Na América Latina há muitos anos de solidão

Arte: revista o Viés.
Arte: revista o Viés.

Gabriel García Márquez alimentou a imaginação de seus leitores através de várias obras. Uma delas, Ninguém escreve ao coronel – de 1961 – assim como O amor nos tempos do cólera – de 1985 – estavam entre as favoritas do escritor. Mas foi com Cem anos de solidão, de 1967, que Gabo sagrou-se um dos maiores expoentes da literatura do século XX, recebendo o Nobel de Literatura. Além desse prêmio, a obra foi considerada a segunda mais importante de toda a literatura hispânica durante o IV Congresso Internacional da Língua Espanhola, que se passou na Colômbia, no ano de 2007. O amor por suas personagens e narrativas é um exemplo das reticências que havia dentro de sua humildade de contador de estórias, sem importar-se com a fama catapultada pela obra de 1967.
Cem anos de solidão conta a história dos Buendía, família que ajudou a fundar a cidade fictícia de Macondo, onde se passa a ascensão e a queda dessa família por cerca de um século. José Arcadio Buendía é o poderoso e louco patriarca da família, e Úrsula, a matriarca forte, que viveu por mais de cem anos. Trata-se de um casal de primos que se casou e teme que seus laços sanguíneos possam gerar filhos com alguma anomalia. Uma das preocupações acerca das consequências de seu parentesco é de que seus filhos nasçam com rabos de porco. As situações cômicas e as trágicas, causadas por aquele temor, serão as causadoras da mudança de cidade e posterior fundação de Macondo.
O casal tem três filhos biológicos: José Arcadio, Aureliano e Renata e, posteriormente, adota Rebeca. Após o povoamento de Macondo, há a chegada de um grupo de ciganos, os quais levam descobertas, tais como a alquimia, à cidade. Entre os ciganos, Malquíades é o mais sábio, quem morre e ressuscita algumas vezes ao desenvolver da estória e quem influencia o patriarca Buendía a se interessar pelas descobertas levadas pelo povo nômade.
A obra, então, desenvolve-se através das gerações dos Buendía, de encontros e desencontros protagonizados por seus parentes. Até que o último Buendía vivo consegue decifrar as escrituras que prediziam o futuro de sua família. No percurso, há uma mescla de elementos e passagens, que incluem um comboio carregado de cadáveres, uma população que perde a memória, mulheres que se trancam por décadas numa casa escura e homens que arrastam atrás de si um cortejo de borboletas amarelas.
Esses elementos, que podem soar-nos com estranheza, como algo inacreditável, são características do realismo mágico, estilo literário utilizado por García Márquez nesta obra, que propõe que o leitor encare a realidade exposta em Cem anos de solidão sem a necessidade de encaixar sua surrealidade com a nossa objetividade. Por vezes, a estória é espantosa demais pra ser plausível; já por outras, é mais real que qualquer realismo convencional.
Os entrelaçamentos temporais, assim como a participação de muitas personagens, podem confundir até mesmo os leitores mais experientes, já que os nomes dos membros da família Buendía repetem-se por todo o século, o que cria inclusive padrões de comportamento, pois se herdava também o estado de espírito dos antepassados.
A saga da estirpe de solitários, que são os Buendía, também funciona como uma metáfora política e social, que é um mote nas obras de García Márquez. A solidão que persegue todos os membros da família protagonista por cerca de um século traduz-se como o isolamento e a esperança da América Latina. Em “o coronel Aureliano Buendía promoveu 32 revoluções armadas e perdeu todas”, fica evidente a utilização do recurso linguístico numa referência à impotência dos homens.
Compreender o contexto político vivido na América Latina durante a produção de Cem anos de solidão é fundamental para perceber a colombianeidade de Gabo ao longo de toda a obra. Em Macondo, chovia o tempo todo, o que remete à umidade equatorial. Além dos elementos importantes no texto, o fato de ter alçado a língua espanhola em nível global, contornando o mercado literário, que era majoritariamente europeu e de língua inglesa.
Usando vestes típicas de seu país em vez do uniforme terno-e-gravata, Gabo, em seu discurso ao receber o Nobel, contemplou a solidão da América Latina e a necessidade do autorreconhecimento como latinos. Eis um trecho:
“A solidariedade com nossos sonhos não vai nos fazer menos solitários, enquanto isso não for traduzido em atos concretos de apoio legítimo às pessoas que aceitam a ilusão de ter uma vida própria na divisão do mundo.
A América Latina não quer, nem tem qualquer razão para querer, ser massa de manobra sem vontade própria; nem é meramente um pensamento desejoso que sua busca por independência e originalidade deva se tornar uma aspiração do Ocidente. No entanto, a expansão marítima que estreitou essa distância entre nossas Américas e a Europa parece, ao contrário, ter acentuado nosso distanciamento cultural”.
Essa obra é um simples e comovente relato sobre a solidão da América Latina, que persegue seus habitantes, mas, no nosso caso, esse sentimento pode superar os cem anos.
Este faz parte de uma série especial sobre García Márquez e sua obra. Acompanhe a revista o Viés. 
Na América Latina há muitos anos de solidão, pelo viés da colaboradora Letícia Fontoura*
*Letícia é Jornalista.
 
 

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