À ESPERA DE UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO

Dois séculos, duas datas marcantes para o México. 1810 e 1910 marcam o processo de independência da colônia mexicana e o início da revolução socialista conduzida no país. Duas revoluções ou, por muitos ângulos, pseudo revoluções. 2010: dois séculos depois, a população do país vivia à espera de uma verdadeira revolução.

México, 1810: iniciava-se o processo de independência em relação à coroa espanhola. Onze anos mais tarde, firmava-se o reconhecimento da independência mexicana, mas independente era uma palavra que não poderia ser usada para denominar o país. A expansão norte-americana engolia boa parte do seu território, o controladorismo britânico e espanhol financiava intervenções conservadoras e o bonapartismo francês, mais tarde, irterviria no México, chegando a nomear imperadores para o governo.

México, 1910: Francisco Madera conclamava o povo contra o ditador Porfírio Diaz, mas na verdade promoveria uma revolução burguesa liberal nem tão liberal assim e nada popular. Entraram em cena nomes famosos como o de Zapata e Pancho Villa lutando para uma revolução, de fato, social. Depois de muitas derrotas e decepções, uma conquista grande: a constituição de 1917, avançada em termos trabalhistas e sociais. Entretanto, quando no poder, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), como ficou conhecido o partido da revolução, não adotou as medidas tão esperadas para uma revolução socialista. Fez-se mandatário total do México e, embora antes defendesse pontos como estatizações e reforma agrária, acabou se voltando à política neoliberal do “irmão” grande Estados Unidos e a práticas de corrupção e esmagamento de movimentos sociais.

Como se pode notar, as duas datas não marcam verdadeiramente revoluções, mas sim uma rotação de poder e o fracasso daqueles que pensavam em uma forma de governo plural e participativa, com a inclusão dos indígenas e pobres na divisão de terras e ne possibilidade de trabalho e educação. 200 anos depois do primeiro marco, entre a população falava-se na esperança de uma nova mudança. A data de 2010, seguindo uma lógica cronológica na história do México, traria algum grande acontecimento. Porém, nenhum grande fato aconteceu e as mudanças bruscas em favor de um país mais igualitário ainda gritam por soluções ou por uma real revolução na vida do povo.

A questão agrária

Da época da colonização, ganhou-se de herança alguns problemas que seguem até hoje. Um deles é a má distribuição de terras. Do sistema de encomiendas realizado pela Espanha, que consistia basicamente em ceder terras aos conquistadores em troca de que estes controlassem os indígenas e os pusessem no trabalho e na catequização, herdou-se a divisão de terras em grandes latifúndios. Os latifúndios, é claro, não estavam nas mãos das classes populares, mas sim principalmente nas mãos da pequena elite mexicana.

Estruturas velhas equivocadas quando se fala em possibilidade de igualização social mantiveram-se. Transformar o “poder lucrar mais” em “poder dar oportunidade” nunca foi a mentalidade dos grandes proprietários de terra. Pelo contrário, além de anular a possibilidade de ascensão social do povo, utilizavam – e ainda utilizam – a massa laboral impondo a ela condições péssimas de trabalho e uma remuneração que impede uma qualidade de vida boa e, o pior, que impede a fé em um modo de vida justo.

O único “furo” na história agrária do México aconteceu ainda na primeira metade do século XX. O presidente Lázaro Cárdenas (do ano 1934 até o ano de 1940), articulador do PRI, voltou seu governo à distribuição de terras e, ainda, à nacionalização do petróleo mexicano, que estava nas mãos de 17 empresas estrangeiras. Foi um governo populista, mas não tão cerceador das massas populares como foram os governos de Getúlio Vargas no Brasil e de Perón na Argentina. Aqui, a subserviência trabalhadora era o meio para o ganho dos direitos trabalhistas. Lá, o objetivo de Cárdenas até era de conter as revoltas camponesas e operárias, mas as mudanças realizadas na vida dessas pessoas foiram bem mais na raiz dos problemas do que nos frutos. Vargas cobriu com os direitos os problemas causados por um sistema desigual de vida, enquanto Cárdenas tentava mudar a base, uma das origens das desigualdades.

Entretanto, quando o presidente deixa o poder, o PRI tornava-se burocrático e ineficiente. Seu sucessor, Manuel Ávila Camacho, não deu sequência à reforma agrária e adotou medidas não desejáveis para a ideologia socialistas. Firmou um pacto com os Estados Unidos durante a segunda Guerra Mundial para que só este pudesse vender todo o tipo de equipamento utilizado na guerra.

