentir-se acolhidos entre seus pares. Mas, no início do semestre, Titi relata que apenas quatro estavam disponíveis, e os indígenas que chegaram tiveram que dormir nos corredores desses apartamentos mais antigos, sem cama nem colchões – que tiveram que ser conseguidos junto à União Universitária, alojamento provisório para estudantes da UFSM. “Eu me emociono mesmo quando lembro da situação de ver o meu parente indígena dormindo no chão, por não ter trazido colchão, e o funcionário pedir para ele devolver o colchão”.
Titi, que é descendente de guarani e kaingang e vem da aldeia de Guarita, na região norte do Rio Grande do Sul, está no terceiro semestre do curso de matemática. Ficou sabendo do vestibular na escola e resolveu se inscrever. “Nos disseram: ‘tem universidade, tem vestibular, tem casa, tem bolsa’, era mil maravilhas. Aí, me inscrevi no curso de matemática, em Frederico Westphalen, fiz a prova e passei. Quando eu vim pra cá, realmente tinha um apartamento, tinha uma bolsa-permanência, mas não tinha o que eu fazer. A bolsa-permanência demora de três a quatro meses para vim, e aí como tu vai se manter sem dinheiro? Dez centavos de xerox pode ser nada para quem tem, mas para quem não tem nada é muita coisa”.
As dificuldades para realizar esses trâmites burocráticos, na chegada à universidade, foram os principais problemas que a estudante enfrentou em 2014. Para solucionar este problema, uma das reivindicações dos estudantes é a de um núcleo de acolhimento, que oriente os indígenas que chegam à universidade e agilize essas questões. “Eu só tive mesmo a dificuldade de fazer a questão do cadastro, conhecer o que era e pra que servia a PRAE [Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis], tive que buscar sozinha essas informações. Por isso a reivindicação de um núcleo de acolhimento aos estudantes indígenas: para no momento que o estudante indígena chegar, ter a assistência e não passar por todo esse sofrimento que eu passei”.
Encontro com reitor, no dia 26 de março, serviu para estudantes e lideranças indígenas apresentarem as suas reivindicações. foto: Tiago Miotto

Garantir o ingresso de estudantes indígenas
A partir de 2014, a UFSM se juntou às demais 58 instituições federais que aderiram ao Sisu – Sistema de Seleção Unificada, que utiliza as notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como critério de avaliação para o processo seletivo de vagas nos cursos de ensino superior. Essa decisão implica, teoricamente, na universalização da forma de ingresso às universidades federais, uma vez que o Enem consiste numa prova única aplicada igualmente em todo o território nacional.
Ainda no ano passado, a decisão gerou polêmica entre os administradores de cursinhos (privados) preparatórios para o vestibular e os movimentos que defendem a implementação do Sisu. Nesse caso, mais uma vez, as comunidades indígenas foram marginalizadas do processo deliberativo – isso porque as questões elaboradas para o Enem exigem conhecimentos interdisciplinares que não chegam ao ensino e à educação que os indígenas têm acesso, – já que dificilmente compartilham do mesmo ambiente escolar de crianças e jovens brancos – tampouco contemplam as especificidades da cultura e dos saberes indígenas e dos povos originários.
Até o ano anterior, a mesma prova do vestibular era realizada por todos os concorrentes sem discriminação (salvo pela modalidade PEIS, de vestibular seriado, que continha questões diferentes nas provas aplicadas). Os inscritos, porém, na Cota D –  referente aos candidatos indígenas – tinham suas provas avaliadas sob correção diferenciada. De acordo com Márcia Segabinazzi, da Coperves, a distinção se dava no fato de que todos os indígenas inscritos para a Cota não poderiam zerar as provas de Redação e Língua Portuguesa; para os demais candidatos, não era possível zerar nenhuma das provas desenvolvidas, como as matérias de Química, Física e Matemática, por exemplo.
Na reunião do dia 26 de março, que antecedeu o encontro com o Reitor, lideranças indígenas, CIAPFAI, Coperves e Prograd (Pró-reitoria de Graduação) discutiram possíveis alternativas para se garantir uma forma de ingresso justa para os indígenas. Entre as opções, a inscrição no Enem foi totalmente descartada, levantando a ideia da criação de uma prova específica para os indígenas, que contenha redação e questões sobre a língua portuguesa – proposta feita por Márcia, representante da Coperves, durante a reunião.
