Esquentando o debate

Aquecimento Global (Montagem sobre foto de Carla Lombardo Ehrlich/WWF)
Montagem sobre foto de Carla Lombardo Ehrlich/WWF

O mês de janeiro chega e algumas certezas dos últimos anos se confirmam: passamos muito calor aqui no Coração do Rio Grande, Grêmio e Inter farão figuração na Copa São Paulo (espero ainda queimar a língua) e lá vai você dar aquela espiadinha com os olhos do Grande Irmão.

Sobre o calor que já é sabido e esperado – com nenhuma ansiedade – logo nos vem a mente a problemática mundial do aquecimento global.

A despeito do que sentimos na pele há quem insista que falar em aquecimento global é alarmismo ingênuo ou ideologizado por quem é contra o “desenvolvimento” (sic) da economia. Estes são os céticos ou os negacionistas. Fingem acreditar que as mudanças climáticas são parte de um ciclo “natural”(sic) pelo qual nosso planeta está passando e negam a influência determinante da ação antrópica na degradação da atmosfera.

Para além das cada vez mais incontestavelmente extremas temperaturas que temos visto e vivido – ondas de frio que chegam a quase 50º negativos no Canadá e EUA; sensação térmica de quase 50º positivos no Rio de Janeiro – o que está em jogo é a produção de riqueza econômica no mundo: manter as economias aquecidas, no atual modelo, significa manter o planeta aquecido.

Nesse jogo, umas das maiores manobras é sobrestimar a existência de um suposto dissenso entre a comunidade científica com relação às causas do aquecimento global, na tentativa de suscitar a dúvida em relação às propostas de redução da emissão de gases do efeito estufa, por exemplo – isso implicaria “esfriar” a indústria, reduzir a exploração de petróleo e gases naturais, entre outras coisas indesejáveis pelas grandes corporações que controlam o mundo.

Além da escassez de dados empíricos que indiquem as mudanças climáticas atuais como inerente aos ciclos naturais do nosso geóide, um levantamento realizado entre novembro de 2012 e dezembro de 2013 apontou 2258 publicações científicas, de alto impacto, envolvendo mais de 9 mil pesquisadoras e pesquisadores indicando que o aquecimento global é antrópico – ou seja, causado pela açã humana. Frente a este número apenas 1 estudo e 1 autor, com algum respaldo científico apresentou trabalho dizendo o contrário (não vou perfilar aqui o currículo do pesquisador que fez este levantamento, interessadXs e curiosXs em geral podem acessar  seu site e conhecer o pesquisador e seus trabalhos).

Uma outra análise, de mais fôlego já havia apontado resultado análogo. Assinada por John Cook, um estudante de pós-doutorado em astrofísica da Universidade de Queensland, na Austrália, e foi publicada no jornal científico Environmental Research Letters. Ele avaliou o abstract, o resumo do conteúdo, de 11.944 artigos científicos sobre aquecimento global e mudanças climáticas publicados por 20 anos, entre 1991 e 2011.

A avaliação de todo esse volume de material, disponível no banco de dados científico Web of Knowledge, revelou que 66,4% das publicações posicionaram-se em concordância a corrente do aquecimento global antropogênico, ou seja, causado pelo homem. Outros 32,6% dos artigos pesquisados endossavam essa posição. Cook encontrou apenas 0,7% das publicações negando a participação humana no aquecimento global e 0,3% expressando incerteza quanto às reais causas das mudanças climáticas.

Não há polêmica entre cientistas que pensam séria e responsavelmente sobre o nosso planeta. Precisamos é que cada vez mais políticas governamentais incorporem esta preocupação de forma justa e adequada; e lutar por mudanças nas nossas maneiras de produzir, consumir e (co)existir.

O produtivismo, seja ele centralizado por um Estado indutor ou correndo frouxo com as rédeas na “mão invisível” do mercado, não é a saída para a crise que vivemos.