A aliança com os Estados Unidos: benefício para quem?

As relações do México com o país vizinho iriam se estreitar cada vez mais e de uma forma de benefícios quase que unilateral. O Partido Revolucionário Institucional abandonaria gradualmente os ideais socialistas, culminando à aderência total de um modelo neoliberal nos anos 1980 e 1990.

Em 1994 era assinado um tratado de livre Comércio entre Estados Unidos do México, Estados Unidos e Canadá. A aderência ao North American Free Trade Agreement (NAFTA) era, para muitos mexicanos, a chance de entrar na era do capital ao lado da potência norte-americana. Os anos foram passando e, hoje, o povo – principais analistas quando se trata de mudança – sente já os resultados do acordo. Dizem que empregos foram criados, mas qual a condição dos trabalhadores nas indústrias estadunidenses? Péssima remuneração e submissão a uma situação desumana. Contratações informais são práticas muito realizadas e, por isso, os trabalhadores não têm direito a férias, aposentadoria, licença por doença, entre outros. Além disso, o México foi inundado de produtos dos Estados Unidos. Mais de 70% das importações provém do “irmão” rico.

Defensores do NAFTA afirmam que, em contrapartida, o México tem 89% das exportações com destino ao parceiro de tratado. Cabe lembrar a estes que quase todos os produtos das exportações provém de, mais ou menos, 3 centenas de filiais de empresas estadunidenses ou de transnacionais instaladas no solo mexicano. Grande parte do que sai para o país vizinho é produto dessas empresas e das maquiladoras – empresas  situadas nas mediações da fronteira que montam equipamentos com peças made in USA. As maquiladoras são uma estratégia fundamental para a diminuição de gastos dos Estados Unidos, já que utilizam mão de obra mexicana, 15 vezes mais barata que a norte-americana. Elas também batem o récorde mundial de exploração infantil, pois são imunes às leis trabalhistas. Cerca de  5 milhões de crianças menores de 14 anos trabalham nas maquiladoras de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2003.

Totalizando as filiais e as maquiladoras, chega-se a cerca de 95% da exportações. O restante divide-se em 2 milhões de pequenas empresas que vivem sempre na corda bamba entre prosperidade e falência. São dados e mais dados assustadores. Para citar mais um, o economista Osvaldo Martinez, diretor do Centro de Investigações de Economia Mundial, aponta que de cada dólar de exportação industrial, somente 18% é fruto de componentes nacionais mexicanos e que, de cada dólar de exportação das maquiladoras, somente 2 centavos.

O narcotráfico

Outra questão problemática no panorama do México diz respeito ao forte narcotráfico no país. Só no ano de 2010 aconteceram 15 mil homicídios ligados ao crime organizado no país. Com o cultivo, a manufatura e a comercialização, o comércio de drogas movimenta até 40 bilhões de dólares por ano. Há um desequilíbrio enorme na questão social que acaba extrapolando gravemente para a questão da segurança.

Cidades são controladas por narcotraficantes. Bairros centrais, como o de Tepito (veja seção de fotos “Se não conheces Tepito, não conheces México”, do fotógrafo mexicano Francisco Mata Rosas), na capital Cidade do México, estão em poder do crime organizado. E quando existem milhões de pessoas abaixo da linha da miséria, não é difícil cair na rede de trabalho narco. Também não é incompreensível, com um Estado que falha na resolução de problemas, que o povo acabe aceitando um poder paralelo ao oficial, ainda que seja um poder “obscuro”.

Autoridades ligadas à administração pública, a cada mês, são descobertas financiando o narcotráfico. Empresas e bancos são pegas sendo financiadas por ele. A corrupção chega a um nível inimaginável e o combate a toda a rede é falho. O blog “El blog Del Narco“, mantido por dois mexicanos anônimos ligados à área de informática e jornalismo, exibe informações cruas sobre o assunto. Pelo teor do site, as fontes são tanto pessoas ligadas ao crime, quanto policiais. O conteúdo abrenge informações censuradas pelo governo, como alguns nomes ligados ao narco, vídeos e fotografias chocantes. O anonimato do blogueiro é a forma de escapar da realidade dos riscos para o jornalista no país  considerado mais perigoso para o profissional.