A situação não tem solução simples: a abertura de um processo seletivo à parte do Sisu traz problemáticas evidentes, como formulações de edital, períodos para inscrição, divulgação de resultados e confirmação de vaga – tudo paralelo à forma de ingresso adotada pela UFSM aos outros concorrentes -, mas a ausência de alternativas ao Enem poderia inviabilizar uma política afirmativa e de inclusão que vem sendo desenvolvida ao longo de anos.
Os custos que esse processo envolveria foram levantados como possíveis impedimentos para sua concretização. O recente corte de R$ 22,7 bilhões no orçamento do governo federal, dos quais R$ 7 bilhões foram cortados da pasta da educação, foram também apontados na reunião do dia 26 de março como possíveis empecilhos para outras pautas apresentadas.
Os estudantes defenderam que o corte de verbas não pode recair sobre os povos originários, que já pagaram demais e são, hoje, uma minoria que enfrenta sérios problemas para continuar estudando. “Entre 28 mil estudantes da UFSM, nós somos apenas 31. Não precisaríamos estar passando por todas essas dificuldades para garantir o mínimo, a permanência, a moradia, e nem por constrangimentos, como ser barrado no RU”, reivindicou a kaingang Mirian Gatẽ Vergueiro, estudante de odontologia.
Os caciques indígenas reivindicam um fórum de lideranças junto à UFSM, para que possam acompanhar a situação dos estudantes. O cacique da aldeia kaingang de Santa Maria, Natanael Claudino (à direita), representa no dia-a-dia as lideranças junto à UFSM. foto: Marina Martinuzzi

“Onde já se viu pobre fazer odonto”
Os jovens indígenas enfrentam ainda uma série de desrespeitos que não poderiam ocorrer mediante uma política já institucionalizada. Mirian Gatẽ Vergueiro, que cursa odontologia, compartilhou um pouco das angústias sentidas e enfrentadas por uma indígena dentro de um curso considerado “de elite”: “Semestre passado o custo com materiais deu R$ 3.445,00. De onde que eu ia tirar todo esse dinheiro? Dinheiro de material, equipamentos pra trabalhar. Aí se não tem esse material, não tem como participar das aulas práticas. Em outro semestre, em que não consegui o material, eu até pedi pra professora pra participar das aulas praticas, e  ela disse ‘não, não pode’. E não tem como mesmo, não tem como ir lá e ficar só olhando”, relata a estudante, que acabou tendo que trancar algumas cadeiras em semestres anteriores e sendo prejudicada no andamento do curso.
As dificuldades para os estudantes indígenas, é claro, não se resumem à UFSM: elas refletem o despreparo de toda a estrutura de educação para a inclusão deste segmento social. Segundo Mirian, o edital de bolsa para compra de materiais não contempla as especificidades dos estudantes indígenas. “As únicas saídas são ou trocar de curso ou trancar as cadeiras que precisam de materiais. Semestre passado a gente conseguiu a bolsa material, por meio da atuação da CIAPFAI. Mas a gente não conseguiu pelo edital, porque o edital pedia documentos de brancos, que a gente não tem. Declaração de imposto de renda, eu acho, e mais um monte de documentação que a gente não tem. Então o edital já não contempla nós, indígenas”.
Para Mirian, para garantir a autonomia e a permanência dos estudantes, este tipo de edital precisaria ser diferenciado. “Que fosse diferenciado na questão dos documentos, na entrega dos documentos. Porque, como eu falei, são documentos de brancos, a gente não tem. O primeiro lugar seria esse. E a bolsa, que fosse depositada o mais rápido possível, assim, porque as aulas práticas começam e eles não querem nem saber se tu tá com material ou não”.
O constrangimento e a humilhação passados pelos estudantes indígenas reforça a vontade de estar perto de pelo menos mais um(a) indígena dentro das salas de aulas. De acordo com Mirian, isso aumenta a segurança e faz com que os alunos se sintam mais confortáveis, inclusive para compartilhar suas dúvidas a respeito da matéria lecionada.
Ao contar sua experiência, Mirian também admite a dificuldade que sente ao se expressar durante as aulas, uma vez que brancos e indígenas têm mais esse ponto em descomum. Apesar de ela ter frequentado a escola desde criança, ainda sente receio em questionar a professora sobre algo, pois já pressupõe que não haverá o entendimento completo daquela dúvida. Essa situação, expõe Mirian, se agrava ainda mais para os indígenas que não têm tanto “domínio” da língua portuguesa em suas múltiplas expressões e gírias.
