SWIFT ARMOUR: A ESPERANÇA, O PROGRESSO E A RUÍNA.

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Local onde funcionava o restaurante para os funcionários. Foto: Bibiano Girard

O Brasil que assistia o findar do século XIX vivia transformações profundas no seio de sua sociedade, cultura e política, com grandes mudanças na formação do seu Estado.

A Monarquia, sem meios para sustentar seu império sem a mão-de-obra escrava, acaba demarcando o processo de transformação burguesa do Estado, do qual a classe média vem a se tornar principal e dirigente. O fim da escravidão (1888), a reorganização do aparelho de Estado (1889) e a Assembléia Constituinte (1891), serão base para um “tripé” que virá moldar esta formação do Estado burguês no Brasil.

A República então se instala no país. Enquanto isso, no cenário mundial, o século XX chega demarcando contendas comerciais entre potências européias, bem como a aberta rivalidade entre Alemanha e França na disputa territorial. Alianças se formam e a 1ª Guerra Mundial mostra ao fundo a face mais atroz da disputa pelo poder.

Da guerra, os Estados Unidos se sobressaem como a nova grande potência mundial e, entre as formas de manter seu poder e consolidar o sistema capitalista já em voga, distribui empresas ao redor do mundo, entre elas, os frigoríficos que irão se valer do potencial pecuário da fronteira oeste do Rio Grande do Sul no início do século XX.

Sérgio Schlesinger afirma em um estudo sobre o gado bovino brasileiro que “do começo do século 20 até a 1ª Guerra Mundial, chegam ao Brasil os grandes frigoríficos estrangeiros que sinalizam um novo cenário e que prevalece até os dias de hoje: não visam o mercado brasileiro, mas apenas a exportação de carne para a Europa”.

Esta é a realidade que irá marcar os moradores de Rosário do Sul, cidade localizada no interior do Estado do Rio Grande do Sul, na região da Campanha, na fronteira oeste, através da empresa frigorífica e de enlatados Swift Armour S/A, que inseriu em suas estruturas, trabalhadores da grande maioria das famílias da localidade. Atualmente, a cidade tem em média 41 mil habitantes e economicamente baseia-se na agricultura.

As poucas publicações que tratam da história municipal, geralmente vêm relatando episódios da fundação do município e sua breve cronologia, ainda salientando participações nos levantes armados ocorridos no Rio Grande do Sul. Porém, uma análise mais detalhada de alguns períodos, entre eles o período em que a empresa Swift Armour S/A esteve atuando em Rosário, não é estruturada.

Os rosarienses têm intrínseco em suas vivências e em suas ideologias políticas e sociais, o período de funcionamento da Swift. As ruínas da firma, que em 1963 cultivara 655 hectares, são feridas abertas no município, onde ainda se convive com o nostálgico sentimento baseado no pensamento de “se a Swift ainda existisse…”.

Os frigoríficos passaram a se instalar na região do Prata a partir de fins do século XIX, e acabam forçando uma reavaliação no sistema de produção de carne no Rio Grande do Sul, e os primeiros instalados em território rio-grandense seriam de origem americana.

Gustave Swift e Philip Armour tornaram-se duas potências no cenário de produção de carne mundial, com ampla distribuição na América do Norte e Europa, mas ao necessitarem de novas zonas criadoras, voltam-se para a América do Sul, que se torna eixo fundamental de distribuição de carne com a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Antônio Francisco Ransolin, apontando o imperialismo estadunidense desde a antiguidade, escrevera em sua obra “Frigoríficos no Rio Grande do Sul” que “os frigoríficos não fugiriam a regra de formar cartéis e ostentar nomes conhecidos até a atualidade como Swift, Armour, Wilson. As origens dessas companhias eram semelhantes. Houvera uma grande onda de imigração européia a partir de 1820, atrás da fartura do solo gratuito e depois a corrida do ouro. A expansão do ouro na Califórna estimulara o imigrante Philip Armour, ao invés de buscar o saturado mercado de procura do metal, tentar o abastecimento de carne do enorme contingente de mineiros, estabelecendo um pequeno açougue. Com a expansão dos negócios desviou sua atenção para a florescente Chicago. De trajetória semelhante, Gustave Swift, também imigrante, estabeleceu um açougue em Boston, em 1839. Após transferiu-se para Chicago, visando o promissor mercado interno americano, onde a partir do frigorífico formaria seu grande império de indústria de carne no mundo. A cidade de Chicago era o ponto de encontro das grandes ferrovias americanas, de onde convergiam os grandes rebanhos e de lá distribuídas para o interior local onde os grandes frigoríficos constituiriam o Beef-Trust . Abastecido o mercado americano voltam-se para a Europa, porém necessitando de zonas criadoras elaboraram planos de estabelecimento na América do Sul”.