O capital (mais do que a “humanidade” em geral) tem atuado ao longo dos últimos trezentos anos como uma força geológica. Acabar com esse sistema é urgente para que tenhamos a possibilidade de outra relação metabólica da sociedade humana com o restante da natureza. E isso não quer dizer que a busca pela solução da crise ecológica só virá após transformações sociais e econômicas vultuosas ou utópicas.

Também não podemos achar que o socialismo – ou alguma forma anticapitalista de vida e gestão – será a solução mágica para os problemas do nosso planeta: as relações insustentáveis com o meio biogeofísico-químico podem existir sob propriedade social ou coletiva também. Apenas substituir a forma de propriedade ou o tipo de controle sobre os meios de produção não altera a relação predatória com que exploramos a natureza e produzimos a vida em sociedade.

A afirmação do Ecossocialismo é profundamente necessária nesse contexto. Investir, desenvolver e apropriar-se de tecnologias de geração de energia “limpa” e reduzir, até a extinção, o uso de combustíveis fósseis, são tarefas que deveriam estar na agenda prioritária de partidos, movimentos e governos. No entanto, como vimos no mais recente jogo eleitoral encerrado em outubro de 2014, as candidaturas “gordas”, com o rabo preso com o desenvolvimentismo voraz, não apresentaram alternativas para escaparmos desta armadilha.

Continuaremos com a predominância das fontes hídricas e fósseis (responsáveis por mais de 80% de nossa energia) e seguiremos vendo que as propostas de desenvolvimento e crescimento econômico estão calcadas na exploração do Pré-Sal brasileiro – suposto Eldorado deste século – de forma a aprofundar e intensificar a dependência de um modelo energético mundial no qual as “cinco maiores petroquímicas resultam num faturamento conjunto de quase U$ 2 trilhões de dólares ao ano, o que é maior do que os PIBs de Austrália, Canadá e Índia, este último um país de 1,252 bilhões de pessoas”.

Em artigo no qual discute “Quem manda em quem”, o professor Alexandre Costa desenha todo o poderio da plutocracia fóssil-financeira e sua relação assimétrica com os países: “Juntemos Total e Chevron [com as cinco primeiras] e a soma dos valores movimentados por apenas 7 empresas é de nada menos que U$ 2,44 trilhões, algo muito próximo do PIB do Reino Unido, de U$ 2,54 trilhões e maior que o PIB do Brasil, de U$ 2,24 trilhões. Por fim, unindo as 16 empresas de petróleo e gás cujo faturamento nos últimos 12 meses ultrapassou a casa de U$ 100 bilhões (incluindo a Petrobrás e a Gazprom russa), chega-se a U$ 3,79 trilhões. superando o PIB alemão e assegurando às gigantes fósseis o posto de 4ª maior economia do mundo”.

Os leilões, concessões e parcerias já realizadas pelo Governo Federal apenas confirmam esta tendência. Embora setores governistas comemorem o “negócio da China” que teria sido o Leilão do Campo de Libra pela participação de empresas públicas estatais chinesas (toda bem colocadas na lista de empresas gigantes divulgada pela Forbes) e da própria Petrobrás, a lógica financeirizada é a mesma e o enclave que levou Libra conta também, embora isso pouco se fale, com a maior do mundo no ramo – a Shell – e a 10ª maior do mundo – a Total.

Mesmo que o Ministério do Planejamento noticie que em 2050, quase um quarto das residências brasileiras utilizará a geração fotovoltaica (energia solar) para o aquecimento de água, ainda é pouco. É uma iniciativa interessante, louvável até, no entanto muito tímida frente ao conjunto da obra que é o nosso sistema energético brasileiro com todo seu impacto, derivações, consequências e custos políticos e sociais.

P.S.: podemos e devemos abrir também o debate sobre os “royalties”, aquela gorjeta ou, nos termos da lei, a “compensação financeira pela exploração do petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos líquidos” . E ver que há muita confusão e ilusão nesta conversa.

Esquentando o debate, pelo viés de Alcir Martins

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