A própria dificuldade de compreensão foi uma das motivações para Mirian escolher cursar odontologia. “Nas aldeias têm [agentes de saúde] brancos, mas a maioria não sabe lidar com os indígenas. Eles não sabem, e os indígenas não conseguem explicar o que sentem. Eu fico mais à vontade de conversar com indígenas, contar meus problemas para indígenas, porque pra ir até a unidade básica de saúde é muito difícil, e eles não entendem isso. A hora que o indígena decide ir pra unidade de saúde, é porque ele tá esgotado, já usou todas as ervas possíveis e não adiantou. Ele já ficou mais um tempo sofrendo depois de usar as ervas, daí quando está no limite, ou já passou, aí vai procurar um branco, procurar a medicina branca, e eles não entendem isso e aí tratam mal. Ninguém gosta de ser tratado mal, no momento que é tratado mal, não volta mais. E eles não entendem isso”.
Além da evidente questão financeira que demarca as desigualdades sociais, econômicas e culturais vistas em todo nosso país, dentro e fora das universidades, Mirian complementou seu relato reproduzindo os comentários que já escutou de colegas de curso: “Onde já se viu pobre fazer odonto… Por que vem fazer odonto? Escolhe outro curso!”.
Projeto de Casa do Estudante Indígena da UFSM, elaborado pela Pró-Reitoria de Infraestrutura com participação e aprovação das comunidades indígenas.

Moradia estudantil indígena
Uma das pautas que recebeu grande visibilidade e progrediu em função da luta e cobrança da comunidade indígena foi a estruturação de um projeto próprio para a construção da Casa do Estudante Indígena. Desde o ano passado, um grupo de trabalho foi montado a partir das representações já atuantes na CIAPFAI para desenvolver essa proposta a partir das especificações colocadas pelas comunidades indígenas e da viabilidade que a instituição poderia assegurar.
A preocupação em garantir estrutura física que abrigue os atuais e futuros estudantes indígenas que a UFSM ainda irá receber fez com que o projeto fosse elaborado com 128 apartamentos em cada Bloco, sendo 4 blocos e os apartamentos capazes de abrigar até 8 pessoas. A estrutura desenhada se assemelha à já utilizada nas Casas dos Estudantes Universitários (CEUs) existentes hoje, que também contam com cozinha, sala e banheiro, além dos quartos.
A principal diferenciação neste projeto é a preocupação em constituir um local completo que apresente espaços em que os indígenas se sintam a vontade para manter seus costumes e rituais. Além de salas especializadas para as funções acadêmicas, realização de reuniões e acesso à internet e outros materiais, por exemplo, a moradia também prevê uma sala  específica para a produção artesanal e um salão destinado unicamente ao registro e resgate da Memória indígena, como pode ser visto no desenho desenvolvido pela pró-reitoria de infraestrutura.
A Consulta Prévia, Livre e Informada é uma determinação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que versa sobre os direitos dos povos indígenas e tribais e da qual o Brasil é signatário. Essa medida foi decisiva para a concretização do projeto, uma vez que destinou à CIAPFAI a responsabilidade de visitar mais de 15 terras indígenas a fim de buscar a aprovação da proposta de moradia específica junto a lideranças e indígenas das diversas etnias do estado. Após uma semana de itinerários, a construção da Casa foi aprovada.
Respaldada pelos caciques e pelos estudantes que também participaram do processo, essa construção destaca a UFSM nacionalmente como única instituição de ensino superior por apresentar uma proposta de casa para estudantes direcionada exclusivamente para os indígenas e pensada junto a eles. Segundo informações divulgadas na mídia recentemente pela UFSM, a obra deve ser feita em partes, conforme aumenta a presença de indígenas na universidade, e a licitação para a construção do primeiro bloco ainda depende da realização de orçamento do projeto completo.
Quando finalizado, o espaço indígena chamar-se-á “Casa do Estudante Augusto Opẽ da Silva”, em homenagem à liderança kaingang que dedicou sua vida para garantir que os direitos indígenas fossem efetivados dentro e fora da universidade.

Principais pautas apresentadas pelas lideranças e estudantes indígenas:
– Construção da Casa do Estudante Indígena Augusto Ope da Silva;
– Criação de núcleo de ações afirmativas voltado especificamente aos estudantes indígenas, sem vinculação com o núcleo etno-racial já existente, ligado diretamente ao Gabinete do Reitor, com a participação dos indígenas e com poder de deliberação sobre as questões referentes a eles;
– Elaboração de um programa de matrícula e reconhecimento específico para os alunos indígenas, de modo a garantir que seus direitos, como a gratuidade no RU e o acesso a bolsa para materiais didáticos, sejam efetivados;
– Organização de sistema de ingresso diferenciado para os indígenas, ao invés do processo seletivo via Sisu e Enem;
– Estabelecimento de um fórum de caciques e lideranças indígenas, onde representantes das terras indígenas possam acompanhar e participar da construção e implementação das políticas de educação par aos estudantes indígenas;
– Criação de mais grupos do Programa de Educação Tutorial (PET) – PET Saúde Indígena, PET Educação Indígenas, PET Direito e Serviço Social Indígena – e manutenção do PET indígena interdisciplinar;
– Bolsa de permanência própria da UFSM e complementar à concedida via Ministério da Educação.