Em 1917 a Armour adquiriu em Santana do Livramento a charqueada Santana e a companhia Swift do Brasil foi organizada em julho em Rio Grande. Instala-se em Rosário do Sul no mesmo ano como Companhia Swift do Brasil S/A – Rosário do Sul, unindo-se à Armour posteriormente.

Aline de Lima Rodrigues e Meri Lourdes Bezzi explicam em seu texto “O processo de reorganização do espaço agrário em Rosário do Sul/RS 1940 – 2000” que “o Município presenciou o processo de declínio espacial da pecuária, e que no mesmo as conseqüências foram expressivas. Em 1917 a cidade contava com a instalação do frigorífico Swift – Armour S/A. Inicialmente, Inicialmente, esse frigorífico realizava seus abates para a produção de charque o qual assumiu importância nacional tal sua expressividade na época. Posteriormente, iniciou a industrialização da carne, por influência internacional (carne bovina enlatada), assim como, contribuiu para a produção de carne cozida enlatada. Em 1962, começou a se desenvolver a produção da carne cozida congelada. Paralelamente, têm início os investimentos na industrialização de frutas e legumes (1943). Especialmente, produziram-se ervilhas em conserva, obtendo, Rosário do Sul o título de maior produtor de ervilhas do Brasil e da América Latina”.

São 65 anos que transitaram entre a esperança, o progresso e a ruína.

A Swift chegara exportar 9.240.291 quilos de alimentos em 1939, tendo abatido um montante de 501.937 cabeças de gado nos 10 anos anteriores. No período da Segunda Guerra Mundial (1939–1945), a empresa foi uma das grandes distribuidoras de alimentos para a América do Norte.

Vista do que é hoje uma parte dos escombros. Contudo, indústrias estão aproveitando o espaço aos poucos e dando vida nova ao local.

Não é apenas coincidência que o Hospital (ainda único da cidade, de 1925), a Biblioteca Municipal (1967), a construção da Ponte Marechal José de Abreu (a maior de concreto contínuo da América Latina com 1.772 metros, de 1969), o Museu Municipal (1973), Clubes como Comercial e Caixeiral, por exemplo, tenham sido erguidos no período de existência da Swift. Isto demonstra que a Swift fora o ponto fundamental para a alteração do pensamento e dos costumes da cidade, das mudanças de hábito e dos desejos de culturalização.

Pode-se perceber uma sociedade que mudava suas bases rurais e se via com novas necessidades, carente de novos ambientes, que vagassem entre a cultura e os ambientes sociais. Observam-se estas mudanças, assim como um cenário de desenvolvimento do pensamento crítico/político, através dos próprios ex-trabalhadores da empresa. Estas afirmações são corroboradas através de entrevistas realizadas com Edgar do Couto Severo, que trabalhou em diversos setores da Swift no período de 1948 a 1958, Nadir Fernandes dos Santos, que trabalhou na empresa no período de 1969 a 1970, no setor de frozen, e ainda com José Carlos Vargas Valenzuela, trabalhador da “Cabanha Azul” entre os anos de 1985 a 1991 (período que a Swift já estava desativada). A “Cabanha Azul” fora fornecedora de gado para a Swift Armour – Rosário do Sul, (entrevistas que podem ser lidas no fim do artigo).

A Empresa Swift Armour S/A trouxe ao município de Rosário do Sul um enriquecimento econômico que permitiu a estruturação de diversos setores da cidade, sem a qual, Rosário teria ficado estagnada e sem maiores perspectivas de desenvolvimento.

