QUEM BEBE DA BICA NÃO LARGA O TÁXI

Faziam 5° Celsius numa manhã de julho que terminava. O bairro Areias Brancas, em Rosário do Sul, é calmo e sem pressa, como quase todo resto da cidade. A pequena cidade está localizada no pampa gaúcho e mesmo estranho que pareça ser, ostenta uma praia, sim, uma praia, daquelas com barezinhos, árvores e areia (diga-se de passagem, muita areia). O bairro Areias Brancas é uma sequência menos charmosa da encosta do rio onde foi construída a nova rodoviária da cidade. Nova para quem tem mais de seus trinta e poucos.

Era nos arredores do prédio com doze vagas para ônibus, uns quatro bêbados transeuntes e um atendente solitário no guichê, que se encontravam sentados quatro amigos a jogar cartas. Fazia frio e um “cusco” passou rengueando. Porém, não era a amostra viva do dito popular. A falta de uma pata causava tal inconstância.

O frio não parecia incomodar os quatro colegas e amigos que jogavam cartas sentados ao sol e com o sol sentado sobre suas cabeças e gorros. Jurandir, Iramar, Jackson e Arnóbio, entre uma jogada e outra, conversavam e posicionam cartas sobre uma mesinha improvisada. Falavam sobre o dia, sobre o frio, e principalmente, sobre a profissão que exercem.

Jurandir Pacheco, Iramar Ferreira, Jackson Santos e Arnóbio Carvalho da Silva são taxistas do ponto da rodoviária. “Da Silva, viu? Tenho o mesmo sobrenome do presidente”, brinca Seu Arnóbio. Durante meia hora, nenhum passageiro. Os carros estáticos eram maioria durante o horário. Naquele ponto, o passageiro sai do táxi para entrar no ônibus e vice-versa, na sua maioria. “Não tem tanto passageiro que não seja com alguma coisa ligada à rodoviária”, diz Jurandir.

Alemão (apelido dado a todo ser de pele clara na região da Campanha) salienta que trabalhar no ponto da rodoviária é prazeroso. “Para ser taxista, o importante é saber bem os caminhos da cidade e os nomes das ruas. É melhor para atender o público”.

Mas os taxistas de Rosário recentemente ganharam um concorrente de peso que tem trazido problemas a classe. Com o rosto franzido, Arnóbio explica que os moto-taxistas tem levado o público. Levado a algum lugar, literalmente, mas Arnóbio se referia ao levado no sentido de retirar o antigo cliente do serviço de carro de praça, como era conhecido antigamente o táxi. “Tempos modernos, né?”

Na história de cada um, trabalhos diferentes antes de tornarem-se motoristas de táxi. Jurandir é natural de São Gabriel, cidade vizinha, e veio para Rosário trabalhar com alguns parentes no setor de frutas. Com o tempo, largou a profissão e foi para o volante. Arnóbio, já aposentado, trabalha com o táxi para passar o tempo. Alemão trabalhava no interior da cidade como peão e desde que decidiu ser taxista não largou mais. Faz dez anos que permanece no volante e se sente satisfeito com a profissão. Já Iramar era motorista de caminhão e quando sentiu que a situação estava difícil viajando pelas estradas, fixou-se no táxi e continuou dirigindo.

O que os quatro repetem em coro é que taxista trabalha demais para ganhar pouco. Com as horas de trabalho que alguns deles fazem, às vezes de dezoito horas por dia, daria para ganhar um bom salário se fosse emprego com valores fixos. O que o taxista enfrenta é a dúvida diária em saber se haverá passageiros ou não. Dependendo, pouquíssimos por dia.

Sobre insegurança, dois pontos: medo de assaltos (sim, a cidade é pequena, mas há população suficiente para que um se proponha a assaltar) e insegurança em saber se no final da corrida o preço marcado pelo taxímetro será o mesmo recebido pelo bolso do taxista. Nem todo mundo que entra no táxi sabe o valor final e, às vezes, o passageiro nem percebe ou deixa o carro seguir para só depois avisar que não terá como pagar. Assim, não há o que fazer: “é pegar o que tem, agradecer e ir embora”.

É. Trabalham por muitas horas e não recebem o que deveriam. Algumas horas da noite, com o passageiro, entram nos bairros mais perigosos. Sair sozinho é um desafio. Podem transportar como podem ficar parados como naquela manhã de julho. Ouvem histórias em cada viagem, contam outras, repassam as mais interessantes. Enquanto o jogo segue, mãos se entrecruzam sobre a mesinha, risadas e troça entre uns e outros. Jackson assiste à partida sobre uma motocicleta. “Ser taxista é bom. Tem as coisas ruins, mas as boas são maiores”. Jackson Santos completa afirmando: “Depois de tu virar taxista, é difícil querer sair. Depois de tomar a água da bica, não para mais”.

QUEM BEBE DA BICA NÃO LARGA O TÁXI, pelo viés de Bibiano Girard

bibianogirard@revistaovies.com

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