Palavras, documentos, ações
Se as barreiras se mostram grandes, a força de vontade que mantém os indígenas cursando o ensino superior é ainda maior. Um fator que contribui para a organização e empenho dos estudantes em meio a tantas questões burocráticas é a própria demanda existente em suas aldeias.
Com o tempo, da mesma forma que as lideranças indígenas descobriram em outras lutas travadas fora da universidade, os estudantes indígenas aprenderam algo sobre a sociedade dos fog, como se diz em kaingang, ou dos juruá, como se fala em guarani para se referir aos “brancos” (que não são apenas os de pele branca, mas os que vivem de acordo com os valores da sociedade não indígena): para nós, ao contrário dos indígenas, a palavra falada não parece ter muito valor, e o que importa mesmo são documentos, registros, assinaturas.
Por isso, a carta com as reivindicações foi lida, entregue e assinada. “No geral, é muito papo e pouca ação, por isso fazemos os documentos, para pelo menos dizer: fizemos, entregamos em mãos, então, cumpra-se. Que essas demandas sejam cumpridas de imediato, para não estarmos passando pelo constrangimento que muitos passam e não tem voz. Os meus parentes, eu não quero que sofram. Por isso estou aqui, a gente luta por uma causa só. É um povo só, independente de etnia, de onde vem”, fala Titi.
A estudante resume, de certa forma, as inquietações de muitos dos seus pares e a importância de lutar pelo direito de se manter ligada às suas raízes durante todo o percurso universitário. “Eu preciso ajudar meu povo, e ele é carente em questão de saúde e educação. Quem vive lá sabe. Conversando com o cacique da nossa aldeia, ele disse assim: ‘eu não tenho estudo, mas eu tenho o conhecimento da vida. Lá, você vai ter só o conhecimento teórico. Quem vive é a nossa comunidade, você tem que viver para a sua comunidade’. E é isso que eu vou levar para todo o meu curso, e eu vou me formar. Não sei quando, mas vou”.
No encontro do dia 26, o reitor Paulo Burmann afirmou que a UFSM tem pelos estudantes indígenas “um carinho todo especial, embora ainda insuficiente” e que as reivindicações serão analisadas e discutidas, com franqueza, em outras reuniões a serem marcadas posteriormente.
O reitor também reconheceu que a situação vivenciada pelos estudantes indígenas na UFSM hoje não é a ideal, mas pediu paciência, afirmando que esse é um processo completamente novo. “No geral, estamos buscando atender a todas as demandas para que o próximo semestre tenha um início e uma conclusão mais serenos. Esses pontos que vocês apontaram não podem voltar a se repetir. Esse é um cenário novo, muito novo, que passou a ser tratado de frente, de fato, ano passado. As imperfeições estão aí, são decorrentes dessa experiência nova. Estamos entrando no ano de 2015 em uma situação complicada, mas temos certeza que vamos terminar em uma situação muito melhor. Se for o caso, nós vamos ao Ministério da Educação reiterar a nossa determinação de cumprir as políticas para dar atenção a vocês, nossos estudantes”.
Os caciques que estavam na reunião agradeceram a oportunidade inédita e, agora, aguardam o retorno da universidade. Natanael Claudino, cacique kaingang de Ketyjug Tegtu e representante das lideranças em Santa Maria junto à UFSM, espera que as respostas venham logo. “Fazia tempo que nós, caciques indígenas, queríamos sentar e levar nossas pautas diretamente ao reitor. Isso acabou acontecendo hoje, e após a entrega do documento para ele com todas as demandas dos estudantes indígenas, a gente espera que ele dê o retorno o mais rápido possível, para que a gente possa sentar de novo, avançar em alguns pontos e priorizar algumas demandas. Mas que não demore muito, porque tudo isso era pra ontem”.
Vaga na UFSM, pensamento na aldeia, pelo viés de Marina Martinuzzi e Tiago Miotto
Atualizada 09/04/2015, às 14:00

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