Na notícia do primeiro massacre do ano, em Porto de Acapulco, as fotografias chocantes demonstram, além do fato em si, uma tentativa desesperada de chamar a atenção do mundo para o que acontece no país. O editorial da dupla (que talvez seja uma pessoa só: um estudante de vinte anos) faz esse papel também quando diz que “Um fato chave para que nascesse o Blog del Narco, foi pelo que decidiram ocultar em diversos meios de comunicação: o terror que se sofre no país”. Eles (ou ele) também dizem que respeitam totalmente a confidencialidade das fontes e que não defendem nem o lado do governo, nem o lado dos narcotraficantes.

Não há uma receita de combate imediato ao mercado das drogas. Mas quando o governo combinar a melhoria socioeconômica da sociedade, possibilitando acesso a trabalhos formais, reforçar a segurança pública, reforçar as campanhas com jovens -principal grupo de vulnerabilidade- contra o uso de drogas (ainda que o alvo do narco seja a comercialização em grande quantidade para o exterior, o consumo interno também fomenta o mercado), conseguirá iniciar o tratamento do problema.

E, então, como ficam as mudanças esperadas para o ano que passou?

Apesar de uma situação desalentadora para muitos e muitos mexicanos que sonham com um país melhor de se viver,  nos Estados Unidos do México pode haver sim uma verdadeira revolução. Há vontade de alguns políticos e, principalmente, vontade da maioria dos cidadãos – principalmente os aproximados 50 milhões (em um país de 109,6 milhões) que vivem em situação de extrema pobreza, miséria ou indigência.

O presidente Felipe Calderón, da direita católica, não tem realizado as reformas e os investimentos necessários. Ele mantém a política neoliberal, o que só agrava os problemas sociais do país,  e fracassa no combate à corrupção.  A esquerda tem ideias boas, entretanto falta uma melhor articulação, pois há brigas fortes dentro do principal partido de oposição, o Partido da Revolução Democrática (PRD),  falta de discussão sobre a ideologia que seguem e pouco diálogo com os movimentos sociais.

Algumas ações de resistência contra o governo fraudulento do PRI que permanece no poder há mais de 80 anos, entretando, podem ser tomadas como uma consciência da urgência de mudanças entre a população. Em Oaxaca, estado fronteiriço com o de Chiapas, no sudoeste mexicano, há uma tradição de luta. O movimento zapatista é forte na região e tenta, fundado na questão da identidade maia (grupo que habitava o México e que teve seus descendentes discriminados e marginalizados ao longo da história), articular um movimento social para a inclusão de minorias que sofrem com o não reconhecimento da diversidade cultural.

No ano passado, na época de processo eleitoral, populares tomaram rádios e fomentaram a coragem pela mudança no povo. Apesar das baixas sofridas pela repressão governista, os agitadores não se levaram pelo medo. E, apesar do PRI ter tradição em fraudes eleitorais, a população compareceu às urnas e elegeu o candidato da oposição como governador. Será difícil um governo distinto, pois as alianças que o elegeram abrangem partidos que vão da esquerda à direita. Porém, a população deu uma mostra de sua coragem em abrir portas para a mudança.

O Movimento Zapatista, organizado de forma política e militar armada, não quer tomar o poder, mas quer a abertura  de diálogo com o governo para uma inserção de suas questões em pauta. Os zapatistas, em suas ações de reivindicação e de levante, são duramente reprimidos, mas resistem nos princípios anti-neoliberais. Os Estados Unidos, sentindo a ameaça de um grupo que difunda ideias contrárias às suas, já manifestou como uma de suas prioridades  o desejo de “aniquilar as forças zapatistas”. O governo acusa o movimento de ações violentas contra a população, incitando o temor e a desaprovação. Entretanto, o movimento segue, incomoda os poderosos e mostra que há sim um povo que tem consciência da desigualdade à qual é submetido e que não vai se calar frente a tantos erros.

No ano de 2010, porém, não aconteceu algum fato surpreendente em escala nacional. A população segue esperando uma verdadeira revolução. É uma revolução que mude verdadeiramente o segundo maior país da América Latina. Há uma grande vontade em alguns setores mexicanos e espera-se que essa vontade se dissemine cada vez mais. Aí sim, o quadro social, político e econômico poderia mudar. E, então, o sonho de muitos desesperançados não seria mais o de migrar ao país que os oprimiu ao longo de toda a história e que ainda oprime atualmente, mas sim o de permanecer e de construir um México diferente, que respeita a pluralidade e que dê condições para os pobres e marginalizados. Pode parecer sonho, mas são os sonhos que impulsionam as verdadeiras revoluções.

À ESPERA DE UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO, pelo viés de Liana Coll

lianacoll@revistaovies.com

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