Local onde funcionava a Admisnitração da filial rosariense, onde chegaram a trabalhar 800 pessoas. Foto: Bibiano Girard

Muitos dos valores políticos que se mantêm na cidade tiveram origem no período em questão, manifestam-se em momentos de eleições municipais e no questionamento das figuras de cargos políticos e estão se transmitindo através das gerações de maneira informal. Este posicionamento político faz com que a história do fechamento da empresa seja avaliada através de entendimentos distintos. Muitos valores sociais e culturais se moldaram no mesmo período. A cidade mantém vivos elementos que se identificam com a Swift, onde se incluem desde até mesmo bordões populares.

Sobre o funcionamento da Swift, vê-se que a organização e a disciplina eram elementos que impressionavam os trabalhadores de uma cidade essencialmente rural. Típico das fábricas de produção em massa, a Swift mantinha horários rigorosos e atividades tão rigorosas quanto. Os trabalhos eram variados, produzia-se a carne enlatada, mas também se produzia o charque e gêneros alimentícios como ervilha (também enlatada). A cidade ostentava o título de “Capital da Ervilha”, onde ocorria até mesmo feiras e festas municipais em “homenagem” ao produto.

Conforme a situação social, a relação de parentesco e a preferência política do cidadão rosariense, a história do encerramento das atividades na Swift assume, popularmente, no mínimo, 3 contornos distintos: Que a gestão da Prefeitura Municipal do período não soube administrar a permanência da firma da cidade; Que a empresa não tinha mais interesse no município, e já havendo sugado grande parte de suas potencialidades, deixa a cidade independente dos grandes esforços que a Administração Municipal fizera para mantê-la; A empresa ruma ao estado de falência, e a Administração pouco ou nada poderia intervir nem a favor e nem contra seu mantimento na cidade.

A esperança parece ter sido o primeiro sentimento a atingir a população de Rosário do Sul em função da Swift. A espera das melhorias de vida e a expectativa de que a situação econômica da cidade não poderia entrar em colapso enquanto eles estivessem sendo protegidos pela gigante exportadora multinacional. A esperança do progresso, pois mesmo que a população não esperasse que a Swift pudesse vir a deixar a cidade, também não esperava qualquer retrocesso após tão longa e próspera temporada em solo rosariense.

A ruína, que parecia tão incoerente com tantos anos de fartura, fora sentida não apenas nos melancólicos montes de concreto que desabam das antigas e gigantescas estruturas da firma, mas no cotidiano da cidade que, com menor poder aquisitivo, diminui o ritmo da vida social, perdeu poder de compra e, em grandes massas, migrou para outras cidades.

As ruínas do matadouro. Foto: Bibiano Girard

Mesmo estando intrínseco na sociedade rosariense o próspero momento vivido no período de funcionamento da Swift Armour, não existem materiais específicos que o registrem, e tendo esta sido desativada na década de 1980, em breve, os relatos enquanto o momento vivido pela cidade e pelas formas como a existência da Swift influenciou particulares e os modos de vida, se perderão.

Ainda há muito a ser revisitado pela história para que se trace um perfil dos trâmites sociais e políticos mundiais que alteram o cenário da região de fronteira oeste do RS em função da instalação da Swift Armour S/A.

Mesmo que as opiniões venham divergir, o período e o senso popular são ricos elementos que podem ser destrinchados para a análise dos processos de fixação das empresas estrangeiras em regiões tidas por “remotas”, relevante estudo em função das formas como o capitalismo e o imperialismo norte americano conseguem atingir regiões interioranas, adaptadas à costumes mais ruralizados.

A esperança, o progresso e a ruína. São as mazelas de um povo que havia depositado suas mais sinceras expectativas no que, agora, são apenas escombros.

Entrevista com Edgar do Couto Severo
Entrevista com José Carlos Valenzuela
Entrevista com Nadir Fernandes dos Santos

SWIFT ARMOUR: A ESPERANÇA, O PROGRESSO E A RUÍNA, pelo viés da colaboradora e historiadora Tainá Valenzuela e revisado pelo redator Bibiano Girard

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